Notação

Notação musical: conceito, breve retrospectiva histórica desde as primeiras manifestações musicais à concepção de um sistema de notação efectivo e respectiva evolução.

Conceito

O termo notação, em música, designa o registo visual de sons musicais ouvidos ou imaginados, normalmente em formato “grafado”, que, no seu conjunto, formam uma composição musical. Tendo em conta o conceito de universalidade da música, pelo qual se admite a existência de diferentes culturas musicais, não se pode afirmar a existência de um sistema de notação único. No entanto, modo geral, os elementos principais de uma notação dizem respeito a conceitos como a altura dos sons (tonalidade, escala, intervalos), a duração desses mesmos sons (ritmo, métrica, tempo) e questões de expressividade, como as dinâmicas, por exemplo. Nenhum destes elementos pode ser cumprido em termos de precisão absoluta, considerando a subjectividade inerente à execução musical.

A utilização de um sistema de notação cumpre diversos objectivos que, no fundo, se relacionam entre si. Salienta-se, no entanto, o seu contributo para a preservação da música no tempo: “A música, tida como uma outra forma de comunicação tão antiga como a linguagem, necessitava também, tal como as demais áreas do conhecimento, de um sistema base de escrita que permitisse a sua preservação ao longo do tempo. Para isso, o Homem foi criando diversas formas de notação que, evoluindo, possibilitaram a conservação da informação musical gerada ao longo de séculos, passando-se também neste domínio de uma tradição oral para uma já “grafada”, mais consistente e esclarecedora” (Sousa, 2012, p.14). Esta conceito base é o que permite aos intérpretes o estudo e análise das obras obras musicais, tanto contemporâneas como de períodos passados. Ao mesmo tempo, é aquilo que permite aos compositores atingirem níveis de sofisticação musical impossíveis de obter pela mera tradição oral.

As primeiras manifestações musicais

Acredita-se que a música é uma manifestação cultural desde os tempos da Pré-História, “contudo, os indícios sobreviventes que poderiam testemunhar essa produção cultural são escassos, sendo que os mais antigos que possuímos provêm da iconografia encontrada em cavernas ou de achados arqueológicos” (Sousa, 2012, p.19), sobre os quais, por processos de associação, se tecem algumas conjecturas, sem, no entanto, a fundamentação necessária para a atribuição de contextos específicos.

Não obstante, como muitos outros factores culturais de uma dada sociedade, sabe-se que a música, encarada de um modo mais semelhante “ao nosso” de hoje em dia, era já conhecida e apreciada pelos povos da Mesopotâmia, tanto em cerimónias religiosas como em situação do lazer ou do quotidiano. Destaca-se, numa fase inicial, o Povo Sumério, que há cerca de 6000 mil anos influenciou largamente várias outras culturas. Não  se conhece nenhum sistema musical da época, mas foram descobertas várias tábuas com uma escrita cuneiforme, que deixam transparecer a presença de alguma teoria musical, além de vestígios de instrumentos como uma harpas de cordas percutidas e flautas de cana e de prata. Também o povo assírio deixou diversas referências musicais em pinturas, baixos-relevos ou esculturas, que permitiram deduzir a importância dos músicos nessa sociedade, sendo que no antigo Egipto era igualmente fundamental. Nos túmulos egípcios foram descobertos artefactos, escritos e pinturas dos templos onde ficaram gravados diversos instrumentos.

O início da notação: o alfabeto grego

Os antigos Gregos tomaram posse do alfabeto fenício de vinte e dois caracteres, por volta de 800 ou 700 a.C, modificando-o através da conversão de quatro consonantes em vogais, e acrescentando cinco novos caracteres.

É, então, entre a cultura grega, que “se encontra um sistema de notação alfabética, diversificada para a música vocal e instrumental, que acabará por ter grande importância para o aparecimento da notação ocidental. Na verdade, as letras do alfabeto jónico colocadas por cima das palavras, indicavam de uma forma bastante rigorosa a altura dos sons, ficando a sua duração dependente do valor quantitativo das sílabas ou de sinais complementares às letras. É assim que se podem avaliar alguns fragmentos de música grega, do tempo de Píndaro, Eurípedes, Mesómedes e outros” (Borges & Cardoso, 2008, p. 119).

Também os antigos romanos possuíam um alfabeto mas é necessário dizer-se que, em ambos os casos, esta nomenclatura serviu sobretudo um propósito de discussão científica, e não tanto de execução musical.

Já na era cristã, alguns fragmentos como o hino «Oxyrhynchus» e escritos teóricos de Ptolomeu e Quintiliano, contribuíram para a transmissão da cultura grega ao mundo ocidental. As obras de Boécio («De institutione musicae», cerca 500) e de Sto. Isidoro de Sevilha («Ethymologiae», cerca 625) referem mesmo que a notação alfabética seria o modo de preservar a continuidade da música (embora seja conhecida a afirmação deste último segundo a qual a música não se escreve).

A tradição cristã da oralidade

Durante os primeiros séculos, a música era transmitida oralmente, justificando-se, assim, a longa aprendizagem das scholae cantorum, em que o cantor precisava de cerca de 10 anos para dominar o repertório musical dos anos litúrgicos.

Contudo, esta tradição da oralidade deixou de ser suficiente. A oficialização da igreja dentro do Império Romano, a estruturação da liturgia e a imposição do canto gregoriano a toda a cristandade, exigiram uma garantia mais séria de continuidade, garantida, por um lado, pelo surgimento dos tropos, nas suas diversas manifestações, e pelos primeiros escritos sobre a polifonia. Foi o início da notação musical.

Evolução do sistema de notação

No século VII, surgiu o primeiro sistema de notação, designado de neumático, ou simplesmente neumas. Estes eram sinais que se escreviam por cima das palavras, sob a forma de acentos ou pontos. Os sinais convencionais para o grupeto e para o trilo derivam de detalhes da notação neumática. A própria exactidão actual da indicação da altura sonora foi conseguida através da adição de outras linhas para além da linha única da notação neumática inicial (a pauta).

No século X, evoluiu para a dita notação mensural (ou proporcional de carácter exacto), que dizia respeito aos valores de tempo. Os desenvolvimentos primitivos na polifonia obrigaram a uma maior elaboração musical, pelo que se inventaram notas definidas, de diferentes formas de acordo com o tamanho proporcional pretendido, das quais derivam as presentes semibreves, mínimas etc.

No século XIV, o tratado Ars Nova (cerca 1323), de Philippe de Vitry, inaugurou uma nova época na história da música, ao tornar possível um sistema de notação aperfeiçoado. Esta notação da Ars Nova incluía novos símbolos de notação mas, sobretudo, admitia pela primeira vez a divisão binária na concepção da obra musical, o que originou duas possibilidade de execução da figuração musical: a divisão perfeita e a divisão imperfeita. Às figuras mensurais anteriores (período conhecido como Ars Antiqua) foram acrescentadas a mínima e a semínima.

Nos séculos XVI e XVII, surgiram novas figuras (como a colcheia ou a semicolcheia) e as linhas de compasso tornaram-se comuns. Apareceram primeiro nas partituras de música coral para demonstrar a coincidência das diferentes vozes e, originalmente não se apresentavam nas partes vocais independentes para o uso dos cantores. No século XVIII, tornaram-se prática geral.

Outra prática que se desenvolveu entre os séculos XVII e XVIII foi a expressão verbal do andamento das composições na partitura, por exemplo, adagio, largo, allegro. Já entre os séculos XVIII e XIX, tornou-se convencional a indicação de dinâmicas na partitura e a indicação da velocidade do tempo de acordo com o metrónomo.

Esta notação tradicional sofreu vários ajustamentos no século XX, especialmente a partir da metade do século. A criação da música dodecafónica, da música aleatória, entre outras, obrigou ao desenvolvimento paralelo de novos sinais de notação, inventados individualmente pelos compositores de acordo com aquilo que pretendiam. Alguma música não pode mesmo ser escrita com a notação convencional. Não obstante, esta notação tradicional é a que prevalece no universo da música dita ocidental.

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References:

Bent, I.D. (nd). Musical Notation. Em https://www.britannica.com/art/musical-notation#ref64563

Borges, M.J. & Cardoso, J.P. (2008). História da Música Vol I. Sebenta Editora.

Kennedy, M. (1994). Dicionário Oxford de Música. Publicações Dom Quixote.

Sousa, M.N.V. (2012). A evolução da notação musical no Ocidente na história do livro até à invenção da imprensa. Dissertação de Mestrado, Universidade da Beira Interior.

 

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