Introdução
A disciplina identificada como antrozoologia consiste no estudo das relações entre humanos e animais. Este campo particular de investigação está a tornar-se rapidamente numa tórrida área de debate nas ciências sociais, atraindo para a si a atenção outrora outorgada às questões ambientais. Um mero vislumbre na literatura recente demonstra que esta área de estudos está a avançar em inúmeras frentes: como a filosofia e sociologia dos direitos animais; histórias de relações entre animais e humanos; comida para animais, dietas e riscos; a natureza animal e o género; animais domésticos e a representação animal e humana.
Antrozoologia: História
A antrozoologia é um saber transdisciplinar relativamente “verde”, datando a sua génese da década de 80, e isto, graças à fundação de dois jornais especializados na matéria: Anthrozoos (1987) e Society and Animals (1993). Metodologicamente, a disciplina bebe de múltiplas fontes, como a antropologia, a sociologia, a geografia, a medicina veterinária, a história, a etologia, a arte e a literatura, os estudos culturais, a medicina humana, e a psicologia, sendo a escrita antrozoológica caracterizada pela transversalidade disciplinar.
Originalmente, a antrozoologia derivou do emergente interesse nos direitos e bem-estar dos animais, o que em si, se engloba na série mais ampla de movimentos sociais baseados numa política pós-materialista e na extensão dos direitos civis. A possibilidade de haver direitos inerentes aos animais, stressou a atenção na ignorância geral dos humanos face ao que remetia para as relações destes com aqueles. Mormente, estas relações importantes nunca tinham sido estudadas, uma vez que atendendo ao seu estatuto, caíam entre o estudo científico dos animais e o estudo científico-social das relações humanas.
Os novos debates foram impulsionados por organizações poderosas e influentes, como a célula People for the Ethical Treatment of Animals, o World Wildlife Fund, o International Fund for Animal Welfare, e a Greenpeace. Ao passo que muita da pólvora para o debate era nova, por outro lado, a aquisição de consciência sobre a importância deste debate materializou-se num “tempo longo”, incluindo contribuições de Henry Salt ou da Sociedade Vegetariana em finais do século XIX; a persistente luta pró-animal manifestada na figura de Walt Disney, tanto no filme como na televisão durante o século XX; e, para não sermos exaustivos, a grande obra de Peter Singer de 1975 intitulada Animal Liberation.
Panorama
Embora a natureza em mutação das relações entre humanos e animais que resultou dos movimentos em prol dos direitos animais, seja uma das dimensões centrais na antrozoologia, a possibilidade de uma consistência perfeita na esfera destas relações é muito menos provável do que a persistência da diferenciação. A antropologia social ensina-nos que os humanos sempre usaram os animais para caracterizarem as diferenças humanas, e tal dado não diverge das práticas atuais. Ou seja, para uma qualquer “cultura”, o mundo animal não é uma categoria indivisível, uma vez que é historicamente constituído, contingente, e moralmente apetrechado de significados que são um produto do hábito humano de impor lógicas sociais, complexidades e conflitos, no mundo natural e particularmente nos animais.
Nos modernos estados-nação, as possibilidades de diferenciação no significado e prática das relações entre humanos e animais, são multiplicadas pelas diferenciações sociais que derivam de fatores como a classe, a etnicidade, a região, o género ou a religião. A sociologia da relação entre humanos e animais engloba no seu conteúdo não apenas o modo como o humano se apropria socialmente do animal para estabelecer ou manipular a identidade nacional, a política ou a cidadania, mas também o uso das categorias animais como significantes do gosto, da pertença e distinção.
Uma segunda variedade da antrozoologia, e certamente uma chave-teórica inspiradora, resulta de uma subdisciplina central da sociologia, nomeadamente os estudos em torno da ciência e tecnologias. Nos últimos 30 anos, os investigadores que se associaram a este campo de estudos, recusaram consistentemente o prolongamento de investigações sociológicas humanistas que assumiam que o humano e a sociedade humana podia ser isolada e estudada independentemente da dimensão “inumana”. Ao passo que este pós-humanismo sublinha a importância da agência de todos os entes não humanos, incluindo as máquinas, os textos, as tecnologias, e objetos de todos os géneros, por sua vez também alterou consideravelmente o estatuto ontológico dos animais, encorajando os estudos que investigassem a potência da interação destes com os humanos.
References:
Baker, S. (2000) Postmodern Animal. Reaktion, London.
Haraway, D. (1991) Simians, Cyborgs, and Women: The Reinvention of Nature. Routledge, New York.