Conceito de ADN Mitocondrial
O ADN mitocondrial localiza-se nas mitocôndrias, pequenos organelos celulares separados da matriz mitocondrial por membranas de natureza lipídica. Este genoma é responsável por uma das funções mais importantes existente nos organismos aeróbicos – a produção da energia celular. A produção desta energia dá-se após a conversão das ligações químicas existentes nas moléculas orgânicas dos alimentos, como lípidos ou glicose, em energia utilizável para o metabolismo celular. Este pequeno genoma encontra-se em múltiplas cópias na célula, já que, esta possui várias mitocôndrias, e comporta genes fundamentais para o funcionamento da ‘cadeia respiratória mitocondrial’, processo através do qual a célula produz energia.
Caracterização e composição
O ADN mitocondrial caracteriza-se por conter toda a informação genética num único cromossoma (genoma haplóide), contrariamente ao que acontece com o ADN nuclear da célula eucariótica, cuja informação se encontra aos pares, já que, no núcleo cada gene possui uma cópia em cada par de cromossomas (genoma diplóide). Este genoma é composto por uma única molécula circular de cadeia dupla maioritariamente constituída por regiões codificantes de proteínas.
O tamanho e arranjo do ADN mitocondrial pode variar significativamente de organismo para organismo. O genoma mitocondrial humano tem aproximadamente 16500 pares de bases de comprimento, sendo constituído por 13 genes codificantes de subunidades proteicas da cadeia respiratória mitocondrial, 22 genes codificantes de ARN de transferência e 2 codificantes de ARN ribossomal. Possui também uma região não codificante de proteínas designada por ‘Região Controlo’, que parece ser responsável por funções regulatórias da expressão genética do ADN mitocondrial. Este genoma também difere do nuclear pelo facto de não conter intrões entre zonas codificantes, sendo que, apenas existem algumas bases entre genes que não fazem parte do código da proteína.
Para além destes genes codificados pelo ADN mitocondrial, a cadeia respiratória mitocondrial possui também dezenas de outras proteínas codificadas pelo genoma nuclear. Estes genes codificam produtos que são importados posteriormente para a mitocôndria.
Produção da energia celular nas mitocôndrias
A oxidação de nutrientes como a glicose dá início a uma reacção em cadeia – a Fosforilação Oxidativa – que ocorre ao nível da membrana interna das mitocôndrias. Esta membrana acomoda várias cadeias respiratórias, sendo cada uma composta por cinco subunidades proteicas dispostas em sequência. Há uma transferência de electrões entre as primeiras quatro subunidades (ver imagem). Como resultado desse transporte de electrões, essas subunidades, que são bombas de protões, vão bombear iões de hidrogénio da matriz mitocondrial para o espaço intermembranar, ou seja, o espaço entre as membranas mitocondriais. Desta forma, é criado um gradiente de concentração de iões de hidrogénio entre os dois compartimentos celulares. O estabelecimento deste gradiente de protões de hidrogénio impulsiona a síntese de ATP pela quinta subunidade proteica – a ATP Síntase. As moléculas de ATP sintetizadas armazenam energia, fundamental para o desempenho das funções celulares.
Representação esquemática da ‘Cadeia respiratória mitocondrial’. As moléculas NADH e FADH2 que se encontram na matriz da mitocôndria vão doar electrões aos complexos I e II da cadeia respiratória mitocondrial. Esses electrões vão ser transportados entre os complexos pelas moléculas coenzima Q (Q) e citocromo c (CytC). À medida que ocorre o transporte de electrões, os complexos I, III e IV bombeiam iões de hidrogénio para o espaço intermembranar. A energia gerada pela formação de um gradiente de concentração de iões H+ entre a matriz mitocondrial e o espaço intermembranar é utilizada pela ATP Síntase (complexo V) para produzir moléculas de ATP que armazenam energia.
Produção de calor
As proteínas codificadas pelo ADN mitocondrial não são apenas responsáveis pela produção da energia celular. Existe outro processo pelo qual estas proteínas também são responsáveis – a termogénese ou produção de calor. Na termogénese que ocorre ao nível das mitocôndrias no tecido adiposo castanho de mamíferos, a energia gerada pelas subunidades proteicas não é utilizada pela ATP Síntase para produzir ATP, mas é previamente dissipada sob a forma de calor. Este é um processo termorregulador fundamental nos recém-nascidos para manter a temperatura corporal em níveis compatíveis com a sobrevivência e em espécies hibernantes para espoletar o despertar da hibernação.
Doenças relacionadas com o ADN Mitocondrial
As doenças relacionadas com o funcionamento das mitocôndrias podem ter origem em mutações no ADN mitocondrial, mas também, em produtos dos genes nucleares que codificam proteínas que são importadas para a mitocôndria. Pensa-se que muitas mutações que ocorrem no ADN mitocondrial se devem ao facto deste genoma estar localizado na proximidade das cadeias respiratórias mitocondriais e por estar, desta forma, exposto às ‘Espécies Reactivas de Oxigénio’ que se formam como subproduto do processo respiratório. As ‘Espécies Reactivas de Oxigénio’ são moléculas altamente instáveis e, que por essa razão, estão quimicamente disponíveis para reagir com as moléculas da vizinhança podendo alterar a sua composição. À medida que o organismo envelhece vai sendo cada vez menor a capacidade de neutralizar a acção destas moléculas e de reparar as mutações no ADN que possam ocorrer. De facto, o ADN mitocondrial tem sido frequentemente reportado como tendo participação no processo de envelhecimento, na determinação de doenças neuro degenerativas como Síndrome de Leigh ou Encefalopatia Mitocondrial e cancro.
Uma deficiência nas mitocôndrias na região da cauda dos espermatozóides é também causa de infertilidade masculina, já que, os espermatozóides saudáveis estão equipados com um elevado número de mitocôndrias para obterem a energia necessária à sua mobilidade.
Modo de hereditariedade
Curiosamente, a localização das mitocôndrias dos espermatozóides na região da cauda tem como consequência que o ADN mitocondrial seja herdado apenas pela linhagem materna. Durante a fecundação, a cauda do espermatozóide não penetra no óvulo, e as mitocôndrias aí contidas não participam na formação do embrião. Assim sendo, a herança do ADN mitocondrial e das mutações ocorridas são maternas. No entanto, nem sempre isto se verifica, pois foram já reportados casos de alguns indivíduos que herdaram mitocôndrias paternas. Nestes casos, determinado gene mitocondrial pode ter uma variante materna e outra paterna, condição designada por ‘heteroplasmia’. A transmissão de ADN mitocondrial paterno é também verificada num pequeno número de espécies, como alguns moluscos.
A origem das mitocôndrias – Teoria Endossimbiótica
A Teoria Endossimbiótica propõe que as mitocôndrias, tal como os plastídios, foram inicialmente células procarióticas autónomas que se tornaram ao longo da evolução em organelos de células eucarióticas. As primeiras células eucarióticas não teriam mitocôndrias, e, ao passarem a estabelecer uma relação de simbiose com bactérias aeróbicas, aproveitaram a sua capacidade de produzir energia através do consumo de oxigénio. É sabido que o ADN mitocondrial tem perdido genes ao longo da evolução e que estes genes têm sido transferidos para o genoma nuclear, muitas vezes resultando em genes não funcionais – pseudogenes. Esta observação tem sido apontada como um possível argumento a favor da teoria, já que pode ser um indicador de que o genoma mitocondrial já foi maior e possivelmente pertencente a um organismo autónomo. É um facto que o ADN dos organelos é muito menor do que o nuclear e codifica muito menos proteínas do que aquelas de que necessita para o seu funcionamento, já que, a maioria das proteínas necessárias resultam de produtos dos genes nucleares importados para o organelo.