Boulez, Pierre

Biografia do compositor francês Pierre Boulez (1925-2016), uma das figuras dominantes do panorama musical da segunda metade do século XX.

Síntese sobre Pierre Boulez

Nascimento 25 de Março de 1925, Montbrison, França
Morte 5 de Janeiro de 2016, Baden-Baden
Nacionalidade Francesa
Ocupação Compositor, maestro e teórico musical
Principais composições «Sonata para piano n.º2»; «Le marteau sans maître»; «Pli selon pli»; «Rituel in memoriam Bruno Maderna»; «Répons»; «Notations»
Orquestras principais conduzidas por Boulez Südwestfunk, em Baden-Baden; Orquestra de Cleveland, Orquestra Sinfónica da BBC; Orquestra Filarmónica de Nova Iorque; Sinfónica de Chicago; Filarmónicas de Berlim, Viena e Los Angeles.
Escritos «Penser la musique aujourd’hui»; «Reléves d’apprenti»; «Par volonté et par hasard»; «Points de repère»

Os primeiros anos de Boulez

Pierre Boulez nasceu no dia 25 de Março de 1925, em Montbrison, na França. O pai, Léon Boulez, engenheiro director de uma mina, e a mãe, Marcelle Calebre, foram educados como católicos, razão pela qual o músico recebeu grande parte da sua educação num seminário católico (1932-1940). Embora não apreciasse a atitude dos padres, que via como uma atitude mecânica que nada tinha a ver com convicção profunda, os hábitos de trabalho, disciplina e ordem tornaram-se uma parte indispensável do seu modo de vida.

Concluídos os seus estudos secundários hesitou entre seguir matemática ou música, acabando por escolher a última. No entanto, sempre conservou o amor pela matemática e aprendera, até então, o suficiente para ganhar a vida com explicações de matemática no início da sua carreira musical.

Em 1942 foi para Paris, onde estudou no Conservatório e teve a oportunidade de conhecer Messiaen, a sua primeira grande influência: “um mestre de quem a gente sabe, com certeza inexplicável, que ele, e só ele, irá revelar-nos a nós próprios”. Com Messiaen descobriu a música medieval, a música de outros continentes e a música dodecafónica, lançada por Schönberg décadas antes. Sobre esta afirmou o seguinte: “foi uma revelação – uma música para o nosso tempo. Era a revolução mais radical desde Monteverdi. De repente, todas as noções que tínhamos foram abolidas. A música saiu do mundo de Newton e entrou no mundo de Einstein”. Entre outros professores de Boulez, destacam-se também Andrée Vaurabourg (1894-1980), mulher de Honneger (1892-1955), com quem teve aulas semanais de contraponto (1944-46) e René Leibowitz (1945-1956), que lhe deu lições privadas sobre o método dodecafónico (Leibowitz foi estudante de Schönberg).

Nesta altura escreveu as suas primeiras obras: em 1946, a «Sonatina para flauta e piano», a primeira «Sonata para piano», «Visage Nuptial» (Rosto nupcial); em 1947, «Soleil des eaux (Sol das águas); nestas duas últimas obras recorreu aos poemas de René Char, de quem apreciava a força das imagens.

Le Domaine Musical e o arranque da carreira musical

Em 1946 tornou-se director musical da companhia de teatro de Jean-Louis Barrault e Madeleine Renauld, cargo que ocupou durante nove anos. Esta experiência levou o músico a praticar a condução musical, que se viria a tornar numa parte fulcral da sua vida. Também nesta altura estabeleceu contacto com os músicos John Cage (1912-1992) e Karlheinz Stockhausen (1928-2007), que vieram para Paris em 1949 e 1952, respectivamente.

O percurso de Boulez, nesta altura, foi de cariz solitário, dado que as suas versões iniciais de «Soleil des eaux» e «Le visage nuptial» consolidaram a imagem de um compositor que escrevia música demasiado difícil, até impossível de ser interpretada. O ano de 1954 tornou-se decisivo para a alteração desse paradigma, com a fundação da sociedade de concertos Le Domaine Musical, financiada por Barrault e Renaud. O objectivo desta sociedade era claro: divulgar a música contemporânea, especialmente da Escola de Viena, ao público parisiense, ainda que trabalhos anteriores tivessem também sido interpretados. O compositor permaneceu na direcção do Le Domaine Musical até 1967. Gilbert Amy foi o seu sucessor até à dissolução da sociedade em 1973.

A primeira apresentação da sua primeira obra-prima incontestável, «Le marteau sans maître», uma cantata para voz e seis instrumentos baseados, novamente, em René Char, teve lugar em 1955, em Baden-Baden, na Alemanha. Esta obra foi considerada por Stravinsky, em 1960, como um dos poucos trabalhos realmente significativos do período pós-guerra.

«Le marteau sans maître» contém três referências fundamentais da história da música. De um lado, Messiaen, que estendeu o método dodecafónico a todos os parâmetros do som («Mode et valeurs d’intensités»); de outro lado, Debussy, ao continuar o seu caminho na descoberta de novos sons. A formação instrumental desta obra demonstra a vontade de romper com as organizações sonoras tradicionais do Ocidente. Adicionalmente, na relação entre a voz e o conjunto instrumental, Boulez faz uma referência intencional e directa, como próprio explicou, ao «Pierrot Lunaire» de Schönberg. Este facto pode ter surpreendido aqueles que o criticaram duramente em 1951 pela escrita do artigo «Schoenberg est mort», onde criticava o compositor por não ter levado o sistema dodecafónico mais longe, particularmente a nível de ritmo e forma. Neste aspecto, apreciava mais Webern. Não obstante, nesse mesmo artigo, elogiou três elementos do «Pierrot Lunaire»: o princípio de não repetição, os intervalos atonais e a construção contra pontual. Estes dois últimos pontos tornaram-se permanentes no seu próprio estilo. Entretanto, em «Structures» (1951-1952), para dois pianos, considerou ter retirado as conclusões necessárias do método dodecafónico, que esteve na origem de uma afirmação polémica que dizia, essencialmente, que qualquer músico que não tivesse realmente experimentado a música dodecafónica era inútil e o seu trabalho irrelevante para a época.

Com a terceira «Sonata para piano» (começada em 1956), Pierre Boulez começou a trilhar um novo domínio investigativo, ao olhar à relação entre compositor e intérprete, com a introdução da noção de aléa (música aleatória). Para esta sonata inspirou-se em Mallarmé e nos romances de James Joyce, onde o fim está sempre à vista mas nunca é atingido e a exploração acontece através de diferentes vias. Há que dizer, no entanto, que ao mesmo tempo que celebra a ideia de liberdade do intérprete também coloca barreiras à liberdade total, que considerou ser cliché.

No ano de 1959 abandonou Paris, declarando não conseguir tolerar a sua estupidez organizacional, e instalou-se em Baden-Baden, na Alemanha, onde assinou um contrato com a estação de rádio Südwestfunk para conduzir concertos de música do século XX. Ensinou em Darmstadt e Basel e continuou a trabalhar em «Pli Selon Pli», outra das suas obras-primas, para soprano e orquestra, que tinha iniciado já em 1957, com base textos de Mallarmé. Esta obra é um espelho da teoria expressa por Boulez em «Penser la musique aujourd’hui» e está intimamente ligada a Darmstadt. Esta cidade alemã, nos anos 50 e 60, tornou-se o local de encontro de compositores como Boulez, Stockhausen, Luigi Nono e Luciano Berio, formando um núcleo que ficaria conhecido como escola de Darmstadt.

Nono, Boulez e Stockhausen

O regresso provisório a Paris

Depois de abandonar Paris em 1959, regressou em 1963 para conduzir a «A Sagração da Primavera», de Stravinsky, no teatro dos Campos Elísios e de «Wozzeck», de Berg,  na Ópera de Paris, pelas quais foi bastante aclamado. Este sucesso voltaria a repetir-se dezasseis anos depois com «Lulu», também de Berg.

No entanto, nem tudo correu a seu favor. Boulez tentou persuadir André Malraux, ministro da cultura, a aceitar as suas recomendações para a reorganização da vida musical francesa e planeou, juntamente com Jean Vilar, uma reformação da Ópera. Nenhuma destas aventuras foi bem sucedida, o que levou a indignações manifestas por parte do músico: «why I say NO to Malraux» e a entrevista em 1967 ao Dier Spiegel, onde defendeu que todas as casas de ópera deveriam ser queimadas. Nenhuma destas respostas trouxe qualquer resultado positivo à sua causa em França. As evidências sugerem que Boulez pretendia esperar o tempo necessário para que as coisas se tornassem tão más que, eventualmente, acabariam por pedir o seu regresso.

Entretanto, a sua carreira enquanto maestro crescia de forma notável.

Boulez enquanto maestro

Nos anos 60, a reputação internacional de Boulez não se devia somente à sua obra mas também ao seu trabalho como maestro, especialmente de repertório do século XX. O seu primeiro trabalho na regência de uma orquestra aconteceu, precisamente, através da rádio Südwestfunk, em Baden-Baden. Depois, tornou-se no principal maestro convidado na orquestra de Cleveland, (1969-1972), maestro da Orquestra Sinfónica da BBC, em Londres (1971-1975) e da Orquestra Filarmónica de Nova Iorque (1971-1977). Nos anos 60 e 70 conduziu, também, obras de Wagner em Bayreuth, com especial destaque para «O Anel do Nibelungo». Regeu, ainda, outras importantes e conhecidas orquestras, incluindo a Sinfónica de Chicago e as Filarmónicas de Berlim, Viena e Los Angeles.

Boulez tornou-se conhecido, principalmente, pela condução de trabalhos de Berg, Webern, Ravel e Stravinsky, e pela dispensa da batuta porque considerava que os seus dedos representavam dez batutas. De acordo com o compositor americano John Adams, a precisão das suas apresentações e gravações teve um efeito enorme nas gerações seguintes de maestros e instrumentistas.

Boulez enquanto maestro

Embora a sua actividade como maestro tenha abrandado o seu trabalho como compositor, o músico nunca desvalorizou esta actividade, que considerou mesmo ter influenciado os trabalhos seguintes. Ainda assim, retomou e continuou obras antigas como o «Livre pour quatour» (Livro para quarteto, 1949), ou «Éclats multiples» (Estilhaços múltiplos, 1970), derivados de «Éclat» (1964), para quinze instrumentos. Também se registam obras inteiramente novas, como «Rituel in memoriam Bruno Maderna» (1945) ou «Cummings ist der dichter» (1970), construída a partir de textos do poeta americano Cummings.

O regresso a Paris

Em 1972, Pierre Boulez aceitou a proposta do presidente George Pompidou para fundar e dirigir um instituto onde lhe fosse possível empreender e coordenar as pesquisas que insistentemente declarava necessárias: “a pesquisa é a forma mais resistente e, por vezes, a mais louca, da utopia (…) É o que me permite, é o que me impele irresistivelmente a sonhar a minha revolução, pelo menos tanto quanto construi-la”.

O Institut de Recherche et de Coordination Acoustique/Musique (IRCAM), activo desde 1975, e instalado em Paris, no Centro Pompidou, foi decisivo para o músico que ansiava voltar à sua preocupação essencial, a composição, da qual se tinha afastado por questões de logística temporal devido aos compromissos estabelecidos como maestro. A criação deste instituto reflecte, também, aquilo que Boulez considerava ser o papel do músico na sociedade: “O que para mim é importante é que um músico entre nas instituições e que, se não estiver satisfeito com elas, lute pela sua transformação, crie novas instituições ou modifique as existentes”.

Os principais objectivos do IRCAM, definidos por Boulez, passavam pela investigação acústica, do desenho de instrumentos (que considerava pouco terem mudado nos últimos dois, três séculos) e de problemas de composição em si. Dado que um projecto desta escala nunca tinha sido tentado, as dificuldades iniciais foram muitas: os músicos e os cientistas nem sempre conseguiam trabalhar coordenadamente; a investigação dependia muito de sistemas musicais computorizados provenientes dos EUA ou de tecnologia que os próprios investigadores traziam consigo. A principal crítica era, mesmo, de cariz financeiro, porque muitos sentiam que o Estado aplicava muito dinheiro, com poucos resultados visíveis (ainda assim, Boulez insistiu em manter um estatuto de independência face ao ministério da cultura para que fosse possível aceitar dinheiro externo).

Em 1976 estabeleceu o Ensemble Intercomporain, um dos mais importantes ensambles de música contemporânea do mundo, que regeu como maestro até 1992, continuando como presidente depois.

Entre 1981 e 1988, dedicou-se à composição de «Répons», com várias versões, que inova por colocar a parte electrónica e informática a interagir em tempo real com a orquestra. Nos anos 90 fez uma viagem ao passado, trazendo novamente à ribalta «Notations», que criou ainda antes dos 20 anos. Este processo de recomposição para uma grande orquestra é uma prova clara de como se pode levar ao limite a arte da escrita e como, com pouco, se pode fazer muito.

A escrita de Boulez

Pierre Boulez possuía, também, aptidão para a escrita, algo que se pode adivinhar pelo interesse em investigar cientificamente a música. Os seus textos e reflexões são prova do acervo de experiência musical adquirido: «Penser la musique aujourd’hui» (Pensar a música hoje, 1963), «Reléves d’apprenti» (Notas de aprendiz, 1966), «par volonté et par hasard» (Por vontade própria e por acaso, 1975), «Points de repère» (Pontos de referência, 1981). A abordagem do músico à condução é o foco de «Boulez on conducting: conversations with Cécile Gilly (2003). Algumas das suas cartas, traduzidos e editadas por Robert Samuels, estão compilados em «Pierre Boulez and John Cage Correspondence» (1990).

Morte

Continuou a compor e a dirigir no século XXI mas, entre 2010-2011, a sua saúde foi-se deteriorando e, nos primeiros meses de 2012, a visão foi seriamente afectada, o que colocou um ponto final na sua carreira. Faleceu no dia 5 de Janeiro de 2016, em Baden-Baden, com 90 anos de idade.

Pierre Boulez foi, indiscutivelmente, uma figura maior do panorama musical da segunda metade do século XX e além. O seu contributo a nível de composição, condução musical, escrita teórica, capacidade administrativa bem como a sua força de vontade e energia inesgotáveis, foram uma parte fundamental da revolução musical contemporânea.

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References:

Cutileiro, J. (2016). Pierre Boulez. Edição Impressa do Jornal Expresso de 16 de Janeiro.

Massin, J. & Massin, B. (1983). História da Música Ocidental. Editora Nova Fronteira, S.A: Rio de Janeiro.

Nichols, R. (2016). Pierre Boulez Obituary. Em http://www.theguardian.com/music/2016/jan/06/pierre-boulez

Salema, S., Canelas, L. & Andrade, S.C. (2016). Morreu Pierre Boulez, o músico absolutamente moderno. Em https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/morreu-o-compositor-pierre-boulez-1719309

The Editors of Encyclopædia Britannica (2016). Pierre Boulez. Em http://www.britannica.com/biography/Pierre-Boulez

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