Automutilação
A automutilação diz respeito ao ato de um indivíduo provocar dor a si mesmo como forma de descarga de tensões acumuladas. A mesma está, normalmente, associada a fatores internos mas também a questões de ordem familiar.
Segundo a revisão da literatura levada a cabo por Duque e Neves (2004) a automutilação trata-se de um tipo de comportamento proveniente de uma perturbação de personalidade, mais habitualmente exercida por indivíduos reclusos, predominantemente do sexo masculino.
De acordo com as pesquisas de Drieu, Proia-Lelouey e Zanello (2011) e as de Duque e Neves (2004) a automutilação funciona como uma forma de controlo sobre o corpo, principalmente na fase da adolescência, em que o jovem procura aliviar as suas tensões, através da exposição ao risco.
“Para Castro (2002), a automutilação tem sido vista como um comportamento de autodestruição, localizado, com uso inadequado dos impulsos agressivos, causado por um desejo, mesmo que não verbalizado ou mesmo inconsciente, de se punir a si próprio.”
(Duque, & Neves, 2004, p. 217).
Este tipo de conduta é, habitualmente, oriundo de situações traumáticas do passado, com contornos de violência que podem chegar a atravessar gerações e que misturam questões pulsionais com questões ambientais (Drieu, Proia-Lelouey, & Zanello, 2011).
Em algumas culturas, os rituais de automutilação faziam, outrora, parte de da passagem para a adolescência, realizados em grupo, com o intuito de simbolizar a mudança do estágio infantil para o estágio da adultícia (Drieu, Proia-Lelouey, & Zanello, 2011).
Hoje em dia, estes rituais perderam um pouco a sua simbologia, dando lugar à justificação da obtenção de domínio de si mesmos, que os indivíduos conseguem sentir (Drieu, Proia-Lelouey, & Zanello, 2011).
Entre as populações de risco, tais como indivíduos com comportamento desviante, histórico de toxicodependência ou abuso de substâncias, a resposta auto mutilante, é mais frequente (Duque, & Neves, 2004).
Segundo Castro (2002, cit in Duque, & Neves, 2004) e Glucklich (1999, cit in Duque, & Neves, 2004) o comportamento de automutilação está associado à resposta motora, que o sujeito dá face a uma situação que lhe causa tensão, conflito ou frustração internos, provenientes da acumulação constante de angústia e agitação.
Muitas vezes, a automutilação mostra-se como uma forma de expulsar tensões acumuladas no organismo, originadas por violências internas e traumáticas vividas pela pessoa, cuja situação se apresenta vulnerável tanto ao nível psíquico como no que concerne ao apoio por parte dos pais (Drieu, Proia-Lelouey, & Zanello, 2011).
Na maioria dos relatos, encontramos situações de ansiedade, diagnóstico de hiperatividade, abuso e outras experiências potencialmente traumáticas (Duque, & Neves, 2004).
Nesse sentido, a dor provocada pela automutilação, relaciona-se com uma ligação de vínculo materno, não tão bem conseguida quanto desejável, numa fase de desenvolvimento em que o mesmo seria fundamental para obter a proteção necessária à capacidade de sobrevivência (Drieu, Proia-Lelouey, & Zanello, 2011).
Quando se verifica aqui um corte no que diz respeito aos laços maternos com a criança, na fase da adolescência, em que a pessoa começa a compreender-se enquanto ser sexuado que se poderia, à partida, identificar com o progenitor do mesmo sexo, acontece aqui uma distorção dos papeis (Drieu, Proia-Lelouey, & Zanello, 2011).
No entanto, os estudos de Duque e Neves (2004) já indicavam que o problema da automutilação não dizia respeito apenas às relações que o indivíduo estabelece, mas também às consequências agravadas que o mesmo provoca em termos de danos físicos, sociais e educacionais.
Intervenção
Habitualmente, o processo psicoterapêutico associado à automutilação, tem uma componente individual, mas também uma componente familiar, no sentido de compreender a influência exercida pela relação entre os diferentes membros da família, sobre os comportamentos do indivíduo que se magoa a si mesmo (Drieu, Proia-Lelouey, & Zanello, 2011).
Tendo em conta a gravidade e as características de cronicidade associadas aos comportamentos de automutilação, as pesquisas apontam eu a esmagadora maioria dos casos leva à necessidade de assistência e internamento hospitalar (Duque, & Neves, 2004). A gravidade e o contorno preocupante decorrente da situação, geralmente, acontece um ano após o comportamento de automutilação inicial, quando se observam, sistematicamente, rituais de auto agressão (Duque, & Neves, 2004).
Nos casos mais graves, em situação extrema, os indivíduos chegam mesmo a cometer o suicídio ao fim de poucos anos (Duque, & Neves, 2004).
Conclusão
Enquanto perturbação de personalidade e provocadora de danos graves para a saúde do indivíduo, a automutilação, manifestada pela provocação de dor que o indivíduo faz a si mesmo, é uma doença que deve ser encarada no sentido da sua extinção. Assim, é preciso procurar saber de que forma se deu o desenvolvimento vital do indivíduo, principalmente na fase da adolescência, altura em que o índice de automutilação parece ser mais comum. A partir daqui pretendemos compreender o mesmo enquanto ser individual, mas também de que forma é que a sua dinâmica familiar e ambiental contribui para que este busque a dor no ato de se ferir a si mesmo.
References:
- Drieu, Didier, Proia-Lelouey, Nadine, & Zanello, Fabrice. (2011). Ataques ao corpo e traumatofilia na adolescência. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, 14(1), 09-20. http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-14982011000100001&script=sci_arttext;
- Duque, Alexandra Freches, & Neves, Pedro Gante. (2004). AUTO-MUTILAÇÃO EM MEIO PRISIONAL: AVALIAÇÃO DAS PERTURBAÇÕES DA PERSONALIDADE. PSICOLOGIA, SAÚDE & DOENÇAS, 2004, 5(2), 2015-227. Recuperado em 18 de novembro de 2016 de http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-00862004000200006.