Conceito
O termo neuma, cuja etimologia ainda não está bem esclarecida (provavelmente do grego pneuma, que significa sopro), designa os sinais que se escreviam por cima das palavras, sob a forma de acentos ou pontos, entre os séculos VII e XIV. O termo está na origem da designação do primeiro sistema de notação ocidental organizado, conhecido como notação neumática, que delineou as bases do actual sistema.
Desenvolvimento do notação neumática
A música, sobretudo anterior ao século IX, era passada por via da oralidade de geração para geração, pelo que foi necessária a invenção de um sistema que facilitasse a aprendizagem e a memorização do repertório. Surgiu, deste modo, o primeiro esboço de uma notação, que recorria aos neumas, “sinais parecidos com uma espécie de pontos ou acentos gramaticais, os quais derivaram dos utilizados pelos gregos na sua acentuação (…) colocadas sobre as palavras para que o cantor, com alguns conhecimentos musicais, se lembrasse das melodias” (Sousa, 2012, p.50).
A melodia era, então, registada de uma forma muitos vaga, através de sinais que indicavam, por exemplo, uma linha melódica ascendente (o nosso acento agudo), uma linha descendente (o nosso acento grave) ou uma combinação de ambas (o acento circunflexo). Em simultâneo, eram utilizadas algumas vogais com o mesmo valor indicativo, tais como: a (>altius), i (>inferius), ou (>equaliter). Aliás, “os primeiros tratadistas do canto gregoriano, entre os quais Ucbaldus (c.840-930), Aurelianus Reomensis (m.século IX), Odon de Cluny (+942) e Rábano Mauro (+856) utilizaram letras do alfabeto para explicarem a teoria musical dos modos gregorianos, relacionando-os mesmo com os respectivos modos gregos” (Borges & Cardoso, 2008, p.120).
No entanto, embora facilitasse a aprendizagem dos cantores, este tipo de notação não tornava indispensável uma instrução oral porque não permitia uma fixação clara dos intervalos e tons exactos a serem produzidos. Quem não tivesse qualquer preparação musical, dificilmente se sentiria auxiliado pela leitura destes primeiros neumas. No século X, já tendo em consideração esta questão, os escribas passaram a colocar os diversos neumas a uma altura variável do texto, com o objectivo de indicar com maior clareza a configuração melódica da obra, dando-se a estes sinais o nome de neumas elevados ou diastemáticos. Nesta fase deu-se, também, a descoberta das linhas orientadoras como forma estrutural de organização musical, auxiliadoras na determinação dos intervalos das escalas modais. Esta descoberta foi, sem sombra de dúvida, decisiva para a composição da notação ocidental.
Inicialmente, utilizava-se uma linha única, que servia de referência à determinação exacta de pequenos intervalos. Quase em simultâneo, surgiu uma linha vermelha, correspondente à nota fá, à qual se juntou, mais tarde, uma linha amarela, correspondente à nota dó. Em ambas as linhas se podiam encontrar as letras “F” e “C”, que posteriormente foram transformadas em claves. Contudo, este sistema ainda não permitia a indicação das alturas absolutas.
Com o passar do tempo, foi desenhada uma linha entre as duas existentes, referente à nota lá, mas esta questão só seria definitivamente resolvida com o contributo do monge beneditino Guido d’Arezzo, já em finais do século XI, tido como o inventor da pauta com quatro linhas e espaços, “onde os neumas seriam colocados de modo a poderem dar ao cantor uma informação precisa dos intervalos diatónicos. Esta pauta possuía assim um sistema de claves que permitiu a alteração da extensão das alturas afiguradas, encontrando-se, já no século XIV, a pauta de cinco linhas que hoje conhecemos, o que permitiu com que a música se libertasse finalmente da sua dependência da oralidade” (Sousa, 2012, p.53).
Tão importante como o sistema de linhas, foi a invenção do nome das notas, que o mesmo Guido d’Arezzo encontrou nas primeiras sílabas dos versos da primeira estrofe do hino de S.João Baptista, «Ut queant laxis», que se acredita ter sido composto no século VII por Paul, diácono de Áquila e monge no Monte Cassino. Arezzo aplicou-as, depois, de modo sistemático – solmização – aos diversos hexacordes verificados no sistema alfabético medieval. Este sistema completo foi ensinado durante séculos através de um ábaco conhecido como “mão guidoniana” ou “mão aretina”, sucessivamente adaptado pelos tradistas musicais até à Idade Moderna.
Atente-se que notas não são mais do que a simples evolução dos acentos e dos pontos colocados, na fase inicial, sobre as palavras e que “os simples pontos iniciais darão lugar ao puncta gregorianos e os acentos darão lugar aos neumas ligados, i.e., constituídos por mais de uma nota, tais como podatus, clivis, torculus, scandicus, etc.” (Borges & Cardoso, 2008, p.121). Sublinhe-se que este desenvolvimento aconteceu diversamente conforme as regiões, o que justifica a existência de tantos outros nomes, como a notação aquitana, notação de St.Gall, notação alemã, notação beneventana, notação catalã, etc.
No século XII, os neumas começaram a ser escritos com uma pena de pato de bico largo, permitindo a produção de pontos inclinados e quadrados. Embora neumática, esta notação passou a ser tida como quadrada. Utilizada em todos os géneros musicais litúrgicos e profanos ficou, no entanto, definitivamente associada ao canto gregoriano.
Importa referir, contudo, que embora esta notação tenha permitido o registo de diversas produções musicais da época, especialmente religiosas, era ainda imperfeita porque não fornecia as durações relativas das notas. Hoje em dia, para efeitos de leitura da notação neumática, “considera-se que as notas têm todas o mesmo valor, agrupando-se as mesmas em grupos de duas ou três, método que chegou até nós devido ao trabalho de pesquisa e compreensão do assunto em análise, por parte dos monges beneditinos da abadia de Solesmes, sob a direção de D.André Mocquereau” (Sousa, 2012, p.51).
Infelizmente, a maior parte dos documentos que contêm os neumas encontram-se em mau estado de conservação, tanto ao nível do material em si, o pergaminho, como em termos de legibilidade, sendo regulares as falhas de texto. A tecnologia teve, aqui, um papel fundamental, ao permitir a invenção de técnicas que auxiliam as investigações dos historiadores e musicólogos, como as redes de neurónios artificiais ou os sistemas de computação, que permitem o processamento, classificação e recuperação de informação.
References:
Borges, M.J. & Cardoso, J.P. (2008). História da Música Vol I. Sebenta Editora.
Kennedy, M. (1994). Dicionário Oxford de Música. Publicações Dom Quixote.
Sousa, M.N.V. (2012). A evolução da notação musical no Ocidente na história do livro até à invenção da imprensa. Dissertação de Mestrado, Universidade da Beira Interior.