Conceito de Músculo
Os músculos formam o maior conjunto de tecidos do organismo e representam cerca de metade do peso do corpo. O tecido muscular tem origem mesodérmica e é composto por células alongadas, denominadas células musculares, miócitos ou fibras musculares, arranjadas em feixes revestidos por tecido conjuntivo e especializadas na contração. No músculo, a membrana celular chama-se sarcolema e o citoplasma é o sarcoplasma.
Existem três tipos de tecidos de musculares classificados de acordo com as suas características morfológicas e funcionais (Fig. 1). Distinguem-se os músculos estriados esqueléticos e cardíaco, que apresentam uma estriação transversal quando observados ao microscópio ótico, e os músculos lisos (sem estriação). Por outro lado, fala-se em músculos voluntários (esqueléticos) e involuntários (lisos e cardíaco) consoante estejam enervados respetivamente pelo sistema nervoso somático ou pelo sistema nervoso autónomo.
Algumas propriedades são partilhadas pelos três tipos de tecidos musculares: O sistema contrátil é constituído por filamentos finos que deslizam entre filamentos espessos e a fonte de energia utilizada pelos três é o trifosfato de adenosina (ATP). Contudo, a estrutura e a organização das fibras e o modo de excitação são diferentes nos três casos.
Fig.1. Representação dos diferentes tipos de músculos (Ilustração de Anabela Fernandes, 2015)
Músculo esquelético
As células do músculo esquelético são longas e cilíndricas. Apresentam vários núcleos localizados na periferia próximos da membrana celular (Fig. 1a). O sarcolema é envolto por uma lâmina basal e células satélites. Este possui invaginações profundas, designadas por túbulos transversos ou túbulos T, envolvidas na rápida despolarização da membrana. Cada fibra, caraterizada por possuir múltiplas miofibrilas, está envolta por uma delicada camada de fibras reticulosas, designada endomísio, na qual existe uma extensa rede de capilares sanguíneos e de nervos. As fibras musculares juntam-se em feixes ou fascículos envoltos por uma bainha fibro-elástica, o perimísio. Um conjunto de feixes musculares forma assim um músculo rodeado, por sua vez, por uma camada densa de tecido conjuntivo designada epimísio.
A maioria dos músculos esqueléticos, no ser humano, é formada por uma combinação de diferentes tipos de fibras musculares. As três principais categorias de fibras são:
– As fibras do tipo I: Fibras vermelhas aeróbias de contração lenta e resistentes à fadiga cujo processo metabólico preferencial é a fosforilação oxidativa;
– As fibras do tipo IIa: Fibras intermédias, fibras de contração rápida e moderadamente resistentes à fadiga, com alta atividade glicolítica e oxidativa;
– As fibras do tipo IIb: Fibras brancas anaeróbias de contração rápida, bastante sensíveis à fadiga, que usam preferencialmente a via glicolítica.
A miofibrila, elemento contrátil especializado da fibra muscular, é composta por elementos do citoesqueleto dispostos de forma regular: os filamentos espessos e finos. A unidade funcional deste sistema é o sarcómero (Fig. 2).
Fig. 2. Representação esquemática de um sarcómero no estado relaxado (Ilustração de Anabela Fernandes, 2015)
As miofibrilas apresentam uma alternância de bandas escuras (banda A) e bandas claras (banda I). Estas bandas encontram-se alinhadas dando um aspeto estriado ao músculo esquelético. As bandas A, tal como representadas na figura 2, são constituídas por filamentos espessos inteiros e sobreposições de parte dos filamentos finos. Por sua vez, as bandas I são constituídas unicamente de filamentos finos.
Os filamentos espessos são compostos por várias centenas de proteínas de miosina e os filamentos finos são constituídos por três proteínas, a actina (constituinte mais abundante), a troponina e a tropomiosina. Cada molécula de actina possui um local de ligação para as pontes cruzadas da miosina.
A elasticidade do músculo e a estabilidade dos filamentos finos e espessos são garantidas através da presença das proteínas da linha M e de uma proteína elástica gigante, a titina. Esta proteína, a maior do organismo (cerca de 30.000 aminoácidos), encontra-se ligada aos filamentos de miosina e estende-se da linha Z à linha M.
Mecanismo de contração muscular
A estimulação do músculo esquelético é devida à libertação de um neurotransmissor, a acetilcolina, na junção neuromuscular (junção ente a parte terminal de um neurónio motor e a placa motora da fibra muscular). A ligação da acetilcolina aos recetores na placa motora leva à propagação de um potencial de ação (PA) na superfície do sarcolema e penetra no interior da fibra através dos túbulos T.
O retículo sarcoplasmático forma uma rede descontínua de túbulos finos que envolvem as miofibrilas. As extremidades de cada segmento são dilatadas, formando cisternas laterais que funcionam como reservatórios de cálcio (Ca2+). Quando o PA chega aos túbulos T, este desencadeia a abertura dos canais de Ca2+. O Ca2+ libertado no citosol liga-se à troponina provocando o deslocamento da tropomiosina, afastando-a do local de ligação das pontes cruzadas da miosina na actina. As pontes cruzadas executam então um movimento de força que permite o deslizamento dos filamentos de actina e miosina. Vários ciclos de contração acontecem enquanto os locais de ligação estiverem expostos e o Ca2+ disponível.
Quando os níveis de cálcio citosólico diminuem, o Ca2+ desliga-se da troponina e a tropomiosina volta à posição original resultando no relaxamento do músculo.
A energia mecânica necessária ao processo de contração, nos três tipos de tecidos musculares, resulta da transformação da energia proveniente da hidrólise do ATP. No músculo esquelético, esta hidrólise requer a ligação do magnésio (Mg2+) ao ATP pois o Mg2+ funciona como acelerador da atividade da ATPase da miosina. Esta enzima cliva o ATP em difosfato de adenosina (ADP) e fosfato inorgânico (Pi) (reação de hidrólise do ATP). A energia química libertada é armazenada nas pontes cruzadas e transformada em energia mecânica necessária à ligação da miosina na actina e ao deslizamento dos miofilamentos. O ADP e o Pi são rapidamente libertados pela miosina. A ATPase torna-se então disponível para a ligação de uma nova molécula de ATP, o que leva à rutura da ligação entre a actina e a miosina, voltando ao início do processo.
Quando a atividade muscular é intensa, a quantidade de ATP, proveniente da respiração celular e presente na célula muscular, não é suficiente. A principal fonte de reserva energética do músculo é então o fosfato de creatina. A creatina quinase transfere um grupo fosfato do fosfato de creatina para o ADP formando ATP e creatina. Por outro lado, quando há um excesso de ATP, a reação inversa é catalisada, transferindo um grupo fosfato do ATP para a creatina, formando de novo o fosfato de creatina. Consequentemente, a quantidade de ATP livre no músculo durante uma contração não se altera muito.
Curiosidades:
– No homem, as fibras musculares são mais espessas e os músculos mais desenvolvidos do que na mulher. Isto deve-se à testosterona, uma hormona esteroide secretada em muito maior quantidade no homem e que favorece a síntese da actina e da miosina.
– Depois da morte, a ausência de ATP disponível faz com que as ligações actina-miosina persistam, impossibilitando os ciclos de contração-relaxamento. Este fenómeno produz a rigidez cadavérica ou rigor mortis. A rigidez inicia-se entre 3 e 4 horas após a morte e é completa após 12 horas. O relaxamento dá-se após aproximadamente 36 horas.
Músculo liso
O tecido muscular liso encontra-se em camadas ou feixes nas paredes do intestino, do ducto biliar, da bexiga urinária, do trato respiratório, do útero, dos vasos sanguíneos, na íris e corpo ciliar, no músculo eretor do pelo, entre outros. As células deste tecido são mais curtas do que as células do músculo estriado, são fusiformes e possuem um núcleo central (Fig. 1b).
As células do tecido muscular liso possuem três tipos de filamentos: os filamentos espessos de miosina, mais compridos do que no músculo esquelético, os filamentos finos de actina e tropomiosina mas desprovidos de troponina e os filamentos intermédios, compostos por desmina e vimentina. No caso do músculo liso, estes três tipos de filamentos não se organizam em miofibrilas nem em sarcómeros. Como tal, o músculo liso não apresenta estriações.
Os filamentos intermediários inserem-se no citoplasma e na membrana plasmática através de estruturas denominados corpos densos. Por outro lado, a membrana possui uma grande quantidade de depressões de pequenas dimensões, as cavéolas, que atuam como um sistema primitivo de túbulos T e são responsáveis pelo transporte, por pinocitose, dos iões Ca2+.
A miosina do tecido muscular liso é uma miosina do tipo II, formada por duas cadeias pesadas e dois pares de cadeias leves. Esta encontra-se enrodilhada, exceto quando combinada com um radical fosfato que leva ao desdobramento do filamento.
Após um determinado estímulo, os níveis de Ca2+ citoplasmático aumentam. O Ca2+ provém do retículo sarcoplasmático e também entra a partir do líquido extracelular. A seguir, este liga-se à calmodulina formando um complexo que ativa a quinase da miosina. Esta última fosforila a cadeia leve da miosina que se desdobra expondo o local de ligação da actina na cabeça da miosina. A miosina pode então ligar-se aos filamentos de actina causando a contração muscular. Quando os níveis de Ca2+ são reduzidos, a cadeia leve da miosina é enzimaticamente desfosforilada e o músculo relaxa.
As células do músculo liso estão ligadas umas às outras através de junções comunicantes que permitem a contração sincronizada do músculo liso. Por outro lado, as células são revestidas por uma lâmina basal e estão envoltas por uma rede de fibras reticulares que mantem as células unidas de tal maneira que a contração de apenas algumas células se transforme na contração do músculo inteiro.
Por último, a contração das células do tecidos muscular liso é estimulada mediante sinais nervosos, por estimulação hormonal, pelo estiramento do músculo, entre outros meios.
Músculo cardíaco
Este músculo é específico do coração e é responsável por impulsionar o sangue através das aurículas e dos ventrículos e para dentro dos vasos sanguíneos. As células do músculo cardíaco ou cardiomiócitos possuem um núcleo central, são cilíndricas e ramificadas (Fig. 1c). As células interconectam-se para formar redes complexas. São células mais pequenas do que as do músculo estriado, com aproximadamente 15µm de diâmetro e 80 a 100µm de comprimento.
O músculo cardíaco possui propriedades de estrutura e função em comum com o músculo esquelético. As fibras cardíacas estão circundadas por uma delicada camada de tecido conjuntivo, equivalente ao endomísio do músculo esquelético, que contém uma abundante rede de capilares sanguíneos. Tal como no músculo esquelético, o músculo cardíaco é estriado, todavia as seguintes diferenças são observadas: os túbulos T e o retículo sarcoplasmático não são tão bem desenvolvidos; os cardiomiócitos estão unidos pelas extremidades através de conexões intercelulares especializadas, os discos intercalares, que são estruturas fortemente coráveis e que apresentam uma organização em escada, com uma porção transversal, contendo desmossomas, e uma porção longitudinal onde estão localizadas as junções comunicantes (Fig. 1c). Esta é uma característica exclusiva do músculo cardíaco.
Contudo, tal como no músculo liso, a contração do músculo cardíaco é involuntária e o Ca2+ provém do retículo sarcoplasmático e do líquido extracelular.
References:
- Gartner, L.P. and Hiatt, J.L . (2012). Histologia Essencial. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil. p132-151.
- kierszenbaum, A.L. and Tres L.L. (2012). Histologia e Biologia Celular – Uma introdução à patologia. 3rd ed. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil. p169-171.
- Sherwood, L. (2006). Physiologie musculaire. In: De boeck and Larcier. Physiologie humaine: A Human Perspective. Bruxelles: De boeck. p203-235.
- Widmaier, E.P. et al. (2003). Human Physiology – The mechanisms of body function. 9th ed. Boston: McGraw-Hill. p376; 450-454.