I
No conceito de cultura sexual asiática encontram-se pressupostas as expressões de sexualidade que são comuns aos indivíduos que compõem as sociedades asiáticas, como as crenças partilhadas, os valores, significados e práticas.
As culturas sexuais de dada sociedade traduzem o sistema de crenças sexuais, quase sempre estruturado pelo folclore, mitos, e religiões, que assim fornecem uma grelha para os modos de pensamento e acção na conduta sexual. Por seu turno, um sistema de crenças sexuais impulsiona a formação de hierarquias de sistemas de valores sexuais que definem, sexualmente falando, o que é aceitável e inaceitável, normal ou patológico, honorável ou deplorável.
A crença sexual e o sistema de valores, governados por normas sexuais e manifestados em costumes e leis, são significados e práticas partilhadas comuns a diferentes segmentos de uma sociedade ou diferentes períodos históricos. Acrescente-se que diferentes culturas sexuais existem no seio de uma sociedade, e mudam com o tempo.
II
Como tal, as culturas sexuais asiáticas englobam diferentes sistemas de valores, que por vezes colidem entre si, uma vez que a Ásia não é uma entidade unificada, e sim um termo colectivo que se refere a inúmeros países com divergentes (e mesmo contraditórios) valores sociais, culturais, económicos e políticos.
Os estudos em torno da sexualidade são relativamente uma nova área na Sociologia, e quase todos possuem como centro de gravidade os países anglo-europeus. Uma vez que os antropólogos são tradicionalmente conhecidos por estudarem “outras” culturas, os textos antropológicos e os materiais etnográficos legados auxiliaram a discussão das formas de sexualidade não ocidentais.
Com a afirmação dos estudos de género e sexualidade por parte de feministas e académicos de diferentes orientações sexuais, mais o ascenso do pós-colonialismo, e a implosão de académicos asiáticos da diáspora, os estudos em torno das culturais sexuais não-ocidentais adquiriram um papel de grande relevo.
Os académicos que conduziram estes estudos tenderam a acusar os seus predecessores de eurocentrismo, sublinhando o facto de que erotizavam e tornavam exótico o “outro”, e condenando-os por enfatizarem as diferenças sexuais entre a Ásia e a Europa como “excesso” sexual ou “promiscuidade”. Apontaram também que os nuances sexuais e de género na Ásia, aparentemente diferenciam-se dos sistemas encontrados nos países anglo-europeus, uma vez que termos como masculino/feminino, homem/mulher, não se distinguem facilmente na Ásia, crendo-se que são uma invenção moderna fortemente influenciada pelo discurso biológico e médico em voga no ocidente.
Os estudos mais recentes em torno das culturas sexuais asiáticas, habitualmente focam-se em múltiplos factores, como as histórias coloniais, tradições e religiões, a crescente afluência dos países asiáticos, e as estratégias de descolonização dos Estados, e que assim somados moldam as ideias sobre sexo, género e sexualidade, regulando assim (sob os efeitos motores do processo de globalização e descolonização) possíveis formas de expressão sexual, como o namoro, o romance, o sexo pré-matrimonial, a virgindade, o aborto, o divórcio, a homossexualidade, a pornografia, prostituição, e o controlo da natalidade.
III
Era discurso corriqueiro afirmar que as culturais sexuais asiáticas tradicionais eram, grosso modo, governadas por estruturas patriarcais que legitimavam o poder dos homens, o que se reflectia, a título de exemplo, em estruturas de parentesco cuja descendência se organizava em torno do pai e do filho, para mencionarmos países como a China, a Coreia do Sul e o Japão. Ao mesmo tempo, estes sistemas marginalizavam as mulheres, evidência esta demonstrada no infanticídio feminino (China, Índia), o enfaixamento dos pés (China), a castidade (templos devotados à castidade na China), reprodução, ou no controlo da natalidade. Este discurso de dominação parece menos prevalente no sudeste asiático, onde as mulheres tendem a conseguir um estatuto maior, e tem sido desafiado por outros estudos que indicaram o poder subversivo das mulheres.
Com a era capitalista actual, uma profunda transformação na esfera da sexualidade e intimidade abalou a Ásia, pelo que os valores tradicionais passaram a coexistir com os novos moldes da sexualidade. O casamento monogâmico baseado na escolha pessoal, no amor e realização, tornou-se gradualmente na norma, superando o casamento tradicional, caracterizado por ser planeado e baseado em considerações sociais e económicas, embora os casamentos arranjados ainda sejam praticados em países como a Índia, Paquistão, Bangladesh e Sri Lanka.
Do mesmo modo, à organização tradicional da família outros padrões se formaram, como a coabitação não-matrimonial, famílias de acolhimento, casais sem crianças, pai ou mãe solteiros.
Apesar dos papéis tradicionais associados ao género, segundo os quais o homem ganha o pão e a mulher assume a lide da casa, e que ainda ordenam a vida doméstica de inúmeros países ou zonas pobres e rurais desses mesmos países, com o acesso da mulher a uma melhor educação, essa estrutura tem sido desafiada, uma vez que no mercado de trabalho dos países desenvolvidos (Hong Kong, Singapura, Taiwan) a mulher já tem participação. Com a realização económica e as ideias individualistas, as mulheres passaram assim a criar os seus espaços sexuais, na medida em que há maior equilíbrio entre o homem e a mulher, ilustrado pela exigência de satisfação sexual.
Ainda que o Estado controle com afinco alguns tópicos que concernem à sexualidade (como a velha política chinesa do filho único, entretanto dirimida), a liberalização das atitudes perante o controlo da natalidade, o aborto, o divórcio, o sexo pré-matrimonial, a coabitação, ou a homossexualidade, tem sido a regra e não a excepção. Posto isto, o sexo e o amor atingem patamares situados nas camadas da coisificação e comercialização, e os estabelecimentos comerciais que facilitam ligações sexuais e íntimas abundam, como os bares e clubes, salas de massagem e saunas, legitimando-se o sexo enquanto domínio de prazer em contraste com a família como um lugar confinado para as manifestações íntimas.
References:
Ho, J. (Ed.) (2003) Sex Work Studies. Center for the Studies of Sexualities, National Central University, Taiwan (in Chinese).