Conceito de Desenvolvimento Familiar
O desenvolvimento familiar diz respeito à sucessão de mudanças que ocorrem na família e nos seus elementos, isto é, às mudanças da família enquanto sistema, do qual fazem parte diferentes indivíduos, também eles em contínua mudança.
Neste sentido, o desenvolvimento familiar pode ser considerado em etapas de desenvolvimento, nas quais se geram reorganizações familiares em função das tarefas e características de cada etapa. À sucessão de etapas desenvolvimentistas atribui-se a designação de ciclo vital da família, sendo esta uma área de estudo que apresenta variantes consoante os diferentes autores.
Modelo teórico de desenvolvimento familiar
De acordo com Relvas (1996), as etapas do ciclo vital podem ser consideradas segundo uma referência orientadora que tem por base a família nuclear dita tradicional (pai, mãe e filhos), sendo estas: A formação do casal, a família com filhos pequenos, a família com filhos em idade escolar, a família com filhos adolescentes e a família com filhos adultos (Alarcão, 2006).
A primeira etapa caracteriza-se então pela formação do sub-sistema conjugal, do desenvolvimento da relação entre dois indivíduos, da qual faz parte o desafio de equilibração entre proximidade, partilha e a individualidade, autonomia. Após o início da relação, na qual predominam as experiências de paixão, os dois indivíduos vão progressivamente afirmando a sua individualidade e deste modo contribuindo diferenciadamente para o desenvolvimento de uma base segura, de cumplicidade e estabelecimento de objectivos comuns.
Face ao desenvolvimento da relação revela-se assim necessário o estabelecimento de limites entre o casal e as respectivas famílias de origem (famílias de cada um dos elementos do casal), abrindo espaço à metacomunicação (comunicação sobre o modo como comunicam e se relacionam) na resolução de conflitos, quer no seio da relação de casal, quer entre casal e respectivas famílias de origem. Este constitui um dos desafios inerentes a esta etapa, afigurando-se essencial a capacidade de comunicação entre os elementos do casal, bem como o estabelecimento de fronteiras que permitam, por um lado, a manutenção da identidade do casal e, por outro lado, a manutenção de relações de proximidade com outros significativos (famílias de origem, amigos).
A segunda etapa do desenvolvimento familiar, a família com filhos pequenos, é por sua vez caracterizada pelo nascimento do primeiro filho, no âmbito do qual se verificam mudanças não só no sub-sistema conjugal, mas também na formação do sub-sistema parental. É nesta etapa que o casal, agora também pais, aprende o que é a parentalidade, as suas tarefas, funções e responsabilidades, as quais exigem um ajustamento entre os sub-sistemas conjugal e parental, sendo este um dos desafios desta etapa do ciclo vital.
Paralelamente à manutenção da relação de casal, afigura-se igualmente importante a vinculação, a socialização e promoção progressiva da autonomia dos filhos por parte dos pais, abrindo espaço a um terceiro (ou mais) elemento(s) na relação. O nascimento de um segundo (ou mais) filho(s) proporciona a formação do sub-sistema fraternal, no âmbito do qual se verificam relações horizontais (relações entre iguais), importantes no desenvolvimento da socialização no que respeita ao companheirismo, à gestão ou negociação de conflitos e competições, na partilha e aprendizagem entre iguais. Nesta etapa afigura-se assim importante a negociação dos estilos ou modelos educativos de cada um dos pais, já que cada elemento apresenta variantes nestes estilos pelo facto de terem vivido experiências diferentes nas respectivas famílias de origem, na sua relação pais-filhos. Neste sentido, emerge a importância de negociação e construção de um modelo educativo partilhado que promova a aliança parental e facilite a parentalidade.
Segue-se a etapa da família com filhos em idade escolar, na qual é considerada o início da escola primária, bem como as mudanças que se verificam nas funções de cada elemento e do núcleo familiar no seu todo. É nesta etapa que a criança vai adquirindo autonomia, de forma mais consistente e expandida do que na etapa anterior, sendo também esta uma tarefa do sub-sistema parental, enquanto facilitador da socialização e autonomização dos filhos. O desafio desta etapa consiste assim na promoção da individualidade, no contexto da comunicação entre família e escola, tendo em vista a melhor adaptação da criança ao novo sub-sistema e ao que este representa. Este apresenta-se assim um desafio desta etapa, associado à necessidade de equilibração entre suporte e promoção de autonomia, nomeadamente nos processos de aprendizagem e na construção de novos relacionamentos (pares, professores), que expandem o mundo além do núcleo familiar.
A etapa da família com filhos adolescentes é por sua vez, caracterizada pelo investimento dos filhos nas relações de pares, na crescente procura pela autonomia, individualidade e construção da identidade. Os movimentos de conquista da autonomia são deste modo pautados por desafios à relação com os pais, não obstante estes continuarem a ser uma base de suporte emocional.
É o estabelecimento de uma base segura que facilitará também a capacidade de diferenciação do adolescente, num equilíbrio entre suporte, promoção da autonomia e controlo, manifesta pelos diferentes estilos parentais, na (in)consistência de limites e simultaneamente na abertura de espaços ao desenvolvimento dos filhos, que gradualmente ensaiam a transição para a adulticia (inicio da idade adulta).
Neste sentido, o estabelecimento de limites e negociações afigura-se um desafio nesta etapa, na qual não só os filhos, mas também os pais aprendem os seus novos papéis no sistema familiar, evidenciando-se mudanças ao nível da relação pais-filhos. Após as etapas de maior dependência dos filhos, acrescem as mudanças no sub-sistema conjugal, apresentando agora mais espaço e tempo de investimento na relação de casal, bem como nas actividades profissionais de cada elemento.
Por último, é considerada a etapa da família com filhos adultos, na qual o espaço e tempo para investimento na díade conjugal é crescente, a par das mudanças relacionais pais-filhos. Nesta etapa a relação entre pais e filhos caracteriza-se por ser uma relação entre adultos, exigindo que o sub-sistema parental aprenda a perspectivar e lidar com os filhos de uma forma horizontal (entre iguais, adultos-adultos) ao invés de vertical (entre diferentes, adultos-crianças ou adolescentes), acarretando perdas e ganhos nas relações. Estas perdas poderão ser percebidas por pais e filhos, nomeadamente aquando da independência dos filhos e construção de uma nova família, tornando-se a família nuclear então família de origem.
A mudança caracteriza-se também pelo enriquecimento familiar com a integração de novos elementos (nora, genro, netos) na família, exigindo estabelecimento de fronteiras e limites claros, num equilíbrio com a manutenção de relações de proximidade. Verifica-se assim nesta etapa a crescente necessidade de comunicação e relacionamento entre gerações (pais, filhos e netos), que simultaneamente devolve a realidade do envelhecimento e da necessidade de adaptação ao mesmo. É também nesta etapa que é progressivamente exigida a articulação da relação de suporte com gerações mais velhas (pais dos pais), à medida que se tornam mais dependentes e menos autónomos.
Decorrente da variabilidade individual e das interacções estabelecidas, as etapas do ciclo vital apresentam variâncias consoante as diferentes famílias, a par da interferência de factores económicas, sociais e culturais que moldam as escolhas e vivências de cada pessoa e de cada sistema familiar.
Verifica-se ainda para além da família nuclear tradicionalmente considerada, existem outras construções familiares, como sejam por exemplo as famílias monoparentais (por perda de um cônjuge – separação/divórcio ou viuvez), podendo estas reconstituir-se (famílias reconstituídas através da integração de novos elementos na família), e as famílias adoptivas. À semelhança da família nuclear tradicional, também estas famílias apresentam tarefas e desafios de desenvolvimento, com semelhanças e diferenças, estas últimas decorrentes das características distintas que apresentam.
Palavras-chave:Modelo de desenvolvimento familiar; sistema familiar; parentalidade; conjugalidade
References:
Alarcão. M. (2006). Desequilíbrios familiares: Uma visão sistémica. Coimbra: Quarteto.