A aterosclerose é uma doença inflamatória crônica e a sua forma mais comum é designada de arteriosclerose (endurecimento das artérias) sendo caracterizada pela presença de ateromas que são espessamentos arteriais em secção transversal que exalam um depósito amarelo pastoso de ésteres de colesterol quase puros. Assim sendo, a aterosclerose é uma doença progressiva, que se inicia pelo depósito de lípidos intracelulares nas células do músculo liso da parede arterial interior.
Estas lesões podem eventualmente formar “placas” calcificadas fibrosas que estreitam e podem levar ao bloqueio das artérias. Ainda assim, a rugosidade resultante da parede arterial promove a formação de coágulos sanguíneos que podem de certa forma levar à oclusão da artéria, tendo como consequência a paralisação do fluxo sanguíneo (conhecido como um enfarte) causando a morte dos tecidos que foram privados da corrente sanguínea. Embora os ateromas possam ocorrer em diversas artérias, estes são mais comuns nas artérias coronárias (artérias que irrigam o coração), resultando em enfartes do miocárdio ou “ataques cardíacos”, que é a causa mais comum de morte nos países industrializados ocidentais. Contudo a disfunção de diversas lipoproteínas podem levar ao surgimento desta doença, particularmente:
- Baixos níveis de lipoproteínas de baixa densidade (LDL) resultam em Aterosclerose: o desenvolvimento da aterosclerose está fortemente correlacionada com o nível de colesterol existente no plasma sanguíneo. Isto é particularmente evidente em indivíduos com hipercolesterolemia familiar, logo os homozigotos com este tipo de desordem hereditária possuem altíssimos níveis de LDL rico em colesterol (que é muitas vezes referido como “mau” colesterol) no plasma atingindo valores de três a cinco vezes maiores que em média. Todavia, esta situação resulta na deposição de colesterol na pele e tendões em forma de nódulos amarelos mais propriamente conhecidos por xantomonas. No entanto, o maior dano desta patologia é causado pela rápida formação de ateromas que, no caso em específico dos homozigotos pode causar a morte por enfarte do miocárdio em crianças de tenra idade (por volta dos 5 anos). No caso, dos heterozigotos que compreendem aproximadamente 1 em 500 pessoas, são severamente menos atingidas de desenvolverem doenças nas artérias coronárias após a idade dos 30 anos. Contudo, o elevado nível de LDL no plasma sanguíneo nestes indivíduos resulta de duas causas relacionadas: 1) a diminuição da taxa de degradação devido à falta de recetores de lipoproteínas de baixa densidade (LDLR) e ao 2) aumento da taxa de síntese de lipoproteínas de densidade intermédia (IDL) devido à falha de LDLR para assumir a IDL.
Atualmente, foram descobertas mais de 1000 mutações de LDLR que promovem e causam a hipercolesterolemia familiar. Assim, estas mutações foram agrupadas em cinco classes principais, dependendo da natureza do “defeito” no funcionamento do LDLR, provocando: 1) incapacidade de produzir quantidades detetáveis de proteína; 2) falha parcial ou completa do seu transporte para a membrana plasmática; 3) a ligação ao ligando; 4) incapacidade de localizar os “poços” revestidos com clatrina e 5) efeitos que ocorrem na libertação do ligando e na reciclagem. Contudo, a ingestão a longo prazo de uma dieta rica em teor de gordura (colesterol elevado) tem um efeito semelhante à hipercolesterolemia familiar sendo no entanto menos grave. Porém, um elevado nível de colesterol intracelular suprime a síntese de LDLR reduzindo assim a quantidade de LDL que uma célula transporta a partir da circulação sanguínea, por outro lado um excesso de colesterol proveniente da dieta é entregue aos tecidos através dos quilomicrons, o que contribui para elevados níveis de LDL no plasma.
- Recetores “scavenger” assumem a oxidação das LDL: As placas ateroscleróticas em indivíduos com hipercolesterolemia familiar contêm macrófagos (tipo especifico de glóbulo branco que ingere e destrói uma variedade de substâncias endógenas estranhas ao organismo) que têm um elevado nível de colesterol, sendo considerados como “células de espuma”. No entanto, os macrófagos de indivíduos normais e com hipercolesterolemia familiar possuem poucas LDLRs e portanto ocupam pouca LDL nativa. Ainda assim, os recetores da superfície celular dos macrófagos ligam-se à LDL acetilada que são conhecidos como recetores “scavenger” que se ligam também a certas moléculas polianiónicas, assim estes conseguem capturar o LDL oxidado. Porém, os ácidos gordos insaturados de LDL são altamente suscetíveis à oxidação química, mas no sangue estão “protegidos” contra a oxidação por antioxidantes. Conquanto, estes antioxidantes possuem um mecanismo de “empobrecimento” quando o LDL está preso por um tempo prolongado no interior das paredes das artérias.
- Doença de Tangier (Hipolipoproteinemia) elimina a síntese de lipoproteínas de alta densidade (HDL): A maioria das células não consome colesterol, convertendo-o por exemplo em hormonas esteróides ou em ácidos biliares, no entanto todas as células requerem colesterol para manter a fluidez da membrana. Assim sendo, o colesterol em excesso pode ser esterificado pela ação da ACAT (acyl-CoA:cholesterol acyltransferase) ou armazenado na forma de ésteres de colesterol em depósitos intracelulares. No entanto, indivíduos com este tipo de distúrbio hereditário recessivo, quase nenhum HDL é produzido, isto deve-se ao facto das células possuírem uma proteína de transporte com “defeito”, conhecida como proteína de ligação ATP-A1 (ABCA1). Ainda assim, em indivíduos normais, as funções da ABCA1 (atua como uma flipase) é transferir o colesterol, ésteres de colesterol e outros lípidos do interior para o exterior da membrana plasmática a partir do seu local de captura pela apo A-I para forma o HDL. Todavia, as células sem a proteína ABCA1 não podem usar o excesso de colesterol existente na célula, portanto promovem a acumulação de ésteres de colesterol no citoplasma. Portanto, os macrófagos obstruídos pelos lípidos contribuem para o desenvolvimento da aterosclerose, e consequentemente os indivíduos com sintomas da doença de Tangier exibem assim sintomas semelhantes àqueles com a hipercolesterolemia familiar.
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References:
- Vance, D.E. and Vance J.E. (Eds.), Biochemistry of Lipids, Lipoproteins, and Membranes (5th ed.), Elsevier (2008).
- Berglund, L. and Ramakrishnan, R., Lipoprotein(a). An elusive cardiovascular risk factor, Arterioscler. Thromb.Vasc. Biol. 24, 2219–2226 (2004).
- Parthasarathy, S., Steinberg, D., and Witzum, J.L., The role of oxidized low-density lipoproteins in the pathogenesis of atherosclerosis, Annu. Rev. Med. 43, 219–225 (1992).