Introdução
Não é fácil precisar o início exacto do renascimento, em termos musicais, porque o processo pelo qual a música adquiriu características renascentistas foi gradual, não existindo, portanto, um consenso entre os musicólogos, que oscilam entre o ano 1300 e o ano 1470. Sabe-se, no entanto, que o seu término ocorreu por volta de 1600.
Garantidamente sabe-se que a música acompanhou o desenvolvimento do movimento renascentista: “Desta maneira também a música embarca na aventura da realização humana, renunciando a uma linha tecnicista e cerebral, como era o caminho aberto pela Ars Nova, para definitivamente se colocar ao serviço do valor e da definição humana” (Borges & Cardoso, 2008, p.130).
Contexto histórico
O Renascimento foi o movimento cultural europeu que, entre meados do século XIV e meados do século XVI, efectuou a transição entre a Idade Média e a Idade Moderna. Foi marcado em termos culturais pela recuperação da arte, cultura e civilizações clássicas.
Este movimento baseia-se, sobretudo, no conceito de humanismo, que é o nome utilizado para explicar as correntes de pensamento renascentistas originadas através do conhecimento da filosofia e das línguas clássicas: o grego e o latim. “A partir deste culto das literaturas antigas emerge facilmente uma nova luz sobre o homem como ser livre e auto-suficiente. Deste modo, as verdades da fé proclamadas pela Igreja deixaram de ser absolutas e o homem compreende-se, cada vez mais, como centro do universo (Borges & Cardoso, 2008, p. 129)”.
O período renascentista foi, também, influenciado por importantes acontecimentos históricos e sociais. As descobertas empreendidas pelos navegadores portugueses e espanhóis, o apreço pela natureza e a libertação consumada de toda a sujeição contribuíram para a confiança do homem em si próprio e no seu poder sobre o ambiente, o que conduziu a um desenvolvimento progressivo da ciência – medicina, geografia, astronomia. Estes novos conhecimentos começaram a colocar em causa toda uma série de conhecimentos adquiridos sobre o mundo e sobre o homem. Surge, progressivamente, uma nova sociedade centralizada no Homem e no conhecimento racional, em detrimento de Deus e da Fé. A própria Igreja foi afectada por um jogo de interesses humanos que levou à eclosão de movimentos de contestação que culminaram na Reforma Luterana.
Do ponto de vista político, os confrontos entre os senhores feudais e os monarcas, que pretendiam unificar os territórios e solidificar o seu poder, levou ao estabelecimento progressivo da centralização do poder régio. A orientação para uma economia monetário e para o desenvolvimento do comércio conduziu a sublevações populares por toda a Europa. O abandono gradual do modo de vida agrário resultou na miséria das comunidades mais pobres, que não conseguiam sobreviver dos campos dizimados por períodos vários de guerra e peste.
Características principais
Durante o renascimento a escrita musical adquiriu uma estrutura de equilibrada de quatro partes, tanto no género vocal como no instrumental, adaptando uma textura SATB, que corresponde ao seguinte esquema: soprano, alto, tenor e baixo.
Assistiu-se ao surgimento da predominância melódica da voz superior e à definição harmónica do tenor. As frases musicais adequaram-se à respiração e o discurso musical tornou-se imitativo e expressivo. Verificou-se, também, uma afirmação progressiva da consonância harmónica de terceiras e quintas (acorde perfeito) e das cadências harmónicas clássicas (perfeita, plagal e interrompida). Efectuou-se, neste período, a transição do sistema modal para o sistema tonal.
A música instrumental desenvolveu-se nos mesmos moldes da música vocal, aliás, muito do repertório da música vocal foi transposto para música instrumental. Os instrumentos agruparam-se por famílias, de modo a reproduzir os diversos registos vocais. Os instrumentos de palheta sofreram um desenvolvimento significativo, seguindo-se as cordas. Surgem, no renascimento, os primeiros tratados acerca de instrumentos musicais.
A actividade musical passou a exercer-se mais nas catedrais e nas capelas reais ou principescas. Os mosteiros e os conventos continuam privilegiar o cantochão, embora abertos também à prática polifónica (ver polifonia), que, por vezes, chegava a ser notável.
Os principais géneros do renascimento, independentemente das diferentes fases de desenvolvimento do movimento – recordar que a música adquiriu novas características de modo gradual -, são o moteto, a missa e a canção. Já os principais compositores, por ordem cronológica de actividade, foram: John Dunstaple, Gilles Binchois, Guillaume Dufay, J. Ockeghem, Antoine Busnois, Joaquin des Prés, Jacob Obrecht, Heinrich Isaac, Adrian Willaert, Nicolas Gombert, Clemens non Papa, Orlando de Lassus, Philippe de Monte e Palestrina.
A imprensa musical
No final do século XV utilizava-se um método de impressão musical muito trabalhoso: a xilogravura. Era aplicada em livros de teoria e em missais mas não se imprimiam livros inteiros com músico. Em 1501, foi desenvolvida um novo tipo de técnica mais prática, embora fosse necessário que cada folha fosse impressa 3 vezes: uma para as pautas, outra para as notas e outra para o texto.
Esta invenção, chamada de tipos móveis, já era usada desde meados do século XV, mas só com Octavianno Petrucci adquiriu um peso significativo para o desenvolvimento da divulgação musical. Petrucci é responsável pela primeira colecção substancial de polifonia impressa, «Harmonice Musices Odhecaton», em 1501, em Veneza. Entre 1501 e 1520 viria ainda a publicar 61 colecções de música, entre frottolas italianas, motetes, missas, música instrumental e salmos.
O seu exemplo foi depressa imitado por muitos outros autores. A imprensa passou, então, a ser uma indústria rentável que equipava uma capela com livros em muito menos tempo e permitia que as cópias de música chegassem a uma audiência mais vasta. Além disto, permitiu que os repertórios começassem a viajar mais depressa, originando a disseminação de novos estilos e tendências pela Europa.
O livro impresso, neste contexto, favoreceu a tradição e a conservação do repertório de obras, estilos e autores, fixando o objecto sonoro e transmitindo-a a uma área de consumo extenso.
References:
Borges, M.J. & Cardoso, J.P. (2008). História da Música Vol I. Sebenta Editora.