O instrumento
O clarinete é um aerofone de palheta simples, constituído por cinco partes: a boquilha (onde se encontra a palheta), o barrilete, duas partes intermédias e, finalmente, o pavilhão. O tubo do instrumento é cilíndrico na maioria do seu comprimento. Deste facto, conjuntamente com o tipo de embocadura, resulta uma propriedade bem característica: como a palheta vibra contra a boquilha ao mesmo tempo que permanece encostada, impedindo a passagem do ar, o clarinete funciona como um tubo fechado.
Ao funcionar como tubo fechado, o instrumente emite sons bastante mais graves do que outros aerofones de tamanho semelhante. Ao mesmo tempo, só permite a obtenção de harmónicos ímpares pelo que, para se preencher cromaticamente o intervalo de 12.ª entre a fundamental e o 3.ª harmónico, é exigido ao clarinete possuir mais orifícios (18) e chaves em comparação com outros aerofones, como a flauta, o oboé e o saxofone. É este complexo sistema de chaves faz deste instrumento um de difícil execução.
Capaz de produzir várias sonoridades (na região mais grave, um som profundo e rico; na região intermédia, mais brilhante, caloroso mas sempre aveludado; na região aguda, mais estridente, prestando-se facilmente a efeitos sarcásticos), liga-se com facilidade a outros instrumentos, especialmente as madeiras e as trompas, em contexto de orquestra. Adicionalmente, o clarinete pode obter nuances de extremo pianíssimo ao extremo fortíssimo de um modo que outros instrumentos de sopro não podem.
A família do clarinete
A família de clarinetes é variadíssima. Independentemente do facto, destacam-se alguns como o:
- Clarinete soprano: o mais comum, normalmente em dois tamanhos: Si bemol e Lá (também já se construíram em dó mas são hoje obsoletos); são ambos transpositores e têm uma extensão de três oitavas e uma sexta. É um instrumento notoriamente expressivo.
- Clarinete alto em Mi bemol, uma quarta abaixo do instrumento em Si bemol: actualmente, é muito pouco usado, sendo somente encontrado nas bandas militares e ocasionalmente em partituras de orquestra (de Strauss, por exemplo); é um instrumento transpositor, sendo a sua música notada uma 3.ª abaixo do seu som.
- Clarinete baixo: transpositor em Si bemol, produz sons correspondentes a uma oitava abaixo do clarinete soprano (tem uma dimensão maior, portanto); de todos os membros da família, além do soprano, é aquele que mais intervém na orquestra.
- Clarinete contrabaixo: quase exclusivamente um instrumento de banda militar, a sua parte é escrita uma 9.ª acima do seu som; também conhecido como clarinete pedal, embora a origem do termo não seja clara.
Desenvolvimento do instrumento
O clarinete foi inventado por Johann Christian Denner (um dos principais construtores alemães de madeira do final do século XVII), em Nuremberga, provavelmente entre 1700 e 1707. Surgiu a partir de um instrumento chamado chalumeau, muito rudimentar, constituído por um tubo de cana com seis orifícios mais um para o polegar; a palheta era cortada na própria cana, mas não era necessária acção labial directa sobre esta.
Os primeiros clarinetes possuíam duas chaves e um orifício que permitia atingir o 3.º harmónico, aumentado assim a extensão do comprimento. Em 1720, surgiu um clarinete mais aperfeiçoado, com uma campânula semelhante à do oboé. Foi para este instrumento que Haendel escreveu, em 1740, a abertura da ópera «Tamerlano» e que Vivaldi reservou algumas partes dos seus concertos. Mais tarde, passou a ser construído em três partes (boquilha, corpo e campânula), o que permitiu a substituição das partes por outras de diferentes comprimentos, facilitando deste modo a execução de diferentes tonalidades.
No período clássico, o clarinete, que possuía já cinco chaves e um pavilhão mais alongado, passou a ter uma extensão e uma qualidade sonora apreciáveis. Nesta altura surgiu a primeira obra teórica dedicada a este aerofone, «Essai d’instruction à l’usage de ceux qui composent pour la clarinete et le cor» (1764), de Valentin Roeser, e apareceram os primeiros grandes clarinetistas: Joseph Beer, Johan Simon Hermstdt e Joseph Henrich Baermann. O nome clarinete surgiu igualmente nesta época, derivado de clarino, nome do registo agudo do trompete, porque o som do instrumento era, aqui, mais áspero e estridente do que aquele que associamos hoje ao instrumento.
Embora Haendel, Vivaldi ou o mestre capela da Antuérpia Joseph Faber já o tivessem incluído na orquestra, foi no período clássico que se tornou obrigatório. Tal deveu-se à sua inclusão na orquestra de Mannheim pelo compositor Carlos Stamitz, que se entusiasmou particularmente pelo potencial do instrumento, usando-o nalgumas das suas sinfonias e escrevendo 11 concertos para este. É neste contexto que Mozart toma contacto com o clarinete, que também o entusiasma, levando-o a compor obras notáveis como o «Concerto em Lá M K.622», o «Quinteto K. 581» para clarinete e quarteto de cordas e o «Trio K. 498» para clarinete, viola e piano. O compositor austríaco inclui-o, ainda, nas suas últimas sinfonias.
No início do século XIX, o clarinete surge já com oito chaves e com uma nova configuração da boquilha. Mas o seu desenvolvimento não cessou aqui. Em 1812, o clarinetista e compositor Iwan Müller, em Paris, apresentou um clarinete em Si b de 13 chaves, que permitia ao clarinete tocar em todas as tonalidades. Este novo instrumento, apesar do êxito, não foi aprovado pela Comissão do Conservatório de Paris, que defendia a especificidade de clarinetes diferentes para as várias tonalidades.
Tendo sido este um marco importante na história do instrumento, foi ultrapassado pelo clarinete com o sistema de Boehm (inventado alguns anos antes para a flauta). A adaptação deste sistema ao instrumento deveu-se ao professor do Conservatório de Paris Hyacinthe Klosé e ao construtor Auguste Buffet. “O “princípio das anilhas móveis de Boehm” (Pinto, 2006) permitiu fechar orifícios de difícil acesso aos dedos e assim criar outros orifícios de impossível alcance para a fisionomia dos dedos. Para além destas alterações, foi introduzida, entre o corpo e a boquilha do instrumento, outra peça denominada barrilete. Este clarinete foi apresentado em 1839 em “Paris Exhibition” (Pinto, 2006), e teve muito êxito. Ainda hoje, é o clarinete mais utilizado em quase todo o mundo” (Capitão, 2017, p. 17).
A importância do instrumento no universo da música revelou-se na vastidão do repertório para clarinete escrito a partir do Romantismo, tanto para o instrumento a solo como em conjuntos de câmara, além do seu papel na orquestra. O clarinete é igualmente preponderante no jazz.
References:
Capitão, J.M.R. (2017). Iniciação ao clarinete: estudo de caso. Dissertação de mestrado em ensino da música, Universidade Católica.
Henrique, L. (1998). Instrumentos Musicais. Fundação Calouste Gulbenkian.
Kennedy, M. (1994). Dicionário Oxford de Música. Publicações Dom Quixote.