Conceito de Perturbação Paranoide
A perturbação paranoide é uma perturbação da personalidade que integra o grupo das perturbações de personalidade com características excêntricas ou bizarras (Grupo A do eixo II no Manual de Diagnóstico e Estatística de Perturbações Mentais). Os indivíduos com perturbação paranoide apresentam desconfiança acentuada e persistente face aos outros, associada à atribuição de significados malévolos às intenções ou ações destes. Estas interpretações tendem a gerar raiva, bem como comportamentos de hostilidade, resultando em padrões de intolerância à crítica, acompanhada da desqualificação e culpabilização de terceiros.
Conceptualização
De acordo com alguns autores, as interpretações distorcidas face aos outros resultam da projeção de conflitos internos e de uma visão negativa do self, percebido como inferior, insuficiente e inadequado. Neste sentido, a insegurança e percepção de vulnerabilidade contribuem para a visão do mundo como um lugar aversivo e dos outros como pessoas hostis e não confiáveis, despoletando um ambiente de vigilância extrema. Apesar da sua aparente autossuficiência, apresentam uma autoeficácia frágil e agem no sentido de manter a sua segurança.
A visão negativa do mundo e dos outros contribui gradualmente para o isolamento do indivíduo, como forma de evitar a exposição e a partilha de informações sobre si, já que considera que estas podem ser veiculadas para o explorar, ofender ou ridicularizar. Ao restringir ou eliminar os relacionamentos interpessoais, gera-se um ciclo de perpetuação das suas crenças, pois não as desafia no contexto real do relacionamento com os outros. Para este ciclo contribuem inclusive os comportamentos de hostilidade do indivíduo, decorrentes das crenças e emoções que alimenta, na medida em que geram percepções negativas nos outros, facilitando assim a manutenção de um ciclo interpessoal disfuncional (eu-outros) e das suas crenças.
Do ponto de vista da história e do desenvolvimento, a organização paranoide da personalidade apresenta influência de contextos familiares hipervigilantes, nos quais são fomentadas as crenças de um mundo constituído por situações e pessoas ameaçadoras. Deste modo, o indivíduo desenvolve-se no âmbito da crença de que é vulnerável ou de que é especial, resultando assim numa visão dos outros como pessoas maliciosas ou invejosas, com quem não se deve manter relações de proximidade e confiança. O indivíduo constrói assim alicerces frágeis e não adaptativos daquilo que considera ser a sua autonomia e independência face aos outros, construindo por sua vez solidão e o evitamento de relacionamentos íntimos, nos quais se coloca a necessidade de partilha e expressão emocional. Neste sentido, o evitamento relacional é acompanhado do evitamento emocional, designadamente de emoções experienciadas como dolorosas, como o medo intenso e a culpa.
As crenças do indivíduo sobre os outros bem como a autocentração parecem contribuir para a elaboração de ideias de perseguição e de ciúme (e.g. relacionamento conjugal). Particularmente, a autocentração ou referência parece ser uma das fontes da suspeição, na medida em que o indivíduo considera que tal como ele próprio, também os outros se centram nele com propósitos malévolos (e.g. a interação entre duas pessoas pode ser interpretada como uma conversa negativa a seu respeito; o sorriso de uma pessoa pode ser interpretado como uma ridicularização de si próprio).
Avaliação diferencial e comorbilidade
Enquanto perturbação da personalidade, a perturbação paranoide só é considerada como tal a partir do início da idade adulta, sendo importante a avaliação diferencial com outras perturbações clínicas e da personalidade que apresentem características semelhantes, como a suspeição face aos outros. Entre estas são exemplo a esquizofrenia paranoide, que se caracteriza pela presença de características diferenciadoras, nomeadamente os sintomas psicóticos (delírios e alucinações), não presentes na perturbação paranoide da personalidade.
Palavras-chave: perturbação paranoide; perturbação da personalidade; hipervigilância; ciclo interpessoal disfuncional
References:
Millon, T., Grossman, S., Millon, C., Meagher, S., & Ramnath, R. (2004). Personality Disorders in Modern Life. New Jersey: John Wiley & Sons, Inc.
Rodrigues, V., & Gonçalves, L. (2009). Patologia da Personalidade. Teoria, clínica e terapêutica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.