De acordo com o artigo de 2012 da PAHO (Pan American Health Organization), qualquer doença ou infeção que se transmite naturalmente de animais vertebrados para humanos é considerada uma zoonose (PAHO, 2001). Dos mais de 1400 agentes patogénicos que afetam o homem, estima-se que 64% sejam zoonoses (Heeney, 2006) e que 75% das doenças emergentes dos últimos 10 anos têm origem nos animais ou em produtos de origem animal (European Food Safety Authority, 2015). Além de um risco para a saúde pública, as doenças zoonóticas também afetam o comércio internacional de produtos de origem animal (Weese and Fulford, 2011).
Classificação
As zoonoses dividem-se em: antropozoonoses, doenças transmissíveis ao homem cujo reservatório na natureza são os animais; zooantroponoses, doenças cujo reservatório na natureza é o homem e que podem ser transmitidas para outros vertebrados e anfixenoses, doenças para as quais tanto humanos como animais funcionam como reservatórios.
Exemplos
As zoonoses podem ser bacterianas, virais, fúngicas ou parasitárias. Um exemplo de zoonose bacteriana é a brucelose, cujo agente etiológico são bactérias do género Brucella, podendo os humanos ser infetados por quatro espécies: Brucella melitensis (cabras, ovelhas e camelos), Brucella abortus (bovinos), Brucella suis (suínos) e Brucella canis (canídeos) (Pessegueiro, Barata e Correia, 2003). A transmissão pode ocorrer através da ingestão de produtos lácteos não pasteurizados e pelo contacto direto com animais infetados.
Uma zoonose viral muito importante é a raiva, cujo agente é um Lyssavirus da família Rhabdoviridae. Esta doença é transmitida por carnívoros domésticos, como o cão, e selvagens, como os morcegos. Todos os mamíferos são suscetíveis e o homem infeta-se principalmente através da mordedura (World Health Organization, 2015). É uma doença grave para a qual não existe cura, sendo a Europa Ocidental, incluindo Portugal, considerada indemne (livre) de raiva terrestre, isto é, não causada pelo Lyssavirus do morcego europeu (King et al., 2004). No nosso país existe o Programa Nacional de Luta e Vigilância Epidemiológica de Raiva Animal e outras Zoonoses (PNLVERAZ), que tem como um dos seus objetivos manter o estatuto indemne do nosso país, utilizando diversas estratégias, como as campanhas de vacinação antirrábica.
As dermatofitoses, conhecidas comummente como tinhas, são micoses superficiais que afetam a pele, cabelos e unhas; são causados por diversas espécies de fungos e podem ser transmitidos a humanos através do contacto direto com animais infetados (animais domésticos e espécies pecuárias), assim como através de fomites (roupas e outros objetos) e superfícies contaminadas.
Como exemplo de doença zoonótica parasitária temos a equinococose/hidatiose, cujo agente são cestodes do género Echinococcus. O homem contamina-se pela ingestão de ovos excretados nas fezes de canídeos, sendo o ciclo natural entre canídeos e ungulados, como os ovinos. A equinococose ocorre no hospedeiro definitivo, os canídeos, devido à ação do parasita adulto, enquanto a hidatiose ocorre nos hospedeiros intermediários, por ação das formas larvares e com formação de quistos hidáticos (Acedo, 2001). Em determinadas áreas do país os cães são desparasitados gratuitamente nas campanhas de vacinação antirrábica (Direção-Geral de Alimentação e Veterinária, 2015).
Por vezes estão também envolvidos outros agentes não classificados em nenhuma destas categorias, como é o caso dos priões, agentes infeciosos responsáveis, por exemplo, pela BSE (Encefalopatia Espongiforme Bovina), mais conhecida pela doença das vacas loucas, que se pensa estar ligada à ocorrência da nova variante da doença de Creutzfeldt-Jakob em humanos (Collinge et al., 1996; Hill et al., 1997; Bruce et al., 1997).
Quanto às zooantroponoses, existem evidências de que também os humanos são fonte de agentes infeciosos que afetam outros vertebrados, como o Staphylococcus aureus resistente à meticilina, o Cryptosporidium parvum e o Influenzavírus A (Messenger, Barnes e Gray, 2014).
Prevenção
Cada um de nós pode contribuir para a diminuição da ocorrência destas doenças através de boas práticas de higiene, lavando as mãos regularmente, após manipular animais e objetos potencialmente contaminados, como caixas de areia e gaiolas, e antes de preparar e ingerir alimentos. É também muito importante apanhar as fezes dos nossos animais de estimação em locais públicos, assim como da vaciná-los e desparasitá-los segundo as indicações do médico veterinário e impedir que contactem com animais doentes. Pessoas imunodeprimidas devem ter cuidados redobrados ao contactar com animais potencialmente contaminados.
Palavras chave
Saúde Pública – Infeção/Intoxicação Alimentar
Referências bibliográficas
Acedo, C. (2001). Parasitosis sistémicas – Hidatidosis. In: M. Campillo and F. Vázques, ed., Parasitología Veterinaria, 1st ed. Madrid: McGraw-Hill Interamericana, p.341.
Bruce, M., Will, R., Ironside, J., McConnell, I., Drummond, D., Suttie, A., McCardle, L., Chree, A., Hope, J., Birkett, C., Cousens, S., Fraser, H. and Bostock, C. (1997). Transmissions to mice indicate that ‘new variant’ CJD is caused by the BSE agent. Nature, 389(6650), pp.498-501.
Collinge, J., Sidle, K., Meads, J., Ironside, J. and Hill, A. (1996). Molecular analysis of prion strain variation and the aetiology of ‘new variant’ CJD. Nature, 383(6602), pp.685-690.
Direção-Geral de Alimentação e Veterinária. (2015). EDITAL PROFILAXIA DA RAIVA E OUTRAS ZOONOSES VACINAÇÃO ANTIRRÁBICA E IDENTIFICAÇÃO ELETRÓNICA. 1st ed. [ebook] Lisboa, p.1. Available at: http://www.cm-vilavicosa.pt/pt/site-acontece/noticias/Paginas/vanicaoantirabica.aspx [Accessed 12 Jun. 2015].
EFSA – European Food Safety Authority, (2015). Zoonotic diseases. [online] Available at: http://www.efsa.europa.eu/en/topics/topic/zoonoticdiseases.htm [Accessed 13 Jun. 2015].
HEENEY, J. (2006). Zoonotic viral diseases and the frontier of early diagnosis, control and prevention. J Intern Med, 260(5), pp.399-408.
Hill, A., Desbruslais, M., Joiner, S., Sidle, K., Gowland, I., Collinge, J., Doey, L. and Lantos, P. (1997). The same prion strain causes vCJD and BSE. Nature, 389(6650), pp.448-450.
King, A., Fooks, A., Aubert, M. and Wandeler,, A. (2004). Historical perspective of rabies in Europe and the Mediterranean Basin. Paris: World Organisation for Animal Health, p.154.
Messenger, A., Barnes, A. and Gray, G. (2014). Reverse Zoonotic Disease Transmission (Zooanthroponosis): A Systematic Review of Seldom-Documented Human Biological Threats to Animals. PLoS ONE, 9(2), p.e89055.
Pan American Health Organization, (2001). Zoonoses and communicable diseases common to man and animals – Volume I Bacterioses and Mycoses. 3rd ed. Washington, D.C.: PAHO.
Pessegueiro, P., Barata, C. and Correia, J. (2003). Brucelose – uma revisão sistematizada. Medicina Interna, 10(2), p.92.
Weese, J. and Fulford, M. (2011). Companion animal zoonoses. Ames (Iowa): Wiley-Blackwell.
World Health Organization, (2014). Rabies. [online] Available at: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs099/en [Accessed 10 Jun. 2015].