Introdução
«La mer, trois esquisses symphoniques pour orchestre» (O mar, três esboços sinfónicos para orquestra), ou simplesmente «La Mer», é uma composição orquestral do compositor francês de Claude Debussy. Composta entre 1903 e 1905, não foi inicialmente bem recebida, mas veio a tornar-se um dos trabalhos mais admirados do músico, sendo considerada uma obra-prima da orquestração.
A obra
«La Mer» não retrata o mar em sentido apenas pictórico, é sobretudo uma obra-prima de sugestão, evocação e subtileza, abrindo espaço a um experiência sensorial fortíssima, através da combinação de uma orquestração não usual com harmonias arrojadas, tipicamente impressionistas. Não se enquadra, por isso, nas categorias de música absoluta e música programática, por definição dos termos. Por um lado, a peça baseia-se num elemento da natureza mas não se debruça sobre nenhum elemento específico e/ou a sua relação com o mar, evitando deste modo o a etiqueta de programática. Por outro lado, sugere as ondas, o vento, o ambiente, pelo que não pode ser rotulada de absoluta.
Esta obra é, no entanto, aquela que mais se aproxima de um modelo sinfónico, entre as peças orquestrais de Debussy, pela sua configuração em três andamentos:
– De l’aube à midi sur la Mer (Da alvorada ao meio-dia): “a manhã é evocada na visão debussiana, pontuada por arabescos nas madeiras, figuras ondulantes passando entre os vários naipes da orquestra, células temáticas de base pentatónica ou modal, tremolos de cordas e intervenções dos timbres cuidadosamente escolhidos da percussão, todos contribuindo para um quadro particularmente realista e luminoso” (Almeida, 2016);
– Jeux de vagues (Jogo de Ondas): “movimento e fluidez são o pano de fundo para um espectáculo em que se sucedem sonoridades e motivos fugazes com invulgar variedade” (Almeida, 2016);
– Dialogue du Vent et de la Mer (Diálogo do Vento e do Mar): “a oposição entre vento e mar é sugerida pelas células enérgicas e repetitivas, pelos desenhos voláteis, contrastando com o mágico momento da melodia-refrão no oboé. A fúria acaba em apoteose, com o naipe de metais em jeito de coral triunfante e a percussão a sublinhar na perfeição o último fôlego das águas” (Almeida, 2016).
Composição
Debussy iniciou a composição de «La Mer», em 1903, na França, e concluiu-a dois anos depois, no Grand Hotel Eastbourn, em Inglaterra, para onde tinha “escapado” à hostilidade que sentia em França, depois de abandonar Lilly Texier e juntar-se a Emma Bardac.
Não será errado afirmar que o compositor sentia um enorme fascínio pelo mar, que já tinha surgido na sua obra, em «Nocturnes», no último andamento, “Sirènes” (sereias). «La Mer» é, no entanto, muito mais evocativo e menos literal, embebida nas memórias de infância relacionadas com o mar, que recordava como uma visão, uma essência distante da realidade. Um dos seus amigos, Carson, terá afirmado que o Debussy era incapaz de compor na presença do mar. É certo que o compositor raramente o visitava enquanto trabalhava em «La Mer», recorrendo, se necessário, à literatura e à pintura (a capa da edição de 1905 inspirava-se na «Grande Onda de Kanagawa» do japonês Katsushika Hokusai).
Recepção
«La Mer» encontrou uma grande incompreensão e resistência na primeira fase. Pierre Lalo, por exemplo, crítico musical do Le Temps, escreveu que a obra nada tinha que ver com o mar. Deve-se ter em consideração, no entanto, que a recepção negativa em Paris deveu-se em parte à fraca qualidade dos ensaios, apontada por Debussy, e sobretudo à vida pessoal do compositor que na altura chocou a sociedade parisiense. Contudo, do outro lado do oceano, lia-se no New York Post: “alguém duvida por um momento que Debussy não escreveria uma coisa tão caótica, sem significado, cacofónica e ingramatical, se soubesse inventar uma melodia?”.
Não obstante a fraca primeira recepção, a obra depressa adquiriu o estatuto merecido na obra de Debussy e a consideração devida no meio musical. “A verdade é que os efeitos evocativos do mar colorido e misterioso em que Debussy mergulhou têm encantado gerações de melómanos e não só: têm inspirado sucessivas gerações de compositores e, em especial medida, uma grande parte do repertório da música para cinema” (Almeida, 2016).
References:
Almeida, P. (2016). La Mer, três esboços sinfónicos para orquestra. Em http://www.casadamusica.com/artistas-e-obras/obras/l/la-mer-tres-esbocos-sinfonicos-para-orquestra-claude-debussy/#tab=0
Gutmann, P. (2016). La Mer. Em http://www.classicalnotes.net/classics/lamer.html
Kennedy, M. (1994). Dicionário Oxford de Música. Publicações Dom Quixote.
La Mer (Debussy). Em https://en.wikipedia.org/wiki/La_mer_(Debussy)