Grândola, Vila Morena

«Grândola, Vila Morena»: apresentação, composição e papel político da canção de Zeca Afonso na Revolução de Abril de 1974.

Introdução

«Grândola, Vila Morena» é uma canção portuguesa composta e interpretada por Zeca Afonso. Foi o tema escolhido pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) para ser a segunda senha radiofónica para o arranque das operações militares que conduziram à Revolução de 25 de Abril de 1974.

Composição

A primeira versão de «Grândola, Vila Morena» foi escrita depois de José Afonso ter sido convidado a participar nos festejos do 52.º Aniversário da colectividade Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense (SMFOG), em 17 de Maio de 1964, na vila alentejana de Grândola. A passagem nesta colectividade dedicada à cultura e à educação musical deixou uma forte impressão no músico que, numa carta aos pais datada de 23 de Maio, escreveu o seguinte: “Se alguma vez tiver de deixar esta terra é a lembrança dos homens que conheci em Grândola e noutros lugares semelhantes que me fará voltar. A sociedade grandolense é um casinhoto antigo com meia dúzia de divisões, uma orquestra, um grupo cénico e uma biblioteca. A direcção, toda ela constituída por operários, já promoveu a realização de palestras e concertos em que colaboraram o Alves Redol, o Romeu Correia, o Lopes Graça e o Rogério Paulo. As autoridades não só lhes têm recusado o mínimo apoio como têm entravado outras tantas iniciativas deste género. Em comparação os grupos puramente destinados a actividades recreativas (e são os que existem em maior número) funcionam permanentemente e com carta branca para realizar bailes e biscas lambidas”.

Inspirado pelo ambiente fraterno e solidário desta sociedade em pleno regime repressivo, Zeca Afonso começou a escrever o tema na viagem de regresso a Lisboa, acompanhado pelos guitarristas Fernando Alvim e Carlos Paredes (que conheceu em Grândola e pelo qual ficou grandemente impressionado). Quatro dias depois enviou uma carta a José da Conceição, que o tinha convidado a apresentar-se na vila alentejana, com um poema dedicado a Grândola. Este sofreria duas alterações, a última na altura da sua gravação.

O tema foi gravado em França, em 1971, como parte do álbum «Cantigas de Maio», que contou com a produção de José Mário Branco. Este sugeriu a repetição de cada quadra por ordem inversa dos versos, como é tradicional no canto alentejano. Os passos ouvidos inicialmente, não obstante a frequente assumpção a passos de soldados, foram também uma ideia de José Mário Branco que quis recriar o tipo de ambiente criado pelos grupos corais alentejanos.

«Grândola, Vila Morena» foi apresentada em público, pela primeira vez, em Santiago de Compostela, em 10 de Maio de 1972.

A segunda senha da Revolução de Abril

No dia 29 de Março de 1974 foi cantada no encerramento do Primeiro Encontro da Canção Portuguesa, no Coliseu de Lisboa. O tema passou incólume pela censura, normalmente muito apertada sobre as obras do cantor. Neste mesmo espectáculo tinham sido proibidas interpretações de, por exemplo, «Venham Mais Cinco», «A Morte Saiu à Rua» e «Menina dos Olhos Tristes». Na assistência estavam vários militares do MFA, que viriam a escolher a canção como uma senha de arranque para a revolução.

À meia-noite e vinte minutos do dia 25 de Abril de 1974, «Grândola, Vila Morena» foi tocada no programa Limite, transmitido na Rádio Renascença. Era a senha para o arranque definitivo e simultâneo, em todo o país, das operações militares organizadas. O primeiro sinal, «E Depois do Adeus» já se tinha feito sentir cerca de hora e meia antes, mas só a Grândola, pela sua letra clara e objectiva, desfazia todas as dúvidas sobre o carácter da revolução.

Depois de Abril

«Grândola, Vila Morena» tornou-se um símbolo da revolução e do início da democracia em Portugal. Neste sentido, foi invocada noutras alturas com um significado político.

Por exemplo, em Fevereiro de 2013, o então primeiro-ministro Pedro Passos Coelho foi interrompido pelo movimento “Que se lixe a troika! Queremos as nossas vidas!” ao som do tema, como forma de protesto contra as políticas económicas do seu governo e da troika. A 18 de Fevereiro, num encontro promovido pelo Clube dos Pensadores, o então Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, foi igualmente interrompido por manifestantes que entoavam a Grândola.

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References:

Abreu, R.M. (2014). Duas canções, uma revolução: a história de “Grândola Vila Morena” e “E Depois do Adeus”. Em http://blitz.sapo.pt/principal/update/duas-cancoes-uma-revolucao-a-historia-de-grandola-vila-morena-e-e-depois-do-adeus=f91881

Dias, P.S. (2013). Relvas interrompido por “Grândola Vila Morena”: “Governo só vai embora em 2015 se os portugueses quiserem”. Público. Em https://www.publico.pt/2013/02/18/politica/noticia/relvas-interrompido-por-grandola-vila-morena-1584951

Grândola, Vila Morena. Em http://www.achale.pt/imagens/artigos/Gr%C3%A2ndolaVilaMorena.pdf

Grândola Munício. (nd). SMFOG – Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense. Em http://www.cm-grandola.pt/frontoffice/pages/578?poi_id=167

Pinheiro, A.M. (2013). Discurso de Primeio-Ministro interrompido por “Grândola Vila Morena”. Dinheiro Vivo. Em https://www.dinheirovivo.pt/economia/discurso-de-primeiro-ministro-interrompido-por-grandola-vila-morena/

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