Para impedir que lesões e erros no DNA permaneçam na célula e levem a consequências graves ou sejam passados para a descendência, a célula possui vários mecanismos, denominados mecanismos de reparação do DNA, que corrigem esses erros e mantêm a integridade do seu genoma. Tanto eucariotas como procariotas possuem estes mecanismos.
A importância da reparação do DNA
O DNA é a base de toda a estrutura de um organismo, seja eucariota ou procariota, o que o torna o ponto chave no armazenamento de toda a informação genética, na evolução e no desenvolvimento. Apesar de ser necessário que ocorra variação genética para a evolução das espécies, tendo em consideração a importância do DNA, sabemos que o genoma dos organismos tem que ser estável em prol da sua sobrevivência, não podendo sofrer grandes alterações. No entanto, o DNA é diária e constantemente alvo de modificações, tais como, erros que ocorrem durante a replicação e lesões induzidas por exposição à radiação e a mutagénicos presentes no meio ambiente, que se não forem corrigidos podem levar a mutações. Para se defender das agressões diárias e manter a integridade do genoma, as células desenvolveram mecanismos capazes de corrigir essas modificações, que são conhecidos como mecanismos de reparação do DNA. Estes mecanismos têm sido extensivamente estudados em E. coli o que tornou possível o conhecimento das suas etapas e das enzimas envolvidas.
Os mecanismos de reparação do DNA podem ser divididos em dois grandes grupos: aqueles que envolvem a reparação de erros ou lesões que ocorrem em apenas uma das cadeias da dupla-hélice do DNA (reparação pela DNA polimerase, reparação por mismatch, reparação por excisão de base e reparação por excisão de nucleótidos) e aqueles que envolvem a reparação de lesões que ocorrem em ambas as cadeias da dupla-hélice (junção de extremidades não homólogas e recombinação homóloga).
Mecanismos de reparação do DNA
Reparação pela DNA polimerase
Muitos erros ocorrem durante a replicação do DNA (inserção de 1 base errada em cada 104 bases adicionadas, em bactérias), erros estes que são automaticamente corrigidos pela capacidade de proof-reading intrínseca à DNA polimerase. Esta caraterística fornece à DNA polimerase a habilidade de reconhecer uma base copiada erradamente, voltar atrás na cadeia e substituir a base errada pela base correta.
Reparação por mismatch
Erros de mal pareamento que se mantêm após a replicação são corrigidos por reparação por mismatch. Nestes erros está envolvida apenas uma base que não é a correta segundo a regra da complementaridade de bases – daí o termo mismatch. O mecanismo de reparação destes erros baseia-se na deteção da base mal pareada, na sua remoção e na utilização, pela DNA polimerase, da cadeira não lesada como molde para replicar a base correta. No final, a DNA ligase fecha a cadeia de DNA.
Reparação por excisão de base
As bases que foram alvo de desaminações, alquilações ou oxidações são corrigidas por reparação por excisão de bases. Neste mecanismo, enzimas específicas, denominadas exonucleases, reconhecem a base que está alterada e catalisam a sua remoção hidrolítica. Seguidamente uma DNA polimerase de reparo utiliza a cadeia de DNA que não está danificada como molde e faz a replicação correta da base. Para finalizar o processo, a DNA ligase promove a formação da ligação fosfodiéster entre as bases e a dupla hélice de DNA fica completa e sem erros.
Reparação por excisão de nucleótidos
Lesões no DNA provocadas por reações covalentes com carcinogéneos e por dímeros de timina causados por raios UV (a lesão mais comum no DNA) são reparadas por excisão de nucleótidos. Nesta via de reparação um complexo formado por várias enzimas (incluindo exonucleases) procura distorções na dupla-hélice do DNA e, quando encontra, cliva a cadeia de DNA que contem a distorção e essa porção da cadeia (um oligonucleótido) é retirada pela ação da DNA helicase. Seguidamente, tal como no processo anterior, uma DNA polimerase de reparo preenche o espaço tendo como molde a cadeia que não sofreu lesões e que não foi clivada, e uma DNA ligase promove a formação da ligação fosfodiéster de forma a fechar a cadeia corrigida.
Junção de extremidades não homólogas
A radiação ionizante, agentes oxidantes e alguns produtos metabólicos são responsáveis por quebras de dupla cadeia. Estas lesões, que danificam ambas as cadeias da dupla-hélice do DNA, são bastante perigosas uma vez que não permanece nenhuma cadeia para servir de molde. Para este tipo de lesões, a reparação por junção de extremidades não homólogas é a mais simples e ocorre através da junção das extremidades deixadas livres pela lesão, que são reunidas e ligadas. A desvantagem deste mecanismo é que são perdidas bases que não voltam a ser recuperadas, o que pode levar a perdas de informação. Por outro lado, tem como vantagem o facto de que pode ser ativado rapidamente pela célula em qualquer fase do ciclo celular, sendo predominante em organismos multicelulares, e funciona como um mecanismo de emergência para a reparação de quebras de dupla cadeia.
Recombinação homóloga
Outra forma de reparar quebras de dupla cadeia no DNA é a reparação por recombinação homóloga. Este mecanismo baseia-se na existência de cromossomas homólogos na célula, o que significa que existem dois exemplares de cada dupla-hélice. A reparação ocorre através da ‘invasão’ do cromossoma homólogo que não sofreu lesão, pela dupla-hélice que está danificada. Um complexo enzimático é responsável por encontrar as zonas de complementaridade e por dirigir o cromossoma homólogo não lesado para perto do cromossoma danificado. Seguidamente cada cadeia utiliza a sua complementar como molde, a DNA polimerase sintetiza as novas cadeias e a DNA ligase fecha-as. No final os cromossomas homólogos separam-se e o cromossoma que estava danificado está corrigido, sem perdas de informação nem alterações na sequência de DNA.
Consequências da não reparação do DNA
Se lesões ou erros de pareamento não forem corrigidos, graves consequências podem ocorrer na célula, tais como mutações, alterações na estrutura tridimensional do DNA, síntese de proteínas sem função ou com uma função deficiente, entre muitos outros. É sabido que, em última instância, danos no DNA ou alterações na sua sequência levam ao desenvolvimento de tumores.
References:
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