Traumatofilia
A traumatofilia diz respeito à exposição repetitiva e voluntária de um indivíduo a uma situação que, em determinado momento, originou um trauma. A automutilação característica da perturbação, deve-se à busca incessante do domínio da situação.
Perón (20007) começa por explicar que a traumatofilia tem origem, como o próprio nome indica, na vivência de determinado trauma, o qual, uma vez não sendo ultrapassado, é transformado em meio de excitação intensa, em busca do equilíbrio psíquico.
De acordo com os trabalhos de Drieu, Proia-Lelouey e Zanello (2011) a traumatofilia tem origem na automutilação provocada pelas camadas mais jovens, principalmente, na adolescência. Habitualmente, a razão pela qual os adolescentes enveredam por comportamentos autodestrutivos, associa-se às mudanças corporais características dessa faixa etária, frequentemente por motivo de ausência de orientação materna, na infância, e, mais tarde, por nova ausência de orientação por meio do ambiente onde se inserem (Drieu, Proia-Lelouey, & Zanello, 2011).
No entanto, por vezes o trauma tem outro tipo de origem, pelo que é preciso entender a intensidade que originou a perturbação e em que grau de fragilidade se encontrava o indivíduo no momento em que este foi provocado e enveredou pelo quadro traumatofilico (Péron, 20007).
Na fase adolescente, propriamente dita, quando se iniciam ataques físicos ao próprio corpo como forma de auto punição, que se percebe terem base no meio de controlo que o indivíduo encontra para com as mudanças físicas não compreendidas, se os mesmos se tornam repetitivos e cada vez mais graves, encontra-se aqui uma dimensão traumatofílica (Drieu, Proia-Lelouey, & Zanello, 2011).
Esta forma de lidar com as alterações do corpo que fogem ao controlo do adolescente sobre si mesmo e sobre o seu corpo, são, na maioria das vezes, aprendidas no seio de um grupo de pares (Drieu, Proia-Lelouey, & Zanello, 2011).
Em alguns casos, a traumatofilia pode começar por sintomas físicos como tremores, rigidez dos movimentos ou evitamento dos mesmos, quando similares a situações traumáticas passadas e, posteriormente, evoluir para uma forma de afeto sobre o trauma, vivida de forma inconsciente (Péron, 20007).
Por vezes, encontramos alguns quadros de perturbação mental, associados à traumatofilia, os quais levam a que esta seja o escape para a deficiência de controlo do doente, como é o exemplo da alexitimia, ou seja, o indivíduo é incapaz de expressar, facialmente, qualquer tipo de sensação ou sentimento (Drieu, Proia-Lelouey, & Zanello, 2011). Nestes casos, a incapacidade de se expressar através de expressões faciais, leva à procura da expressão das emoções de uma forma fantasmática, através do corpo, o que faz deste um refém do domínio do indivíduo (Drieu, Proia-Lelouey, & Zanello, 2011).
Para Freud, do ponto de vista psicanalítico, a traumatofilia pode ser explicada através das pulsões, associadas ao princípio do prazer, pelo que o doente encontra a capacidade para ter algum tipo de domínio do corpo através da provocação de dor (Drieu, Proia-Lelouey, & Zanello, 2011).
Na adolescência, especificamente, encontramos a traumatofilia enquanto fuga à frustração pela vulnerabilidade sentida face ao corpo em mudança, pelo que o escape é a automutilação (Drieu, Proia-Lelouey, & Zanello, 2011).
Os estudos de Ferenczi, (1916, p.271, cit in Péron, 20007, p. 17) demonstram que alguns indivíduos, quando vivem experiências que lhes provocam traumas profundos, por vezes, de forma inconsciente, sujeitam-se a situações similares aquela que se encontra na origem do trauma, com o intuito de aprender a dominar o medo, mesmo sem ter noção consciente de que o fazem.
Influência do ambiente familiar
É imprescindível, nestes casos, que o adolescente tenha os necessários cuidados parentais, para que a traumatofilia sofrida, não traga prejuízos severos para a sua saúde (Drieu, Proia-Lelouey, & Zanello, 2011).
Tendo em conta a importância das primeiras experiências que são vividas no início de vida, é necessário compreender se o vínculo com os pais aconteceu de forma saudável ou se, ao contrário, originou algum tipo de trauma que venha acompanhando o indivíduo desde então até ao momento em que se percebe a presença da traumatofilia associada à necessidade de controlo e domínio próprio (Perón, 20007).
De referir ainda que, uma vez tratando-se de automutilação, a mesma é definida não só quando se tortura o corpo com objetos, mas também quando o adolescente adquire comportamentos de distúrbio alimentar, ou seja, deixa de se alimentar para impedir o corpo de se transformar, entrando em quadros, não só de traumatofilia mas também de anorexia (Drieu, Proia-Lelouey, & Zanello, 2011).
Conclusão
Tendo em conta a revisão da literatura, conclui-se que a traumatofilia tem origem na incapacidade de controlo do indivíduo sobre o seu próprio corpo, tendo como única possibilidade de domínio, a exposição repetitiva ao trauma vivido e à dor que este provoca. Frequentemente se verificam outras perturbações associadas como é o caso da alexitimia ou das perturbações alimentares.
Uma vez que se trata de uma doença bastante mais comum na adolescência, é importante avaliar as práticas parentais no sentido de compreender em que medida as mesmas influenciaram a evolução da doença.
References:
- Drieu, Didier, proia-Lelouey, Nadine, & Zanello, Fabrice. (2011). Ataques ao corpo e traumatofilia na adolescência. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, 14(1), 0-20. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982011000100001;
- Perón, Paula Regina. (20007). Considerações teóricas ferenczianas sobre o trauma. Rev. São Paulo, volume 16, n.1 e n.2, 13-27, 2007.