O conceito de diferença visa reconhecer a diversidade social, pelo que corresponde a um discurso reconfigurado sobre o “multicultural”, o “comunal”, e o “universal”, numa variedade de arenas e formas. Incitado pela viragem pós-moderna, a diferença tem servido como chave para problematizar categorias universais como “homem” ou “mulher”. Uma análise centrada no género, raça, entre outras categorias de diferença indicará as múltiplas camadas e construções fragmentadas das identidades individuais e coletivas. O corrente interesse na diferença deve-se em parte, à crença de que enquanto conceito, ilumina a diversidade social, mas também pela sua importância nas reivindicações ao reconhecimento por parte de movimentos sociais.
As interrogações sobre quais os marcadores significantes da diversidade na sociedade, e como são esses marcadores constituídos, são fundamentais para a compreensão da criação da diferença baseada em indicadores como a raça, o género, a classe social, política ou económica; uma vez que estas características, reunidas num conjunto, localizam e posicionam os grupos no contexto das oportunidades estruturais, o que não é despiciendo no processo de desmascarar as desigualdades sociais.
Talvez o pensador-chave sobre a diferença tenha sido Derrida, que evidenciou todo o potencial do termo por intermédio do seu desconstrucionismo. A premissa inicial que serviu de orientação para Derrida, foi a rejeição de um modelo epistemológico e linguístico comum, de acordo com o qual a compreensão requer a familiarização com o seu significado – idealmente, uma espécie de intimidade através da qual o significado é dado diretamente à consciência. Sem dúvida nenhuma, para Derrida este modelo envolvia o “mito do dado”, quer dizer, a suposição de que o ser humano adquire uma melhor compreensão de algo, quando esse mesmíssimo objeto, em si, é dado na consciência. No entender de Derrida, a compreensão de uma coisa obriga a penetrar no modo como essa coisa se relaciona com outros objetos, e requer também a capacidade de a reconhecer noutras ocasiões contextualmente diferentes – que nunca podem ser totalmente previstas. Prolongando esta reflexão, Derrida cunhou o termo “diferença” (em francês différance, combinação do significado de diferença e deferência) em 1968, como resposta às teorias estruturalistas da linguagem, e para propor a diferença como o fenómeno inerente ao coração da linguagem e pensamento.
O relato desconstrucionista da diferença argumenta que os opostos se encontram já unidos; cada um depende integralmente do outro; assim, não há branco sem preto e o inverso é igualmente verdadeiro. A realidade é fragmentada e saturada pela diferença, e a linguagem é a chave para a compreensão desta fragmentação. Por conseguinte, a diferença (différance) surge antes do ser. Esta ideia representa um questionamento radical quanto a um significado original verdadeiro, e encaixa perfeitamente nas pretensões de Derrida em abalar e destruir a noção de uma identidade absoluta, isto é, algo que é em si em virtude do seu ser.
Isto pode relacionar-se com os debates atuais em torno da diferença manifestada nas sociedades modernas. Mas a questão já não passa pelo crivo da diferença em si, mas insere-se antes na interpelação das narrativas produzidas sobre o que é diferente, e se essa diferença é lateral ou hierárquica. Como é que a diferença designa o outro? Quem define a diferença? Quais as normas presumidas que condicionam a diferença atribuída a um grupo? Qual a natureza destas precisas atribuições? Como é a diferença interiorizada nos confins da “psique”? Todas estas questões revelam a complexidade em torno da diferença enquanto categoria analítica. Brah (1996) sugeriu quatro modos através dos quais a diferença pode ser concetualizada: diferença como experiência; diferença como relação social; diferença como subjetividade; diferença como identidade. Assim, o conceito de diferença refere-se à variedade de formas através das quais os discursos específicos sobre a diferença são constituídos, contestados, reproduzidos e redesenhados.
References:
Taylor, C. (1994) The Politics of Recognition. In: Gutmann, A. (Ed.), Multiculturalism: Examining the Politics of Recognition. Princeton University Press, Princeton, pp. 25 74.