Conceito de Cancro
O cancro é uma das principais causas de morte. De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde em 2012, cerca de 8.2 milhões de pessoas morreram de cancro em todo o mundo.
Existem diversos tipos de cancro, nomeadamente, carcinoma, sarcoma, linfoma/ leucemia e cancros derivados de células do sistema nervoso. Os carcinomas são tumores sólidos originados no tecido epitelial. Os sarcomas são também tumores sólidos, mas originam-se no tecido conectivo, osso e músculo. Por sua vez, a leucemia e o linfoma originam-se nas células hematopoiéticas ou células imunitárias. Os diversos tipos de cancro têm em comum uma proliferação anormal que dá origem a um neoplasma. Porém, nem todos os cancros, como por exemplo, no caso da leucemia, originam uma massa de células.
A tumorigénese humana é um processo com várias etapas. As principais etapas incluem a sustentação da sinalização proliferativa, a evasão dos supressores de crescimento, a resistência à morte celular, o potencial replicativo ilimitado, a indução de angiogénese, a invasão celular e a formação de metástases. Os neoplasmas malignos apresentam um elevado nível de anaplasia, habilidade de invadir estruturas vizinhas, e propagarem-se através do sistema linfático e corrente sanguínea para outros órgãos originando tumores secundários através de um processo denominado metastização.
O desenvolvimento de tumores a partir de células únicas que proliferam de forma anormal é uma característica do cancro, como mencionado anteriormente. Durante este processo, as células vão adquirindo mutações e vão sendo selecionadas através da sua crescente capacidade de proliferação e sobrevivência. Através do modelo tumoral do cancro do cólon, é exemplificado este processo. Em primeiro lugar, desenvolve-se um neoplasma benigno (um adenoma ou pólipo) devido à proliferação celular anormal. A progressão tumoral continua por mutações adicionais que ocorrem nas células da população de células tumorais. Isto leva ao crescimento de adenomas de tamanho e potencial proliferativo progressivo. Algumas das vias de instabilidade genómica que acompanham este processo são as mutações nos genes de reparo de DNA mismatch (que causam o fenótipo de instabilidade de microssatélite de DNA), mutações no gene APC e outros genes que ativam a via Wnt (que causam o fenótipo de instabilidade cromossomal) e hipermetilação do genoma que pode resultar na inativação de genes supressores de tumor. A desregulação da sinalização de oncogenes também contribui para o desenvolvimento tumoral. Os carcinomas surgem a partir dos adenomas benignos, sendo caracterizados pela invasão de células tumorais através da lâmina basal para o tecido conectivo subjacente. No tecido conectivo da parede do cólon, as células tumorais continuam a proliferar e propagar. Numa fase mais avançada, as células conseguem penetrar a parede do cólon e invadir outros órgãos abdominais. Posteriormente, as células cancerígenas invadem o sangue e vasos linfáticos, permitindo a sua metastização pelo corpo. A nível molecular, dá-se a transição epitélio-mesenquimal que está envolvida no processo de invasão e metastização.
A nível terapêutico, o cancro pode ser tratado por cirurgia, radiação, quimioterapia ou terapia hormonal. Uma deteção precoce do cancro resulta num tratamento menos dispendioso e em melhores resultados. A ressecção cirúrgica e a terapia adjuvante podem tratar tumores primários confinados em determinado órgão. No entanto, depois do processo de metastização, o tratamento torna-se mais difícil devido à sua natureza sistémica e à resistência das células tumorais aos agentes terapêuticos. A cirurgia e a radioterapia eram os principais tratamentos aplicados até à década de 60, e posteriormente a combinação com a quimioterapia.
A diferença entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento é refletida na incidência de cancro. Os países ricos têm uma incidência de cancro superior relativamente a países em desenvolvimento. Os cancros de maior incidência são o cancro do pulmão, o cancro do fígado, o cancro do estômago, o cancro colo-rectal, o cancro da mama e o cancro da próstata. O cancro do pulmão é o mais comum e o mais mortal, principalmente devido ao tabaco.
Apesar do aumento da incidência de cancro, esta doença não é uma doença moderna. O aumento da esperança média de vida é uma das causas para que as doenças crónicas como o cancro serem mais comuns nos dias de hoje. Algumas razões para a associação entre o envelhecimento e o aumento da incidência de cancro são nomeadas: o envelhecimento está associado ao aumento e acumulação de mutações no genoma nuclear; por outro lado, a instabilidade genómica gera mutações aleatórias, rearranjos dos cromossomas e desregulação de mecanismos epigenéticos que promovem a progressão tumoral. A disrupção do funcionamento da telomerase e o comprimento dos telómeros são também descritos como outras causas. Em adição, existe um aumento da exposição a agentes etiológicos. A título de exemplo, como exposto no parágrafo anterior, o fumo do tabaco é associado ao aumento da incidência de cancro do pulmão, a bactéria Helicobacter pylori predispõe a cancro do estômago e o vírus do papiloma humano é responsável por infeções que podem dar origem a cancro cervical. Outras causas apontadas são os hábitos alimentares, a atividade física, a poluição e a radiação ionizante. Deste modo, fatores externos e internos, tais como mutações hereditárias, condições imunitárias, entre outros, podem atuar em conjunto ou em sequência para iniciar o desenvolvimento de cancro.
As doenças oncológicas representam um dos principais desafios da sociedade contemporânea. Apesar dos esforços dispendidos na prevenção, na deteção precoce e no tratamento, morrem cerca de 70 pessoas por dia de cancro em Portugal.
Em 1912, Francisco Gentil (1878 – 1964) criou a primeira consulta para doentes cancerosos no Hospital de Santa Marta. Em 1923, fundou-se o Instituto Português para o Estudo do Cancro (Instituto Português de Oncologia, a partir de 1930), com o objetivo de promover a investigação, o ensino médico e a assistência direta aos doentes oncológicos.
References:
Mara Marques, (2014) Dissertação de Mestrado em Genética Molecular e Biomedicina: Monotherapy and combined therapy of new potential antitumor compounds: antiproliferative activities and biological targets, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, Monte de Caparica, Portugal
800 anos da Saúde em Portugal: exposição realizada no Museu da Saúde (antigo serviço de Neurocirurgia do Hospital Santo António dos Capuchos), 19 de Outubro, 2019, Lisboa, Portugal