Etnomusicologia

Etnomusicologia: ciência que estuda a música em múltiplas dimensões; origem e desenvolvimento.

Conceito

De acordo com a «Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX», a etnomusicologia é uma disciplina científica que estuda a música nas suas múltiplas dimensões, nomeadamente a social, a cultural, a política, a cognitiva e a estética. Surgiu no final do século XIX, com a designação de musicologia comparada, tendo-se estabelecido enquanto ciência ‘de nome próprio’ a partir de 1950.

Origem: musicologia comparada

A etnomusicologia surgiu no final do século XIX como um sub-ramo da musicologia sistemática, definida por Guido Adler (“o fundador da musicologia”), em 1885. Este dividiu a ciência da música em dois ramos: o histórico e o sistemático. O primeiro tinha como objectivo o estudo das notações, das formais musicais, das “leis da arte” dos diversos períodos, enquanto o segundo se dedicava à teoria, à estética e a pedagogia musical.  Adler chamou a atenção para um novo campo de estudos, inserido neste último ramo, que compararia o viés etnográfico da música de diferentes povos, e atribuiu-lhe a designação de “ciência comparada da música” ou “musicologia comparada”.

Este novo campo de estudos foi fortalecido na viragem do século com a formação da Escola de Berlim de Musicologia Comparada e do Arquivo de Fonogramas do Instituto de Psicologia da Universidade de Berlim, dirigidos por figuras como Erich M. Von Hornbostel e Carl Stumpf. A então convencionada Escola de Berlim dedicou-se a investigar as sensações em relação aos sons, as suas propriedades, a natureza dos intervalos e escalas e a noção de consonância, tendo produzido obras pioneiras sobre a música das sociedades primitivas. Alguns dos seus resultados são ainda visíveis, por exemplo, na classificação de instrumentos Hornbostel-Sachs.

No entanto, a ascensão do nazismo nos anos 30 travou o desenvolvimento desta área, com a dissolução dos quadros destes institutos. O foco da musicologia comparada transferiu-se, assim, de Berlim para os Estados Unidos, onde, nos anos 50, se estabeleceu firmemente como a disciplina académica que hoje conhecemos como etnomusicologia.

Desenvolvimento da ciência “etnomusicologia”

A etnomusicologia desenvolveu-se largamente na segunda metade do século XX com o contributo de diferentes autores e diferentes visões.

No início dos anos 60, Alan Merriam, antropologista cultural (ver antropologia cultural) e etnomusicólogo, considerava que a etnomusicologia se situava entre dois planos distintos, o dos sons e o dos comportamentos, sendo o primeiro próprio da musicologia e o segundo da antropologia. Ao defender o estudo dos fenómenos musicais através de métodos antropológicos, estabeleceu uma ponte entre as ciências humanas e as humanidades, criando a célebre definição: etnomusicologia é o “estudo da música na cultura”.

Pela mesma altura, Bruno Nettl, conhecido etnomusicólogo, começou a marcar terreno no campo ao defender que os investigadores deviam procurar o conhecimento das músicas do mundo, especialmente entre as culturas com as quais não têm relação. O investigador focou a sua investigação de campo nas culturas dos americanos nativos, iraniana e do sul da Índia. Além disso, destacou-se pelas suas observações teóricas e metodológicas sobre o trabalho do etnomusicólogo.

O antropologista britânico John Blacking estudou a música de culturas africanas, especialmente a sul-africana Venda, entre os anos 50 e 60. Blacking defendia que a música como parte de um sistema holístico no qual todos os fenómenos perceptíveis estão interligados e investigou “as mudanças no mundo da música como indicadores de possíveis mudanças no cerne da sociedade, expressando estágios de sentimentos de uma nova ordem das coisas” (Piedade, nd, p.69). Esta visão holística e sócio-cultural da música foi corroborada em 1982, por Steven Feld, com a publicação de um dos clássicos da etnomusicologia, obra em que descreveu o seu estudo da música da sociedade Kaluli da Papua Nova Guiné.

As investigações de Blacking e Feld, entre outros, confirmaram um novo paradigma: “A etnomusicologia que se desenha a partir de Blacking mostra que a música é portadora de facetas da fundação da cultura e que se encontram codificadas em sua dimensão sonora. Isto contraria a visão de Merriam, que promove uma cisão entre música e cultura: há naquela sua primeira definição (o estudo da música na cultura) um absurdo epistemológico, a música aparecendo como um subconjunto limitado que se encontra dentro do conjunto total da cultura, desvinculando-se assim de outros possíveis subconjuntos, entre os quais podem estar a dança ou as narrativas míticas” (Piedade, nd, p.70).

Esta ideia de que a música é a própria cultura é, no fundo, confirmada pelo desenvolvimento da etnomusicologia nos anos 90, que se voltou para os efeitos dos media na música do mundo, focando-se particularmente na música popular. No início do novo milénio, a crescente globalização influenciou profundamente as investigações na área.

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References:

Lopes, M. (2013). Salwa Castelo-Branco, mulher de música, senhora etnomusicologia. Ípilson. Em https://www.publico.pt/2013/12/30/culturaipsilon/entrevista/salwa-castelobranco-mulher-de-musica-senhora-etnomusicologia-1617872

Piedade, A.T.C. (nd). Algumas questões de pesquisa em etnomusicologia. Em https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1510057/mod_resource/content/0/Piedade%20in%20Bellard-scan.pdf

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