A intoxicação por plantas é um problema muitas vezes subvalorizado na medicina veterinária. As toxinas produzidas pelas plantas são mecanismos que conferem proteção contra predadores, auxiliando a sobrevivência das plantas.
Segundo a ASPCA (American Society for the Prevention of Cruelty to Animals) as plantas encontram-se entre as dez causas mais comuns de envenenamento de animais de companhia em 2014, totalizando cerca de 5% das chamadas efetuadas para o centro de controlo de venenos da ASPCA (ASPCA, 2014). De 2009 a 2012 o laboratório de diagnóstico veterinário do estado do Kansas detetou 1616 possíveis casos de envenenamento em cães e gatos, sendo a percentagem de intoxicações devidas a plantas de 12%; 74,9% destes casos envolviam cães e 25,1% gatos (Mahdi & Van der Merwe, 2013) . Entre 1996 e 2003, o SATV (Servizio di Assistenza Tossicologica Veterinaria) de Turim, Itália, verificou uma incidência de 5% de intoxicações devidas a plantas em cães e 11% em gatos (Albo & Nebbia, 2004). É, por isso, necessário ter em atenção as espécies de plantas tóxicas que podem estar presentes em casa e no jardim. Existe pouca pesquisa sobre a toxicidade das plantas ornamentais e a maioria são híbridos selecionados para crescer fora do seu ambiente natural, o que podem levar ao aumento da sua toxicidade (Tiwari & Sinha 2010). No entanto, são raros os caso nos quais a ingestão de baixas quantidades é letal. São exceções plantas com elevada toxicidade, como o Nerium oleander (oleandro), o Ricinus communis (rícino) e a Convallaria majalis (lírio-do-vale) (Anadón et al., 2012).
Animais de companhia
Animais confinados durante longos períodos de tempo e sem o enriquecimento ambiental correto aborrecem-se com facilidade, o que pode levar à ingestão de plantas tóxicas. A idade do animal em questão é importante, uma vez que gatinhos e cachorros são muito curiosos, roendo diversos objetos com frequência. Alterações no ambiente, como, por exemplo, bagas de novas plantas introduzidas em épocas festivas, também são relevantes, pois os animais tendem a explorá-las (Osweiler, 1996; Tiwari & Sinha 2010). Os felinos parecem ser mais sensíveis e estar mais em risco do que os cães, provavelmente porque têm tendência a mastigar folhas (Berny et al., 2010). Nos gatos é geralmente maior o risco de ingestão de plantas de interior, enquanto que nos cães são as plantas silvestres (Berny et al., 2010; Albo & Nebbia, 2004). Quanto a espécies de plantas, em França, as mais envolvidas na intoxicação de pequenos animais são as dos géneros Liliaceae e Araceae, assim como o Nerium oleander, o Ricinus comunis e a Datura straminium (estramónio/figueira-do-diabo); em Itália, as espécies mais comuns são: Dieffenbachia spp, Ficus benjamina (fícus), Pittosporum tobira (faia-da-holanda, faia-do-norte), Euphorbia pulcherrima (flor-do-natal), Rhododendron hirsutum, Lilium tigrinum e Jasminum officinalis (Berny et al., 2010; Albo & Nebbia, 2004; Amorena, Caloni & Mengozzi, 2004) .
Espécies pecuárias
Estes animais possuem uma maior resistência, pois desenvolveram mecanismos de destoxificação para diversas substâncias presentes nas plantas que fazem parte da sua dieta. A maioria dos pastos contêm plantas tóxicas, contudo a intoxicação dos animais de produção deve-se a alterações no maneio e nas condições das pastagens e não apenas à presença das plantas tóxicas. São a escassez de alimento e/ou um maneio deficiente os principais fatores que conduzem à intoxicação, pois algumas plantas tóxicas têm má palatabilidade. Deficiências nutricionais, sobrepastoreio e colocar animais com fome e sede em locais aos quais não estão habituados pode levar ao consumo de plantas tóxicas. Por outro lado, a utilização de fertilizantes e herbicidas pode aumentar a toxicidade de algumas plantas ou até torná-las mais palatáveis (Osweiler, 1996; Anadón et al., 2012; Tiwari & Sinha 2010). As toxinas produzidas pelas plantas podem afetar os animais de produção de diferentes formas, levando a uma diminuição de ganho de peso, ao aborto e deficiências congénitas, a um maior intervalo entre partos, à ocorrência de fotossensibilidade, a doença crónica e debilidade e até à morte (Anadón et al., 2012).
No caso do equinos, na Bélgica e República Checa é comum a intoxicação por Robinia pseudoacacia (acácia-bastarda), Senecio jacobaea (Tasneira) e Nerium oleander (oleandro), sendo a intoxicação por Taxus baccata (teixo) também reportada na Bélgica e França (Berny et al., 2010; Modrá & Svobodová, 2009; Vandenbroucke, Van Pelt, Backer & Croubels, 2010). Nas restantes espécies pecuárias, muitas vezes os diagnósticos não são confirmados, ainda que sejam comuns os casos de intoxicação por Pteridium aquilinum (feto-comum), Taxus baccata, Quercus spp. (carvalhos) e Senecio spp. em muitos países da Europa (Vandenbroucke et al., 2010; Guitart et al., 2010). Em Portugal, foram registados casos de intoxicação em ruminantes por Ferula communis (canafrecha), Quercus spp. e possivelmente por Cistus salvifolius (saganho-mouro) (Saraiva Lima, 2012). Em equinos e asininos há casos de intoxicação por Heliotropium europaeum (tornassol) e possivelmente por Senecio spp. (Varela Bettencourt, 2012).
Diagnóstico
Não é fácil identificar a planta tóxica e fazer um diagnóstico definitivo. Para tal é importante conhecer as mais comuns em determinada área e saber em que condições os animais poderão ser intoxicados. Devem-se também ter conhecimento das síndromes associadas às plantas da área, das alturas do ano nas quais a intoxicação é mais provável, do historial clínico do animal e de possíveis alterações de maneio/ambientais. É ainda essencial saber a duração e quantidade da exposição, assim como a porção da planta que terá sido ingerida. O ambiente, a ingesta, as fezes/vómito devem ser examinados, de modo a confirmar a ingestão, e a sintomatologia comparada com casos anteriores. Deve ainda ter-se em atenção que os princípios tóxicos não são detetados por testes laboratoriais de rotina (Osweiler, 1996; Anadón, Martínez-Larrañaga & Castellano, 2012; Tiwari & Sinha 2010).
Tratamento
O tratamento é complicado pelo facto de não existirem antídotos para a maioria das plantas tóxicas e, na maioria dos casos, consiste em tratamento de suporte não específico. É muito importante remover quaisquer resíduos da planta do trato digestivo o mais depressa possível, diminuindo assim a exposição. A desintoxicação oral é feita provocando o vómito ou através da lavagem gástrica, seguida de carvão ativado e também através de laxantes osmóticos, a não ser que seja contraindicado em algum caso específico (Osweiler, 1996). O tratamento específico só é possível em casos raros. Por exemplo, na intoxicação com Pteridium aquilinum em cavalos (Osweiler, 1996; Anadón, Martínez-Larrañaga & Castellano, 2012).
Palavras chave
Toxina – Enriquecimento Ambiental
Referências bibliográficas
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