A crítica cultural é um amplo campo de estudos que usa diferentes tradições teóricas na análise e crítica das formações culturais. Dado que a cultura é sempre histórica e contextualmente determinada, cada era tem que desenvolver o seu próprio método de análise cultural de modo a ser possível responder à inovação tecnológica, às novas formações económicas, aos novos modos de organização social, e às novas formas de opressão, exploração e subjugação.
Normalmente traça-se a tradição da crítica cultural no contexto da Europa moderna, aos escritos de Immanuel Kant. No ensaio seminal intitulado “O que é o Iluminismo”, Kant opôs formas culturais autoritárias como a teocracia e autoritarismo à cultura humanista, liberal e progressiva, consubstanciada pela ciência, razão e crítica. Ao organizar a sociedade à luz do princípio da razão crítica, Kant acreditava que tal seria fundamental para a superstição e ignorância serem substituídas pela liberdade individual e paz universal.
Com Friedrich Nietzsche, a crítica cultural é exercida por recurso ao método genealógico. Nietzsche argumentou que os universais necessários postulados por Kant nascem de lutas históricas entre interesses diversos. Quando comparada a Alemanha com a antiga cultura Grega, Nietzsche vê a primeira como degenerada, e por conseguinte, figuras coevas de Nietzsche como David Strauss e Friedrich Schiller, são representadas pelo filólogo filósofo como filisteus culturais que promoviam a conformidade cultural orientada pela artificialidade e massificação da cultura. Assim, Nietzsche vê o seu redor cultural como um impedimento à revitalização de uma sociedade de grandes génios, o que evidencia a sua fé não em categorias universais da razão, mas sim numa vontade de poder aristocrática que combateria a mentalidade de rebanho da cultura de massa alemã.
Tal como Nietzsche, Karl Marx rejeitou os universais kantianos e as verdades necessárias exteriores à história. Utilizando o método denominado por materialismo histórico, Marx argumentou que a cultura dominante da sua época legitimou as relações económicas de exploração: resumindo, a classe que controlava a base económica controlava igualmente a produção das ideias culturais e políticas. Enquanto Nietzsche extrapolava as formas centrais da cultura de massa de uma fonte de poder oculta que as incitava, Marx apontava o peso das determinações económicas nas manifestações culturais: a cultura é entendida a partir das relações sociais antagónicas condicionadas pelo capitalismo, que distorce tanto o conteúdo como a forma das ideias. Para Marx, a crítica cultural é essencialmente uma crítica ideológica que expõe os interesses de uma classe dominante que aparenta ser dona das normas naturais e universais.
Se Kant definiu qual o uso próprio da razão na criação de uma ordem social racional, Sigmund Freud defendeu que a tradição liberal humanista falhou em atualizar os seus ideais porque não teve em conta o eterno e inevitável confronto entre as determinantes culturais e o inconsciente individual. Freud entendeu a complexidade da sua sociedade como tendo impactos positivos e negativos, sendo que por um lado os indivíduos têm um certo grau de segurança e estabilidade que é providenciado pela Sociedade, mas por outro lado esta mesma Sociedade reprime os instintos agressivos, que o indivíduo dirige para o seu ego: como resultado, esta internalização da agressão resulta na dominação do superego e no aparecimento de sintomas neuróticos entre outras patologias. Em Freud, este conflito não é um resultado de determinações económicas (como em Marx), mas antes um produto do contrato social, crescentemente exacerbado pelas exigências sociais pela conformidade, utilidade e produtividade.
O zénite da crítica cultural consolida-se com a Escola de Frankfurt, que na teoria social tentou sintetizar o melhor que de político e teórico foi escrito na crítica cultural prévia. Max Horkheimer, Theodor Adorno e Herbert Marcuse foram os três elementos principais deste movimento, e utilizaram um método transdisciplinar que incorporava elementos da razão crítica, da genealogia, do materialismo histórico, da sociologia e da psicologia, de modo a enriquecerem as perspetivas críticas. Apesar da índole fortemente marxista que originou este grupo, os seus praticantes acabaram por se distanciarem cada vez mais da concepção marxiana que tinha como centro, sobretudo as relações económicas, e desviaram a sua atenção para os métodos políticos e culturais de controlo social produzidos através dos media e da indústria cultural. No texto clássico Dialética do Iluminismo (1948), Horkheimer e Adorno demonstraram que a confiança de Kant na razão não resultou na paz universal mas antes na opressão, que culminou com o fascismo. Deste modo, a razão tornou-se num novo dogmatismo, com a sua própria mitologia a predicar formas de dominação da natureza e das propulsões psicológicas. Esta dialética do Iluminismo revelou-se a si própria com o crescimento da indústria cultural americana, cujo propósito fundamental foi a produção do operário dócil, passivo e submissivo. Em suma, muitos dos membros da Escola de Frankfurt revelaram, na expressão de Weber, um desencantamento para com a emergente cultura de massa, e com Nietzsche, procuraram um refúgio na “alta” cultura.
Atualmente, a crítica cultural tenta responder aos desafios impostos pela mundialização do capitalismo, pelas formas culturais híbridas, e pelo crescente controlo da informação pelos conglomerados mediáticos.
References:
Freud, S. (1930) Civilization and its Discontents. J. Cape & H. Smith, New York.
Kant, I. (1992) Cambridge Edition of the Works of Immanuel Kant. Ed. P. Guyer & A. Wood. Cambridge University Press, Cambridge.
Kellner, D. (1989) Critical Theory, Marxism, and Modernity. Johns Hopkins University Press, Baltimore.
Nietzsche, F. (1989) On the Genealogy of Morals and Ecce Homo. Vintage, New York.
Tucker, R. (Ed.) (1978) The Marx Engels Reader. Norton, New York.