Tréguas de Deus:
A queda do Império Romano do Ocidente em 476 provocou um vácuo de poder na Europa ocidental, aliado com as constantes migrações de tribos germânicas, nórdicas e orientais para este espaço o caos instalou-se. À medida que estas tribos iam ocupando espaços territoriais, as que ainda não o tinham feito na época do Império Romano Ocidental, foram gradualmente convertendo-se ao cristianismo.
Com a conversão ao cristianismo foi possível criar períodos de paz em que os diversos governantes não praticassem actos violentes, que poderiam durar meses, épocas festivas cristãs como a Páscoa ou o Natal, ou dias especificados da semana reservados para a prática cristã.
No século VIII e inícios IX imergir na França um novo poder, os Carolíngios, que conseguiu a partir de uma centralização política, administrativa, económica, militar e cultural controlar as hostilidades entre os diferentes nobres e populações incrementando um período de paz, prosperidade e segurança.
Mas este poder começou a dissipar-se após a morte de Carlos Magno em 814 e gradualmente ao longe do século IX o caos, com pilhagens, roubos, motins, violações, assassinatos, destruição de igrejas e propriedade cristã, voltou a instalar-se,
Paz de Deus:
Contrariamente à violência instalada após a queda do Império Romano provocada pelas migrações e conflitos constantes entre as diferentes facções, muitas vezes associadas à ocupação de determinado espaço, a violência que eclodiu com a desfragmentação do poder carolíngio era provocada geralmente por nobres contra as populações de outros nobres ou sobre a supervisão do clero. Eram pilhadas igrejas, mosteiros, conventos, cidades, aldeias. A violência era recorrente e muitas vezes utilizada pelos nobres como ferramenta para as próprias ambições. O poder régio deixou de conseguir controlar os espaços territoriais que pertenciam-lhe. Esta crise era especialmente visível na França. As populações viviam em constante sobressalto, sem saber que dia poderia ser o último.
A ganância por novas terras, por novas riquezas, por vinganças que muitas vezes não passavam de meras justificações para os actos praticados, era uma verdadeira lei da sobrevivência em que apenas o mais forte conseguia sobreviver.
O conceito de Paz de Deus começa a ganhar força no decurso dos séculos X e XI, assente essencialmente na premissa que um cristão não podia matar ou fazer mal de qualquer forma a outro cristão. Foram expressamente proibidos pela Igreja as pilhagens, os roubos, os actos de violência contra as populações e propriedade da Igreja, o não cumprimento destas directivas resultava na excomunhão.
O poder da Igreja acentuava-se à medida que a Idade Média tomava o seu curso, a Paz de Deus foi o zénite da fixação do poder clerical. Conseguiu controlar os nobres e populações mediante o medo de excomunhão e condenação eterna ao inferno. Nem os monarcas conseguiam deter este tipo de poder sobre as populações, aliás até os próprios monarcas estavam sujeitos às leis divinas e controlo espiritual por parte do clero.
Com o surgimento das cruzadas no século XI, a Paz de Deus ganhou especial relevo, e a ideia de não fazer mal a outro cristão, de forma a controlar os cruzados que deslocavam-se para a Terra Santa no seu percurso pela Europa, a Paz de Deus foi utilizada como mecanismo de salvaguarda dos territórios cristãos relativamente a outros cristãos. A Paz de Deus esteve na génese do código de cavalaria.
References:
FONSECA, Luís Adão da; La Cristiandad Medieval, EUNSA, 1984.