Os indígenas entre a Antropologia e a História
O Brasil nos tempos de Pindorama, era habitado por cerca de oito milhões de indígenas que estavam divididos em mais de 1.000 tribos. A diversidade de tribos, de tradições, de línguas, de culturas e costumes desafiam os conhecimentos antropológico e histórico que buscam conhecer e aprofundar os estudos indígenas sobre multiculturalidade, identidade e diversidade. Os estudos sobre os primeiros habitantes da América, traçam parte das raízes históricas do Brasil.
Atualmente, estima-se que o número de nativos no Brasil seja de aproximadamente 900.000 espalhados pelo país em diversas regiões, com a exceção do Piauí e do Rio Grande do Norte. Esses números são aproximados, pois há divergências em fontes de órgãos oficiais e pesquisas acadêmicas.
As sociedades indígenas do Brasil se organizavam principalmente em comunidades, chamadas de tribos ou aldeias. Essas comunidades possuíam um caráter patriarcal e as atividades laborais eram divididas pelo sexo e pela idade. Os nativos foram classificados, divididos e identificados pelos antropólogos, paleontólogos e linguísticos, a partir de dois grandes troncos linguísticos: O Tupi e o Jê ou Macro-jê. Existem atualmente mais de 150 línguas e dialetos já identificados entre os povos indígenas no Brasil. Antes do contato com os portugueses, estima-se que eram faladas cerca de mil línguas e/ou dialetos diferentes.
Os portugueses quando chegaram ao Brasil, também dividiram os indígenas em Tupis ou Tapuias. Tupis seriam aqueles mais próximos do litoral e os Tapuias, os nativos que estavam mais afastados do litoral. Coincidentemente, o Tupi Guarani prevalecia como matriz linguística entre os indígenas do litoral. Os portugueses também nomearam os indígenas de ‘negros da terra’, que chegaram a ser usados como mão de obra escrava na agromanufatura açucareira do século XVII. Para os jesuítas, os nativos eram chamados de gentíos (pagãos ou ‘governados pelo demônio). Essa foi a lógica do discurso colonial, a classificação e divisão dos nativos, segundo o interesse dos próprios portugueses.
Os nativos brasileiros viviam antes do contato com o europeu, de atividades econômicas como a caça, a pesca e a colheita. A moradia típica destes nativos era a oca ou maloca, considerada a principal habitação indígena feita com palha e madeira. Os indígenas, antes do contato com os europeus, retiravam da natureza todo o sustento necessário para garantia da sua sobrevivência. Embora com práticas de sobrevivência comuns, o conhecimento enraizado e generalizado nos livros didáticos sobre o indígena e sua organização tribal não ajudam a compreender as diferenças de costumes, línguas, culturas e organização social ainda existentes nas centenas de culturas tribais espalhadas pelo país.
Ainda existem no estudo sobre as sociedades indígenas no Brasil, dois esteriótipos que precisam ser combatidos na mentalidade da sociedade brasileira : O esteriótipo do ‘bom selvagem’ e o esteriótipo do indígena ‘preguiçoso’ e ‘improdutivo.’ No esteriótipo do ‘bom selvagem’ o indígena brasileiro é visto como sendo um ‘ser puro’, ‘igualitário’ ligado à natureza, quase que por encantamento. Nesta visão positiva, o nativo teria perdido sua natureza ‘boa’ ao entrar em contato com o ‘vilão’ europeu.
Para a outra visão construída sobre o nativo como um ser “preguiçoso’ e ‘improdutivo’, existem duas explicações. A primeira reside no passado colonial quando o olhar etnocêntrico dos europeus enxergava o ‘outro’ indígena como um ser inferior, sem fé, sem lei e sem rei- passível de colonização pela cruz (pela imposição da fé cristã) e pela espada (guerra justa).
A segunda explicação ainda persiste nos dias atuais ( mesmo que não majoritariamente), mas representa o pensamento de grupos econômicos poderosos específicos como fazendeiros, garimpeiros, madeireiros e grileiros que ao defenderem uma visão de atraso dos indígenas, vulgarmente chamados de ‘silvícolas‘, acreditam que os mesmos devem ser integrados à cultura nacional, e extintos. Na visão exploratória das terras indígenas, esses grupos tendem a negar aos nativos direitos originários já garantidos sob a força da lei na Constituição brasileira de 1988 e pelo Estatuto do índio.
Ainda existe muita generalização no estudo sobre as sociedades indígenas, sobretudo na reconstrução do passado indígena colonial no Brasil. Atualmente, é possível ver o aumento do respeito conquistado pelas lideranças indígenas e uma retomada do orgulho da identidade indigenista brasileira ( sobretudo com os movimentos de etnogênese). Visões de queda da população indígena brasileira comuns na década de 1960 e 1970 (durante a ditadura militar) estão sendo superadas desde a década de 1990.
O indígena do século XXI quer dividir seus principais anseios e receios com a comunidade nacional e internacional, quer se ver reconhecido, representado e respeitado em seu espaço, com a garantia e ampliação de seus direitos civis, de sua dignidade e cultura, que são um verdadeiro patrimônio da humanidade.
References:
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