Sociedade Primitiva

Reflectindo sobre as condições basilares da existência social, os filósofos do Iluminismo europeu postularam a utilidade do exercício imaginário que partia da hipótese da vida humana ser destituída de governo ou sociedade.

Introdução

Reflectindo sobre as condições basilares da existência social, os filósofos do Iluminismo europeu postularam a utilidade do exercício imaginário que partia da hipótese da vida humana ser destituída de governo ou sociedade. Deste modo, propuseram que antes de um determinado grupo de humanos se unificar para constituírem sociedades civis, viveram num estado natural.

Exposição

No estado natural, os indivíduos eram livres, independentes e iguais, mas eram igualmente inseguros e incultos. Garantida a capacidade para ajuízarem, trocariam essa independência rude pela segurança e civilização. No entanto, tal escolha seria indissociável do risco, pelo que uma vez comprometida, a liberdade nativa seria extinta por um governo poderoso.

A revolução darwiniana classificou estes pressupostos de inaceitáveis: as sociedades humanas precedentes não foram um produto da razão, e sim modificações das formas sociais de outros primatas. Infelizmente, não foram encontrados fósseis que comprovassem a existência de sociedades primitivas, pelo que a arqueologia pouco pode revelar quanto à estrutura de qualquer sociedade humana que tenha existido há mais de 7000 anos atrás.

Não obstante, os antropólogos foram desafiados a reconstruir a(s) forma(s) assumida(s) pelo que denominaram como sociedade primitiva (à base de analogias evolucionistas). Desta forma, um já considerado longo projecto tentou encontrar substitutos contemporâneos das comunidades desaparecidas no passado. Pelo que talvez as sociedades contemporâneas (em termos clássicos, os aborígenes australianos, ou, mais recentemente, os índios Yanomami) possuam elos de ligação com as sociedades pré-históricas desconhecidas. Tais sociedades podem ser categorizadas como “primitivas” se de facto corresponderem à forma primitiva que universalmente produziu as sociedades mais avançadas.

No entanto, há quatro razões empíricas contra o emprego desta abordagem: em primeiro lugar, se não sabemos como eram as sociedades do paleolítico superior, não podemos afirmar que sociedades modernas se assemelham; em segundo lugar, nem a tecnologia nem os modos de subsistência são indicadores fidedignos das instituições económicas, sociais e políticas, pelo que é difícil proceder a generalizações sobre todos os caçadores recolectores, por exemplo; em terceiro lugar, as variações de longo termo das tradições culturais aparentam ser regionais, pelo que se deve prestar maior atenção à história cultural regional do que a tipologias transculturais; em quarto lugar, não existem comunidades modernas isoladas de pastores ou caçadores recolectores, sendo que naturalmente as condições de vida presentes se distanciam das formas de vida assumidas no passado.

Conclusão

A objecção teórica à noção de sociedade primitiva diz respeito à ideia de evolução que pressupõe: esta não é uma evolução darwiniana, uma vez que o postulado de um progresso linear é um pensamento totalmente estranho ao pensamento darwiniano. Regra geral, os defensores de uma “sociedade primitiva” assumem que todas as sociedades humanas passam por múltiplas séries de estágios sociais e culturais: as sociedades primitivas, existentes ou inexistentes, correspondem significativamente às sociedades que existiram nalgum período por descobrir num passado remoto, um período em que todos os seres humanos vivam do mesmo modo, idolatrando os mesmos deuses, casando pelas mesmas regras, votando nos mesmos líderes, e obedecendo às mesmas leis.

Logicamente, não existe nenhum fundamento empírico para tal fantasia. Semelhantes objecções referidas neste texto são sustentadas contra a ideia de uma “mentalidade primitiva”, uma vez que estes rótulos só servem para legitimar políticas imperialistas e raciais.

1954 Visualizações 1 Total

References:

Kuper, A. (1988) The Invention of Primitive Society, London.

Stocking, G. (1987) Victorian Anthropology, New York.

1954 Visualizações

A Knoow é uma enciclopédia colaborativa e em permamente adaptação e melhoria. Se detetou alguma falha em algum dos nossos verbetes, pedimos que nos informe para o mail geral@knoow.net para que possamos verificar. Ajude-nos a melhorar.