Entende-se por relativismo cultural, um complexo corpo doutrinário com implicações éticas, políticas e epistemológicas. Segundo esta visão, a “cultura” é a chave para explicar o mosaico cultural que retrata a diversidade humana nos vários matizes que são o comportamento individual, o pensamento, a emoção, a percepção e a sensação. Os apologistas do movimento, por se reportarem à “cultura” como solução holistica, consideram-na como uma entidade histórica minuciosamente delimitada, como uma entidade em si. Assim, os relativistas argumentam que todas as “culturas” apresentam o mesmo valor, e que os membros pertencentes a essa “cultura”, seja a Grécia Antiga, a Inglaterra de Shakespeare ou Israel contemporâneo, só devem ser julgados de acordo com a moralidade inerente a esse meio. Por conseguinte, maximizam-se as diferenças tanto no tempo como no espaço. Esta armadura do relativismo cultural é como uma fortaleza que se insurge contra os universais como o conceito de verdade, bem, justiça etc.
Se bem que este movimento tenha como coordenadas arcaicas os escritos dos antigos, como os sofistas gregos, Protágoras, Antifonte ou Crítias, os prolegómenos do relativismo cultural – no seu molde mais radical -, assumem-se na crise de consciência que assinalou o Contra Iluminismo tal como protagonizado por Herder e Vico, e que, como tão bem assinalou Isaiah Berlin (1997: 245), consistiu numa invectiva contra a confiança de Voltaire, d’Alembert ou Condorcet, de que a humanidade, independentemente dos critérios singulares das diversas sociedades, tendia para uma finalidade última que seria essencialmente igual para todos. O clima de relativismo seria apanágio do romantismo alemão, graças à destruição da noção de verdade e validade quer no seu aspeto objetivo quer no seu aspeto subjetivo, no campo ético e político. (Berlin, 1996: 170)
As implicações foram tremendas para as posteriores teorizações daquilo em que consiste uma “cultura”, porque foi enquanto particular humano que se difundiu pelos diversos saberes constituintes das humanidades e ciências sociais, aniquilando quase por completo a doutrina progressista que dividia a humanidade em fases culturais, da mais rudimentar à mais evoluída. Com Franz Boas, o conceito de “cultura” adquire precisamente os contornos que permitiriam a disseminação do relativismo cultural, pois para além do reducionismo rácico e progressista, jaz a “cultura” enquanto corpo tradicional de hábitos e padrões passados através de um processo de socialização e racionalização ética. (Stocking, 1996: 1)
Forma-se então o caminho para o pluralismo cultural, sendo criadas as condições para um maior respeito pelas culturas e ao mesmo tempo, para uma atmosfera de incomensurabilidade cultural. Por outras palavras, um relativismo cultural bifurcado ao nível da extensão e da intensidade, isto é, do relativismo cultural como sole explanans e do relativismo cultural como significant explanans: no plano da extensão, aplica-se a toda a musculatura da existência humana; no plano da intensidade, a “cultura” é relevante somente para alguns aspectos da vida humana, como a estética ou a ética, e irrelevante para outros âmbitos.
References:
- Berlin, Isaiah (1997), The Sense of Reality, Pimlico, London.
- Berlin, Isaiah (1997), The Proper History of Mankind: An Anthology of Essays, Chatto & Windus, London.
- Stocking, George, “Franz Boas and the Culture Concept in Historical Perspective”.