Pragmatismo

Síntese do conteúdo essencial da corrente filosófica denominada como pragmatismo.

  • Pragmatismo Clássico

 Charles Sanders Peirce, William James e John Dewey foram os fundadores da tradição filosófica conhecida como pragmatismo. O ponto de partida deste movimento decorre da definição de crença, tal como se encontra expressa em Alexander Bain: a crença consiste em regras ou hábitos que orientam a ação. Para Peirce, a função de uma investigação não é representar a realidade, mas sim permitir que o ser humano aja com maior efetividade. Crítico da noção de um autoconhecimento imediato e intuitivo, profetizou a viragem linguística consolidada no século XX, e foi um dos primeiros filósofos a mencionar que o uso de signos é essencial para o pensamento. William James, no ensaio Pragmatism (1987 [1907]), argumenta que o método pragmático consiste em interpretar disputas metafísicas traçando as respetivas consequências práticas que possam ter, caso contrário a discussão excederá sempre os limites da razão humana, e uma justificação da verdade permanece inconcebível. John Dewey criticou a noção cartesiana do Eu como substância prévia à linguagem e socialização, situando-o no contexto de práticas sociais. Dewey, cujos interesses se centravam na reforma educativa, cultural e política, em detrimento de questões especificamente filosóficas, desenvolveu as implicações que o pragmatismo teria para a ética e a filosofia social, pelo que as suas ideias se repercutiram nas gerações vindouras da vida intelectual americana. Os três fundadores combinaram na sua abordagem pragmática filosófica, uma visão darwiniana do ser humano em conjunto com uma acentuada desconfiança pelos problemas filosóficos herdados de Descartes, Hume e Kant. Tal programa tinha como finalidade salvar a filosofia do idealismo metafísico, e ao mesmo tempo, salvar os ideais morais e religiosos do ceticismo empírico e positivista. Apesar da afinidade que os reúne num mesmo movimento, tinham, no entanto, preocupações filosóficas bem diferentes. Peirce considerava-se um discípulo de Immanuel Kant, e o seu dever era aperfeiçoar a doutrina das categorias e concepção de lógica do seu mestre. William James relegou Kant e Hegel, e interessou-se pelo estudo da religião. John Dewey, um confesso hegeliano e adversário de Kant, concentrou as suas forças no campo da educação e da política.

 

  • Pragmatismo e a Viragem Linguística

Peirce foi um dos primeiros filósofos a enfatizar a importância dos signos, isto é: a palavra ou o signo que o homem utiliza, a linguagem enquanto realização total do homem. Porém, o trabalho produzido por Peirce permaneceu na escuridão durante décadas, e a filosofia no mundo anglófono sofreu a viragem linguística devido aos admiradores de Frege, como Carnap e Bertrand Russel. Para estes, seria frutífero estudar a estrutura da linguagem e não, na senda de Locke ou Kant, a estrutura da mente ou da experiência. Contudo, a tradição precoce da filosofia analítica acompanhou esta viragem com um renascimento do interesse pela ideia de que a percepção constitui um fundamento para o conhecimento empírico, uma ideia que no início do século XX, os idealistas e os pragmatistas clássicos rejeitaram, uma vez que para estes, existia uma barreira entre questões conceptuais ou “transcendentais” (com a viragem linguística reinterpretadas como indagações sobre o significado de expressões linguísticas), e questões empíricas de factos. Será William Orman Quine a desafiar esta presunção: para este filósofo, a observação empírica do comportamento linguístico não permite discernir em esferas independentes, verdades necessárias, analíticas, contingentes e sintéticas. Mais tarde, Hilary Putnam (em diálogo com Jonh Dewey), sublinhará novamente o desespero dos positivistas em separarem “facto” e valor”, consagrando um novo fôlego ao pragmatismo no debate filosófico.

 

  • Pragmatismo como Anti-Representacionismo

 Algumas críticas foram dirigidas à noção de verdade em William James, que se encontra eufemisticamente como justificação instrumental. Bertrand Russel sentiu repulsa por tal construção, dado que vista nestes moldes pragmáticos, a verdade nunca poderá alcançar uma universalidade absoluta, pois a verdade torna-se na verdade de cada um, independentemente das mudanças dos propósitos e necessidades dos humanos, despontando assim o relativismo. Mas o ponto que William James tenta provar é o seguinte: o ser humano é único entre os animais por possuir linguagem, mas a linguagem (recordar a associação entre pragmatismo e darwinismo) é vista no decorrer da evolução humana, antes como uma ferramenta do que um “espelho” do real. Colocada nestes termos a linguagem, torna-se complexo justificar porquê que o ser humano ganhou a habilidade de representar o universo em si, em oposição à representação enquanto uma das necessidades particulares da espécie humana. A ideia de que o conhecimento é uma representação exata e a ideia de que a realidade tem uma natureza intrínseca, são inseparáveis, e os pragmatistas rejeitam ambas. Por conseguinte, rejeitam a problemática do realismo e antirrealismo, e assim, a verdade deixa de ser uma correspondência das coisas em si. Na linha de pensamento do pragmatismo clássico, o filósofo Donald Davidson, apesar de não se denominar de pragmatista, argumenta que as crenças podem ser verdadeiras ou falsas, mas que não representam nada. Assim sendo, as representações e a teoria da correspondência tornam-se desnecessárias, uma vez que é a crença em representações que autoriza a possibilidade de relativismo. Por outro lado, abandonadas as representações, então o manifesto pragmatista torna-se mais promissor, visto que torna-se irrelevante discutir velhas interrogações filosóficas como o primado do materialismo ou do idealismo, a distinção entre sujeito e objeto, positivistas e metafísicos: precisamente o propósito do pragmatismo, tal como propõem os seus fundadores.

 

  • Pragmatismo e Temporalidade Humana

 Deixando de lado o empirismo tradicional e a viragem linguística, o pragmatismo pode ser analisado à luz de um contexto mais amplo, dado que muita da filosofia produzida no século XX foi devotada à velha questão, partilhada por Platão e Aristóteles, de que o ser humano possui a capacidade de conhecer as coisas em si. Principalmente Heidegger, que censurou a ideia de que a cognição é uma capacidade humana distinta, e que defendeu que nunca haverá uma convergência total entre as capacidades cognitivas do humano com a estrutura da realidade. Tanto Heidegger como John Dewey entenderam a velha questão da certeza eterna, herdada da filosofia grega, como debilitante, já que de acordo com a ótica de ambos, não existe nenhuma necessidade especial de se descobrir a verdade, posto que o ser humano é acima de tudo um ser contingente. Se a demanda da certeza eterna é fútil, então a Verdade torna-se num mero conceito acessório que surgiu com o desenvolvimento das faculdades cognitivas do ser humano, por oposição a verdade enquanto contexto de justificação, que não é eterna nem absoluta por ser contextual, por fazer sentido no interior de uma comunidade dialógica. Conforme esta mesma comunidade se torna mais sofisticada e complexa, também se expandem as possibilidades de justificação, apelando estas à capacidade inventiva do ser humano. Portanto, para os pragmatistas, é essa a qualidade no centro da humanidade, tal como a concebem, e não uma teleologia que tornaria insignificante esse mesmo potencial à disposição de cada ser. É em John Dewey que esta visão mais se materializa: para este filósofo social, a glória do ser humano reside na habilidade de se tornar cidadão numa sociedade liberal e democrática, numa comunidade que persiste em extravasar os seus limites – tanto no que respeita à preocupação com os marginalizados, quanto à atenção com a inovação artística e intelectual –. Esta capacidade é a que nos distingue dos outros animais, e que pressupõe, logicamente, o uso de linguagem. Mas o propósito de se possuir uma língua não é perfurar as aparências de modo a se alcançar a natureza da realidade, mas sim a construção de novas realidades.

 

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References:

 

Davidson, Donald (1984), Inquiries into truth and interpretation. Oxford: Oxford University Press.

———. (2001),Subjective, intersubjective, objective. Oxford: Oxford University Press.

———. (2004),Problems of rationality. Oxford: Oxford University Press.

———. (2005),Truth, language and history. Oxford: Oxford University Press.

James, William (1987), Writings 1902 1910, New York, Literary Classics.

Murphy, J.P (1990), Pragmatism: From Peirce to Davidson, Boulder, CO, Westview Press.

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