Antes de falarmos sobre o filosofar espontâneo e sistemático importa realçar que a definição de Filosofia constitui um problema filosófico na medida em que não há uma única definição universalmente aceite, ou seja, a Filosofia não tem um caráter regional e um campo de investigação delimitado, não se reduzindo a esta ou aquela filosofia.
A Filosofia é uma tentativa de responder aos problemas últimos, não descuidada e dogmaticamente, mas de uma crítica. As múltiplas conceções filosóficas surgem do facto de a Filosofia abranger toda a realidade. A Filosofia começa filosofando, isto é, colocando questões que trazem outras. É portanto, uma caminhada sem fim, sempre renovada que nos coloca no mundo e face ao outro mundo: é uma tarefa, uma atitude interrogativa, é querer saber para além do que se vê.
A atitude filosófica é uma atividade interrogativa, é uma atitude reflexiva, exigindo a crítica problemática. Ao alicerçar-se na inquietação ena dúvida, é a procura do saber. O filosofar sistemático implica, portanto, uma permanência crítica na interrogação e abordagem das questões e dos problemas que se levantam; uma reflexão consciente e insatisfeita sobre a totalidade do real, na medida em que não é a posse dogmática do saber.
A atitude filosófica é uma atitude aberta, crítica, à procura de uma verdade, mas nunca na sua posse. Daí a Filosofia se caraterizar pelo desejo de saber, em que as interrogações valem mais que as respostas, transformando-se estas sempre em novas interrogações.
Ao contrário, o filosofar espontâneo ou senso comum apresenta um caráter superficial, imediato, acrítico, na medida em que não problematiza, não reflete sobre a realidade, aceitando que existe tal como existe.
Como consequência o filosofar espontâneo remete para o acordo tático implicado na dimensão coletiva da vida dos seres humanos, ou seja, é o resultado do processo de interiorização de padrões culturais estruturados da sociabilidade dos indivíduos. O filosofar espontâneo tem origem de saber essencialmente ligado a hábitos. Decorre, portanto, da interiorização espontânea, passiva de valores e de convicções.
Cabe ao filosofar sistemático superar o plano do senso comum, na medida em que o filosofar implica um questionar crítico e problemático em relação às coisas, isto é, uma rutura com a atitude natural, passando-se a uma reflexão mais profunda.
Existe uma rutura com o filosofar espontâneo através de várias experiências que conduzem o ser humano a romper com a atitude natural, despertando-lhe a necessidade de refletir; isto é, experiências e/ou acontecimentos que, desestabilizando a nossa relação habitual e espontânea com a realidade envolvente despertam a reflexão filosófica, ou seja, conduzem ao filosofar sistemático.
A atitude filosófica é especificamente humana, por outras palavras, é a atitude que o ser o humano se serve das suas experiências e razão para questionar o mundo e lhe dar um sentido, o filosofar nasce, então, da perplexidade face a tudo o que nos rodeia. O ser humano surpreende-se com a realidade, entrando em contato com o estranho, onde, ao espantar-se e admirar-se com a realidade, o ser humano torna-se consciente da sua ignorância e, por isso, é invadido por um constante desejo de questionar e de procura de sentido.
A Filosofia começa quando algo desperta a nossa admiração, capta a nossa atenção, como efeito, a vivência da estranheza, as situações limite com as quais a nossa existência se vê confrontada, tais como, a finitude, a insatisfação, a angústia, os obstáculos que se apresentam intransponíveis, na medida que esgotam a possibilidade de as transpor; traduzem modos de rutura com o aparentemente estabelecido e levam a necessidade de fundamentar de uma forma racional as nossas ações e decisões.
Por último, todas as situações que conduzem à reflexividade possuem uma intencionalidade filosófica porque partilham do mesmo denominador comum: a tomada de consciências, tornando-se crítica e analítica (filosofar sistemática). O caráter intransmissível da procura de sabedoria corresponde ao facto de cada um de nós ter que procurar compreender por si a sua situação.
References:
- Jaspers, K. (2010). Iniciação Filosófica, Guimarães Editores, pp. 176.
- Savater, F. (2000). As Perguntas da Vida, Dom Quixote, pp. 284.