Conceito de FIV – Vírus da Imunodeficiência Felina
O FIV é um retrovírus (família Retroviridae) do género Lentivirus que provoca um decréscimo gradual da imunidade, culminando numa síndrome de imunodeficiência adquirida, tal como o HIV nos humanos. Este vírus foi isolado pela primeira vez em 1987 na Califórnia, mas estudos retrospetivos demonstram que está presente na população felina desde pelo menos 1968 (Shelton et al., 1990). Este vírus também infeta diversos felinos selvagens, como o leão (Panthera leo), o lince-pardo (Lynx rufus) e o puma (Puma concolor) (Roelke et al., 2009; Lee et al., 2014). Não há provas de que este vírus infete humanos, mas devido à imunossupressão os gatos infetados tornam-se reservatórios de outros agentes infeciosos potencialmente zoonóticos.
No que diz respeito ao gato, existem 5 subtipos do FIV, de A a E, com distribuição geográfica variável e que diferem no que diz respeito ao tropismo celular e à virulência. O tipo B é o mais comum em Portugal (Duarte & Tavares, 2006). Mais recentemente, foram identificadas sequências de novos possíveis subtipos desconhecidos até à data, primeiro nos Estados Unidos (Weaver, Collisson, Slater & Zhu, 2004), depois em Portugal (Duarte & Tavares, 2006) e na Nova Zelândia (Hayward, Taylor & Rodrigo, 2006).
A prevalência desta infeção é variável e depende de diversos fatores, como a idade, sexo, estilo de vida e localização geográfica. Quanto a gatos errantes, em Portugal, na zona metropolitana de Lisboa, a percentagem de infetados é de 10,2% (Duarte et al., 2010). Em alguns países como o Japão esta percentagem é muito maior (23,2%) (Nakamura et al., 2010).
O FIV afeta gatos de todas as idades, ainda que seja mais diagnosticado em gatos adultos. A forma mais comum de transmissão é a inoculação do vírus presente na saliva através de mordeduras resultantes de lutas territoriais, estando os machos adultos sexualmente intactos e com acesso ao exterior em maior risco. A infeção por contacto direto, sem mordedura, é pouco comum. É também possível a transmissão através de transfusões sanguíneas. O vírus não sobrevive durante muito tempo no ambiente, sendo suscetível à maioria dos desinfetantes (como a lixívia) e detergentes.
Os sinais clínicos são variáveis, sendo comum a estomatite, rinite/conjuntivite, perda de peso e febre. Na primeira fase da infeção, que está associada à virémia (vírus em circulação no sangue) e que pode passar despercebida aos donos, há linfadenomegália (aumento dos linfonodos) e, por vezes, febre. Após esta fase inicial, ocorre um período de infeção assintomática latente que pode durar vários anos. Durante a fase assintomática deve continuar-se o plano de desparasitação e vacinação normal, de preferência com vacinas inativadas. Por fim, a infeção avançada provoca uma síndrome de imunodeficiência adquirida, como já foi referido, predispondo o hospedeiro a infeções oportunistas. Os gatos infetados têm também maior probabilidade de contrair diversos tipos de inflamações crónicas, neoplasias e doenças hematológicas. Apesar de haver produção de anticorpos, o vírus possui mecanismos para escapar à resposta imunitária e os gatos com FIV ficam infetados durante toda vida.
Existem testes rápidos baseados na técnica de ELISA (do inglês enzyme linked immunosorbent assay), que detetam os anticorpos anti-FIV. Todos os gatos cuja condição (infetado ou não infetado) se desconhece devem ser testados, e no caso de animais de alto risco o teste deve ser repetido com alguma frequência. Animais que apresentem sinais de envolvimento em lutas devem também ser testados. No inicio da infeção há risco de falsos negativos, quando os anticorpos ainda não são detetados, podendo acontecer o mesmo na fase final de imunossupressão. Resultados positivos no teste de ELISA devem ser confirmados com testes laboratoriais (Western blot). Os falsos positivos são comuns em gatos com menos de 6 meses de idade que receberam anticorpos maternos através do colostro.
Não há terapêutica que elimine a infeção e o tratamento administrado na fase sintomática é de suporte, variando conforme a apresentação clínica. Em certos estudos, o AZT (zidovudina ou azidotimidina), um fármaco antivírico usado em pacientes humanos com HIV, parece apresentar benefícios no tratamento de gatos com FIV (Hartmann et al., 1992; Hart & Nolte, 1995; Gómez et al., 2012), ainda que na presença de efeitos secundários em alguns casos (Hart & Nolte, 1995). Apesar da sua administração em gatos estar descrita, a utilização deste fármaco está autorizada apenas em humanos. Outro fármaco com efeitos imunomodeladores e antivirais é o interferão felino ómega, disponível para uso veterinário na Europa e Japão. Alguns estudos demonstraram melhorias dos sinais clínicos de alguns animais tratados com este fármaco (Mari, Maynard, Sanquer, Lebreux & Eun, 2004; Gil et al., 2014). Infelizmente, o seu elevado custo pode ser proibitivo.
Com os cuidados adequados os animais infetados podem ter até vários anos de boa saúde, visto existir um longo período latente. Após surgirem os primeiros sinais clínicos a sobrevivência diminui. Num estudo com 2079 gatos infetados com FIV, 88% estava livre de sinais clínicos (O’Connor, Tonelli & Scarlett, 1991) e um outro estudo concluiu que não havia diferença em termos de sobrevivência entre um grupo de gatos infetados e um grupo de gatos FIV negativos (Ravi, Wobeser, Taylor & Jackson, 2010).
De modo a evitar a infeção, os gatos negativos devem ser confinados ao interior ou, pelo menos castrados/esterilizados, de modo a diminuir o risco de fuga e lutas territoriais. Idealmente e para prevenir a transmissão, os gatos FIV positivos devem também ser castrados/esterilizados e confinados ao interior. Como a transmissão apenas por contacto direto é possível, aconselha-se a separação dos gatos positivos e negativos na mesma casa. No entanto, casos existam gatos positivos e negativos em casas onde todos os indivíduos esteja castrados/esterilizados e já esteja estabelecido um equilíbrio social com ausência de comportamentos agressivos, o contágio não é provável.
Nos Estados Unidos está disponível uma vacina para os subtipos A e D, no entanto, num estudo de 2004 foi demonstrado que apenas 82% dos gatos vacinados está realmente protegido (Huang et al., 2004). Em estudos subsequentes a proteção conferida foi variável (0-100%) (Kusuhara et al., 2005; Pu et al., 2005; Dunham et al., 2006).
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