Ligação do Oxigénio à Hemoglobina

A cooperatividade positiva da ligação do oxigénio à hemoglobina (Hb) surge no efeito de que um heme ligado tem na…

A cooperatividade positiva da ligação do oxigénio à hemoglobina (Hb) surge no efeito de que um heme ligado tem na afinidade de ligação de outro heme. Sabe-se que, pela distância de 25 a 37 Å, entre os hemes da Hb que a interação entre eles não poderá possuir um caráter eletrónico. Portanto, estas interações são transmitidas mecanicamente pela proteína. Nas últimas três décadas, a elucidação de como o processo de ligação do oxigénio à Hb ocorre motivou uma intensa investigação ao nível da estrutura da Hb. A análise estrutural dos cristais de raios-X forneceu imagens dos estados R e T da Hb em vários estados de ligação, no entanto não mostraram evidências de como a proteína altera de estado. É difícil determinar a sequência de eventos que resulta em tais transformações, porque, para tal, é necessário uma profunda compreensão dos mecanismos intrínsecos da proteína que neste momento ainda não está completamente elucidada. No entanto, tendo em conta as estruturas de raios-X da Hb, Max Perutz (1914 – 2002) formulou um mecanismo de oxigenação da Hb, conhecido como o Mecanismo de Perutz.

Mecanismo de Perutz

No estado T, o Fe (II) está situado a 0.6 Å fora do plano do heme, do lado da histidina proximal, por causa da estrutura piramidal do esqueleto da porfirina e porque as ligações Fe-Nporfirina são demasiado longas para permitir que o Fe esteja no plano da porfirina. A alteração do estado eletrónico do grupo heme na ligação ao O2 faz com que as ligações do Fe-Nporfirina contraiam cerca de 0.1 Å. Consequentemente, movendo-se do estado T para o estado R, o Fe (II) move-se para o centro do plano do heme onde o O2 pode coordenar com ele sem uma interferência estérica da porfirina. A movimentação do Fe arrasta a histidina proximal com ele, o que provoca o dobramento da hélice F e o seu deslocamento em 1 Å ao longo do plano do heme. Esta movimentação lateral ocorre porque, no estado T, o anel imidazole da histidina proximal está orientado de uma forma em que o movimento de 0.6 Å relativamente ao plano do heme provoca a sua colisão com o heme; no entanto, a hélice F reorienta o anel imidazole, permitindo, deste modo, que o Fe (II) se mova no plano do heme. Para além disto, no estado T, na subunidade β, a Valina E11 obstrui parcialmente o sitio de ligação do O2, fazendo com que esta tenha que ser movida antes de ocorrer a ligação ao O2.

As diferenças entre as conformações R e T da Hb ocorrem, principalmente, no interface α12 (e no α21), que é composto por uma hélice C e um segmento FG da subunidade α1, contatando, respetivamente, com o segmento FG e a hélice C da subunidade β2. A alteração da estrutura quaternária resulta numa mudança relativa de 6 Å no interface α1C-β2FG. No estado T, a histidina FG4(97)β está em contato com a treonina C6(41)α, enquanto no estado R contata com a treonina C3(38)α. Em ambas as conformações, as protuberâncias de uma subunidade encaixam com as depressões da outra. Pensa-se que uma posição intermediária entre estes dois estados (T e R) seja extremamente tensa porque levaria a que a histidina FG4(97)β e a treonina C6(41)α estivessem demasiado juntas, fazendo com que estas protuberâncias não se encaixem de uma forma harmoniosa.

O estado R é estabilizado pela ligação do ligando. No entanto, na ausência de ligando o estado T é mais estável do que o estado R. Nos mapas de densidade eletrónica referentes ao estado R da Hb, os resíduos C-terminal de cada subunidade (arginina 141α e histidina 146β) aparecem como uma mancha, sugerindo que estes resíduos estejam livres para se movimentarem na solução. Por outro lado, os mapas da estrutura T mostram que estes resíduos estão firmemente ancorados através de pontes salinas, que, evidentemente, ajudam a estabilizar a estrutura T. As alterações estruturais que acompanham a transição do estado T para o R eliminam estas pontes salinas num processo conduzido pela energia de formação da ligação Fe-O2.

Portanto, a ligação do O2 à Hb requer uma série de movimentos altamente coordenados:

1) O Fe (II) de qualquer subunidade não se pode mover do plano do heme sem a reorientação da sua histidina proximal;

2) A histidina proximal está tão rigidamente empacotada pelo seus grupos vizinhos que não se consegue reorientar, a não ser que este movimento seja acompanhado pela movimentação lateral da hélice F ao longo do plano do heme;

3) A movimentação da hélice F é somente possível com a alteração da estrutura quarternária que faz com que a ligação α1C-β2FG se dobre ao longo da hélice α1C.

4) A inflexibilidade dos interfaces α11 e α22 requer que estas alterações estruturais ocorram simultaneamente nos interfaces α12 e α21.

Deste modo, nenhuma subunidade ou dímero pode alterar a sua conformação independentemente da dos outros. Na verdade, as duas posições estáveis da ligação α1C-β2FG faz com que a Hb esteja limitada a duas estruturas quaternárias, o estado R e o estado T.

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