Etiologia do Alcoolismo
O alcoolismo tem uma etiologia multifactorial e logo no início da intervenção é necessário, quer junto do alcoólico quer junto da família, fazer a análise dos factores da sua manutenção (Rosseaux, 2002).
O desenvolvimento de uma dependência em relação ao álcool deve-se a um conjunto de factores como predisposição genética, características psicológicas e da cultura em que o sujeito está inserido e características familiares. Relativamente a este último factor, de notar que existe uma probabilidade cerca de quatro vezes maior do sujeito ter problemas com o álcool se os seus pais foram dependentes desta substância (Adés & Lejoyeux, 2004).
O álcool surge como um recurso para suportar situações que “tornam a vida invivivel” (Rosseaux, 2002, p.79), ou seja, permite suportar situações que deveriam sofrer algum tipo de mudança. Por consequência, o abandono do recurso ao álcool tornar-se-á possível se se encontrar uma solução efectiva para lidar com a situação que é stressante para o indivíduo (Rosseaux, 2002).
Como se pode perceber, algumas destas áreas problemáticas podem passar pela vida familiar e conjugal.
Devido ao facto do desenvolvimento desta dependência se dar de uma forma contínua, é difícil definir uma fronteira nítida entre o que é uso, abuso e dependência. De uma forma geral, pode dizer-se que um indivíduo abusa de determinada droga quando o uso ultrapassa o padrão social ou médico do uso dessa substância, o que causa danos numa ou várias áreas da sua vida. No caso da dependência existe uma necessidade, quer seja de natureza física ou de natureza psicológica, de consumir essa droga, existindo sintomas de abstinência quando não consome a substância (Adés & Lejoyeux, 2004).
O uso de determinada substância vai ter um papel cada vez mais importante na vida do sujeito, interferindo cada vez mais nas suas actividades e no seu desempenho a nível social, profissional, familiar, etc. (Caldas, 2001).
Os factores etiológicos desta dependência são muitas vezes difíceis de determinar, o que leva a que numa primeira fase da intervenção a prioridade resida nos mecanismos de manutenção do alcoolismo e não na sua origem (Rosseaux, 2002; Adés & Lejoyeux, 2004).
Independentemente dos factores que estiveram na sua origem, o alcoolismo constitui um drama que se desenvolve no meio familiar. Assim, para além do significado que tem o consumo para o individuo que o consome, esse consumo condiciona e/ou determina a vida familiar. É, neste seguimento que Rosseaux, Faoro-Kreit e Hers (2002) defendem que a intervenção junto da família, no processo terapêutico, é uma “operação rentável” para o tratamento desta patologia.
Consequências do alcoolismo na família
Violência
Quando existe um problema de alcoolismo na família é frequente a existência de violência, que passa quer pela negligência quer pelos maus tratos (físicos e psicológicos). Estas consequências negativas para a criança podem começar, desde logo, no período intra-uterino devido a um consumo imoderado de álcool pela mãe. Jones (1973, citado por Faoro-Kreit & Hers, 2002) refere que algumas das características da síndrome alcoólica fetal: dismorfias faciais, atrasos de crescimento, lesões neurológicas e intelectuais e malformações orgânicas.
Apesar de o uso de violência não ser exclusivo dos pais alcoólicos, o facto é que quando um dos pais é alcoólico, muitas vezes não se recorda das agressões que cometeu (Faoro-Kreit & Hers, 2002).
A negligência passa frequentemente pela falta de segurança, de cuidados básicos e do acompanhamento da criança, por exemplo, quando a criança está num carro conduzido por um pai sob o efeito do álcool ou quando está entregue a si própria devido ao estado de embriaguez do pai/mãe. A atitude do pai abstinente é de extrema importância, uma vez que pode proteger a criança ou, pelo contrário, assumir um comportamento semelhante ao do pai alcoólico (Faoro-Kreit & Hers, 2002).
Outro factor relevante no que diz respeito à violência na família tem que ver com o facto de este tipo de violência ser exercido pelas pessoas que deveriam dar segurança, bem-estar e afecto à criança. Este facto aumenta o nível de angústia e medo sentidos pela criança e leva à infelicidade e à insegurança (Faoro-Kreit & Hers, 2002).
O mal-estar das crianças pode ser detectado pelas pessoas que mais estão em contacto com ela, como professores, catequistas, etc. Se estas pessoas estiverem atentas ao seu comportamento, nomeadamente através dos seguintes “sinais de alarme”: ensimesmamento, falta de exteriorização, dificuldades de concentração, queixas somáticas, perturbações da aprendizagem, atraso da fala ou da linguagem, atraso de crescimento, agressividade, absentismo escolar, fugas e perturbações alimentares (Faoro-Kreit & Hers, 2002).
De salientar que, segundo Parker e Auerhahm (1998), o contexto social onde se desenrola a dependência constitui um factor mais determinante para a existência de comportamentos violentos que os factores inerentes exclusivamente ao consumo.
Vergonha
Os filhos de pais alcoólicos têm vergonha da imagem e dos comportamentos dos pais. Têm medo que os outros tenham conhecimento deste problema, de serem rejeitados ou que tenham pena deles. Por isto, tentam esconder o que se passa, muitas vezes isolam-se e podem negar os acontecimentos (Faoro-Kreit & Hers, 2002).
Segredo e isolamento social
Devido ao sentimento de vergonha, anteriormente descrito, o segredo e o isolamento social estão muitas vezes presentes na vida destas crianças, o que implica que não tenham possibilidade de partilhar ou exprimir as suas emoções e sentimentos de medo, vergonha, raiva e de impotência. Existe, assim, um conflito entre as suas necessidades e a necessidade de proteger a imagem da família (Faoro-Kreit & Hers, 2002).
No que diz respeito às repercussões na idade adulta, para além da maior probabilidade de um filho de um alcoólico se tornar alcoólico ou de ter um(a) parceiro(a) alcoólica, existem outras características destes sujeitos que se podem vir a desenvolver até à idade adulta, nomeadamente: fraca auto-estima, dificuldade na expressão de emoções, negação das necessidades pessoais, impulsividade, dificuldade em prosseguir relações afectivas íntimas, desejo de controlar e dominar as situações (Faoro-Kreit & Hers, 2002). De notar que estas características se verificam também quando a criança esteve exposta a outro tipo de desequilíbrio importante na família.
Referências Bibliográficas:
Adés, J., Lejoyeux, M. (2004). Comportamentos alcoólicos e seu tratamento (2.ed.). Lisboa: Climepsi Editores.
Auerhahn, K., Parker, N., R. (1998). Alcohol, drugs and violence. Annual reviws, 24, 291-311
Caldas, M. (2001). O tratamento do alcoolismo no Brasil. Revista de psicologia da Unicap, 1 (I), 28-39.
Faoro-Kreit, B., & Hers, D. (2002). A criança na família alcoólica. Lisboa: Climepsi Editores.
Ferreira-Filha, M. & col. (2012). Alcoolismo no contexto familiar. Revista Rene. 13(I), 26-35.
Filzola, C. & col. (2009). Alcoolismo e família: a vivência de mulheres participantes do grupo de auto-ajuda Al-Anon. Jornal Brasileiro de Psiquiatria. 58 (III), 181-186.
Filzola, C. & col. (2006). Compreendendo o alcoolismo na família. Escola Anna Nery- Revista de Enfermagem, 10 (4), 660 – 670
Roussaux, J. & col. (2002). O alcoólico em família (2.ºed.). Lisboa: Climepsi Editores.