A Fenomenologia do Espirito é com certeza a obra capital onde se expressa o conceito de Espírito em Hegel em sua formulação original. O Espirito se constrói a partir do conceito de Nada. Na obra, Ciência da Lógica, na Doutrina do Ser, primeiro livro: “como o que deve ser feito o início da ciência?” Hegel afirma que o Nada não pode ser concebido como algo sem conteúdo, pelo contrário, o Nada pressupõe tudo, ou melhor, o Nada contém todas as possibilidades de ser, em potência, intelecto ou pensamento, uma tabuleta que precisa de alguém para escrevê-la. Não possui nada escrito, é pura potência de ser ou de não ser, é possibilidade, onde toda potência pode ser impotência e vice-versa. Ou melhor, é a possibilidade de ser puro pensamento ou ausência de pensar. E como o Espirito se manifesta? A metáfora perfeita é o vento. É sua manifestação que desperta as grandes mudanças. Seja o fim de um ciclo e o começo de outro, ele insufla, movimenta, modifica, se desenvolve. Este vento que refresca, esfria, derruba, destrói, mas antes de tudo nos traz novos ares. De certa forma está expresso na personagem de Ana Terra, personagem de Érico Verissimo, na obra: O tempo e o vento: “Sempre que me acontece alguma coisa importante, está ventando”. E diante deste cenário, que se fundamenta ontologicamente um novo Espírito ou Consciência. Sempre é preciso pensar o Espírito como uma criança que brinca, que fora de si insufla, que estando em êxtase, inspira, joga, cria bolhas de sabão, fazendo surgir novas formas de existência no meio do Nada, movimentando, impulsionando tudo para frente com o seu sopro. O Espirito, em potência, pode ser ou não, o insuflador, mas nós seremos os insuflados. Ou melhor, somos esferas, como diria Peter Sloterdijk. É a forma de nossa subjetividade. Uma esfera fechada em si mesma insuflada pelo sopro divino. Logo, é na descrição do primeiro homem, realizada no Gênesis, que a ciência do sopro ganha relevância. Uma vez que o criador, na tradição judaico-cristã, pode ser comparado a um grande inspirador, aquele que insufla o primeiro homem. Quem é este insuflador/inspirador? O arquiteto, escriba, operário, artesão, construtor de bolhas, ou melhor, Espírito. Por sua vez, o homem é um artefato, uma Consciência, inspirado pelo insuflador. O Espirito em Hegel é o primeiro oleiro que cria uma vasilha vazia, um espaço oco: o homem, o colocando em movimento. O grande arquiteto do cosmos cria bolhas e insufla suas criações, e acaba inserindo o homem no processo técnico, que passa a ser sacro, conforme sua imagem e semelhança. O homem é uma caixa de ressonância, um canal de animação, um objeto cerâmico, que é inspirado por um insuflador, que produz um eco, que reverberara para criar um som, produzindo um contrassopro. Enfim, em completa determinidade reflexiva, como afirmaria Hegel. Ao insuflar ou inspirar o homem, este se torna seu escrevente, uma Consciência. É alguém que escreve insuflado pelo sopro divino, molhando sua pena sobre uma tabula rasa, que é Espirito. A mão do homem não se move sozinha, mas é o sopro divino que provoca o homem a escrever sobre esta pura potência, que é o Nada. A Fenomenologia do Espirito é a odisseia da Consciência humana, uma bolha ou esfera, um artefato insuflado pelo Espirito divino.