A discussão do conceito de natureza humana, central no estudo da vida social humana, traça-se comummente até à Grécia antiga, subjazendo ao desenvolvimento da ciência ocidental. Após Tales de Mileto, Anaxágoras, entre outros cosmologistas, iniciarem a demanda por princípios universais que elucidassem a constituição do mundo, sofistas como Antifonte e Górgias concluíram que essas regras da natureza diferiam de regras humanas como o direito ou as convenções culturais.
Sócrates e os seus estudantes desafiaram tal divisão entre a natureza humana e a virtude social, defendendo que o “certo” ou o “justo” são de acordo com a “natureza”, e pensadores como Aristóteles postularam que o humano é um “animal político”. Desde então, figuras como Thomas Hobbes, Jean-Jacques Rosseau e John Locke, nos respectivos tratados de teoria política e social, entenderam a natureza humana como essencialmente egoísta, e segundo essas características individuais conceberam a sua ideia de sociedade. Por outro lado, Friedrich Hegel, Karl Marx e Émile Durkheim, argumentaram que os humanos são naturalmente sociáveis, e conceberam as particularidades humanas como um subproduto da sociedade e da sua história. O primeiro pressuposto foi admitido em disciplinas como a psicologia behaviourista ou a economia, ao passo que a última estância foi adoptada na sociologia, antropologia cultural, e na história.
No domínio da pesquisa científica contemporânea, demonstrou-se a impossibilidade de reduzir esta disputa arcaica ao dualismo simplista da natureza contra a cultura. Se por um lado alguns aspectos do comportamento humano parecem primariamente moldados pelas experiências individuais, a presente situação social e o ambiente cultural, por outro lado também as predisposições genéticas ou certos momentos críticos no progresso das crianças influenciam o devir individual. Posto isto, é esperável que as variações individuais na fisiologia e no comportamento sejam controladas pelas hormonas, neurotransmissores ou estruturas cerebrais inatas. Mas tais respostas biológicas dependem, por seu turno, da experiência e desenvolvimento individuais.
Devido a esta interacção de factores genéticos e sociais, a natureza humana é complexa e incrivelmente adaptável aos mais diversos contextos. Consequentemente, a espécie humana exibe cooperação e competitividade, isto é, ora se revela egoísta ou altruísta.
Uma perspectiva evolucionista clarifica os antigos debates concernentes à natureza humana, uma vez que distingue aspectos universais e invariáveis do comportamento humano a partir de fontes submetidas, em parte, ao controlo biológico. Destarte, a natureza humana comporta o desenvolvimento de capacidades linguísticas e culturais que variam de ambiente social em ambiente social, mas também inúmeras diferenças que devem ser assumidas como naturais.
Referências à “natureza humana” no singular devem ser compreendidas como descrevendo uma tendência central frequentemente sujeita à variação, dependendo do tempo e lugar. Certamente que existem universais, como o sentido de justiça quando perante a violação das normas de grupo se dirigem “agressões morais”.
Traços Comuns Partilhados com outras Espécies
Entre os variados atributos partilhados pelo ser humano, alguns conhecem a sua génese nos nossos ancestrais vertebrados, e são geralmente encontrados entre animais que se reproduzem sexualmente: a estrutura das vértebras e os impulsos básicos, como pela comida, pelo sexo, pela segurança, ou (no plano das espécies sociais) o estatuto. Tal como os mamíferos, os humanos têm sangue quente, criam laços sociais, e expressam emoções que servem como códigos sociais. Como os primatas, o humano é extremamente inteligente, uma vez que adopta múltiplos padrões sociais e estratégias individuais para responder à necessidade de se abastecer ou para responder aos desafios do ambiente físico. Esta história evolucionária reflecte-se na estrutura triádica do sistema nervoso central: o cérebro controla os impulsos básicos comuns a todos os vertebrados, o sistema límbico molda as emoções, e o neocórtex autoriza aprendizagens espantosas e o controlo da motricidade voluntária.
Cada um destes patamares evolucionários tem consequências para todos os mamíferos da nossa espécie. Como a maior parte dos vertebrados, os humanos exibem o que os etologistas classificam como padrões de acção fixados: como manifestações sociais ou comportamentos consumadores visando a satisfação nutricional ou reprodutiva. Como a maior parte dos mamíferos, o sexo feminino dá à luz após o período de gestação, dá de mamar, e acompanha o crescimento do recém-nascido. Como a maior parte dos primatas, os humanos reconhecem outros membros do grupo individualmente, e têm em seu poder um vasto repertório de exposições não-verbais, como as expressões faciais, que auxiliam nas interacções sociais.
No plano dos traços partilhados por todos os humanos, obviamente encontramos a fala, tecnologias complexas, e sistemas culturais complexos que através de recursos simbólicos e linguísticos alcançam realizações religiosas, políticas e artísticas, desconhecidas ao restante mundo animal.
Traços Variáveis partilhados por todos os Humanos
A incrível diversidade do comportamento cultural e social da nossa espécie é em si uma característica da natureza humana. Alguns elementos desta variabilidade são em si influenciados por factores biológicos. Por exemplo, a diferença de personalidade pode dever-se à herança de predisposições temperamentais como a vergonha, a sociabilidade, o assumir de riscos, ou a previsibilidade. Embora altamente contestados, os estudos sobre o quociente inteligente demonstram que a aptidão matemática, musical ou artística, em parte se devem a certos traços hereditários. Outros estudos revelam predisposições genéticas para o cancro, doenças mentais, dificuldades de aprendizagem, alcoolismo e crime, não obstante a volatilidade destas categorias, visto que são produzidas por intermédio da combinação de vários factores.
A exploração de componentes hereditários nas diferenças de género tem sido particularmente controversa, contribuindo para tal a ignorância da sobreposição dos padrões de variação por parte de críticos e proponentes. Por exemplo, seres do sexo masculino estão mais predispostos a tomarem riscos do que seres do sexo feminino. Como resultado, uma dada característica individual pode ser observada entre ambos os sexos, ainda que haja uma diferença significativa da distribuição dessa característica entre os dois sexos. Frequentemente, estes padrões estatísticos derivam das diferenças hormonais durante o desenvolvimento neonatal.
Alguns traços comportamentais reflectem respostas fisiológicas a situações específicas de evolução significativa. Nos humanos, como em muitos primatas, o macho dominante apresenta elevados níveis do neurotransmissor conhecido como serotonina, que depende da observação de gestos submissivos pelos subordinados; mudando o estatuto social, dão-se modificações correspondentes nos níveis dos neurotransmissores.
References:
Alexander, R.D. (1987) The Biology of Moral Systems, New York.
MacDonald, K.B. (1989) Social and Personality Development. An Evolutionary Synthesis, New York.
Wilson, E.O. (1978) On Human Nature, Cambridge, MA.