Luso-tropicalismo é uma teoria desenvolvida pelo sociólogo e escritor brasileiro Gilberto Freyre. O Luso-tropicalismo foi adoptado pelo Estado-Novo, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, para justificar as posses coloniais portuguesas e defendê-las dos argumentos anticoloniais e das pressões internacionais da época. Pressões essas que vinham tanto das principais potências saídas da II Guerra Mundial – Estados Unidos da América e a União Soviética – como das lutas dos povos africanos e asiáticos que começaram a exigir a sua independência.
Esta teoria postula uma adaptação e propensão especial dos portugueses, por diversos fatores, sobretudo em relação aos colonizadores do Norte da Europa. O Luso-tropicalismo, teoria dos quais certos vestígios são ainda hoje visíveis no discurso sobre Portugal e o seu passado, foi então usado para marcar uma clara distinção entre a colonização portuguesa, em teoria mais branda, suave e “amigável” que as colonizações das outras potências europeias.
As bases da teoria
Em 1933, Gilberto Freyre lança o livre Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regimen de economia patriarcal, considerado pelo sociólogo e ex-presidente do Brasil, Fernando Henriques Cardoso, como um dos livros que “inventou o Brasil” (Castelo, 2016). Nele o autor enfatiza a miscigenação de raças no país, entre portugueses, negros e indígenas, através da proximidade geográfica entre a “casa-grande”, onde viviam os proprietários escravocratas, e a senzala onde as pessoas escravizadas viviam e trabalhavam.
Esta proximidade geográfica, criada sobretudo por razões securitárias contra ataques indígenas, é interpretada como uma das principais diferenças da colonização portuguesa para com os outros modelos, marcados por uma forte segregação, e uma das razões pelas quais o modelo colonial português seria moralmente (mais) defensável.
Mas, ao mesmo tempo, que o autor defende esta hipótese materializada na realidade escravocrata, o autor aponta também uma predisposição do povo português para o contacto inter-racial radicada “no seu passado étnico, ou antes, cultural, de povo indefinido entre a Europa e a África”. Os portugueses estariam “preparados para essa convivência íntima com outros povos devido ao seu passado de estreitas relações sociais e sexuais com os povos invasores ou vizinhos da Península Ibérica”.
De acordo com Cláudia Castelo (2016), “o luso-tropicalismo postula a especial capacidade de adaptação dos portugueses aos trópicos, não por interesse político ou económico, mas por empatia inata e criadora. A aptidão do português para se relacionar com as terras e gentes tropicais, a sua plasticidade intrínseca, resultaria da sua própria origem étnica híbrida, da sua ‘bi-continentalidade’ e do longo contacto com mouros e judeus na Península Ibérica, nos primeiros séculos da nacionalidade, e manifesta-se sobretudo através da miscigenação e da interpenetração de culturas.”
Esta mistura e carácter tolerante e sem a arrogância racial de outros povos colonizadores seria tanto biológica – fruto dos vários nascimentos e relações entre negros, portugueses e indígenas – como numa adoção “recíproca” de valores e atitudes culturais. O Brasil seria o produto ou, nas palavras do próprio autor, o mundo que o Português criou, título do seu livro editado em 1940.
Estado-Novo e o luso-tropicalismo
Esta teoria foi inicialmente rejeitada pelos principais responsáveis do Estado-Novo, onde ainda estava bastante presente a hipótese de uma superioridade biológica (e portanto, também cultural) da raça branca – o darwinismo social. Esta foi a principal ferramenta intelectual da expansão do Império, sob a bandeira de civilizar as raças inferiores e expandir a fé cristã.
O livro de Freyre foi sobretudo rejeitado, como o afirma Castelo (2016) por “enaltecer a mistura racial”. No pensamento dos principais responsáveis portugueses, haveria à época uma barreira civilizacional entre as raças e a miscigenação não só seria inaceitável de um ponto de vista estratégico, como prejudicial por poder causar um “abastardamento dos valores da civilização ocidental”.
No entanto, após o fim da Segunda Guerra Mundial, a teoria foi adotada pelo regime como defesa contra as pressões anticoloniais e a vontade de autodeterminação dos povos africanos e asiáticos. Assistiu-se assim a uma inversão dos argumentos coloniais: onde antes existia um “Império” passou a existir uma “nação pluricontinental”; as colónias seriam agora “posses ultramarinas”. Portugal passou a ser “uno e indivisível”.
O nome de Gilberto Freyre é usado, à época, como escudo contra os argumentos anticoloniais nas Nações Unidas de forma a legitimar a ocupação e a presença portuguesa no mundo.
A teoria no presente
Ainda hoje, o argumento segundo o qual a colonização portuguesa teria sido mais branda que as colonizações francesas, belgas ou inglesas (entre outras) parece ser aceite, não raras vezes, de modo acrítico. “O modo português de estar no mundo” seria diferente destes o que justificaria o colonialismo como uma acção benigna de Portugal no mundo, uma descoberta cultural mútua e uma expansão da fé cristã benfeitora. A teoria luso-tropical vive ainda, deste modo, na cultura e na forma de estar portuguesa, muitas vezes como uma forma de justificar ou apagar a violência do colonialismo português.
References:
Castelo, Cláudia, 2011. “Uma incursão no lusotropicalismo de Gilberto Freyre”, IICT | bHL | blogue de História Lusófona | Ano VI.
Castelo, Cláudia, 2016. “O luso-tropicalismo e o colonialismo português tardio”, Buala.