Introdução
Em termos gerais, o conceito de populismo tem como objetivo descrever correntes sociopolíticas, modos de governação, regimes políticos, e/ou fórmulas ideológicas centradas na ideia de poder popular, compreendido como um conjunto social virtuoso dotado de valores considerados como “superiores”. O populismo é também caracterizado pela ação de líderes carismáticos, o uso do discurso retórico, pela relação particular entre líderes e os grupos sociais que apoiam o primeiro, e diferentes tipos de mobilização social. No entanto, como conceito, o populismo é problemático tanto na ciência política como na sociologia política, posto que a noção tem sido usada (e ainda é usada) para descrever uma multiplicidade de fenómenos que evidenciam importantes diferenças.
Génese
A palavra populismo era inicialmente utilizada como referência ao movimento intelectual organizado na Rússia em finais do século XIX. Este movimento propôs estabelecer uma nova sociedade, baseada no modelo das comunidades russas de camponeses. De carácter anti-czarista e anticapitalista, este movimento idealizou os valores e tradições do “povo”, projetando essas qualidades nos camponeses deste período. Por outro lado, esta noção de populismo era também aplicada ao movimento de agricultores e um pequeno núcleo de produtores independentes no centro oeste dos Estados Unidos da América no início do século XX. Os participantes deste movimento reivindicaram a intervenção do estado no controlo dos fundos monetários, monopólios, e organizações económicas que afetavam o interesse de produtores e consumidores. Como Worsley (1969) explicou, ambos os movimentos tiveram lugar nas zonas rurais, onde a vasta maioria da população vivia nesses tempos. Mas o populismo russo, em finais do século XIX, era mais um movimento orquestrado pelos intelectuais e sem o envolvimento dos camponeses, ao passo que o populismo norte-americano era um movimento em que diferentes sectores da população rural participavam, e isto sem um esquema de referência intelectual.
Como noção, a palavra populismo tem sido utilizada também na caracterização de diferentes regimes políticos e movimentos sociais desenvolvidos na américa latina desde a segunda década do século XX até aos anos 70 aproximadamente. No caso da américa latina, o conceito implica a referência a um amplo conjunto de diferentes fenómenos sociais. De la Torre (1994) adiantou que a noção de populismo tem sido aplicada na caracterização de formas de mobilização em que as “massas” são manipuladas por líderes carismáticos, também na fase histórica no desenvolvimento da américa latina rumo à modernidade, na redistribuição de políticas públicas redistributivas e nacionalistas, e como discurso ideológico que dividiu a sociedade em duas esferas antagónicas.
É importante notar que nas américa latina, as ciências sociais têm conduzido investigações importantes sobre a emergências do populismo, uma vez que os casos mais representativos do fenómeno apareceram nesta região. Contudo, o populismo tem sido estudado a partir de diferentes abordagens e formas de análise que derivam de diferentes tradições de pensamento. Os estudos mais representativos podem ser classificados em três grupos: a explicação do populismo a partir da perspetiva da modernização (Germani; 1977; Di Tella, 1977; e Ianni, 1977); o populismo e os elos com as questões do desenvolvimento (Cardoso & Faletto, 1979); o populismo enquanto perspetiva marxista (Laclau, 1977; Touron, 1983).
De igual modo, a noção de populismo tem sido usada na conceptualização de determinados movimentos políticos na Europa, particularmente os ditos movimentos de “direita”. Mas esta noção deixou de ter relevância a partir de 1970, para reemergir novamente a partir da década de 90 com a aparição de fenómenos populistas. Tal manifestação renovou o interesse no estudo e análise do populismo. Num contexto histórico diferente de processo de mudança global, tal como a globalização, sob esquemas económicos e regimes democráticos consolidados ou no processo de consolidação, alguns autores começaram a aplicar a noção de “neopopulismo” para elucidarem certos eventos nos quais os atores políticos recomeçaram a usar estratégias discursivas na relação entre líderes e grupos, ainda que com o acréscimo de um novo elemento: a oposição do neopopulismo ao neoliberalismo. Deve ser notado que a implementação de políticas neoliberais fora declarada como corretora dos excessos cometidos por governos populistas precedentes, estratégias populistas usadas na aplicação de certas políticas orientadas para grupos sociais específicos. Ao invés de aplicar os critérios técnicos da teoria neoliberal indicada, as estratégias intituladas como populistas, limitam-se ao clientelismo e ao discurso retórico e antipolítico.
Segundo Hermet (2001), existem diferenças importantes entre os populismos precoces e os que surgiram desde a década de 90, pelo que Hermet marca uma distinção entre o populismo antigo e o populismo moderno. Para não cedermos à tentação da generalização, podemos dizer que o populismo antigo caracteriza-se pelo desafio da ordem social estabelecida ou ao regime político em voga, demonstrando hostilidade para os que exercem o poder e mobilizando grupos marginalizados. Já o populismo moderno caracteriza-se pela tentativa de supressão da oposição entre a lógica política e a participação de grupos sociais.
References:
Prud’homme, J. F. (2001) Un concepto evasivo: el populismo en la ciência política. In: Hermet, G., Loaeza, S., & Prud’homme, J. F. (Eds.), Del populismo de los antíguos al populismo de los modernos. Colegio de México, Mexico, pp. 35 63.
