Definição
A memória coletiva refere-se à distribuição das crenças, sentimentos, julgamentos morais e ao conhecimento do passado de uma Sociedade. Apenas os indivíduos possuem a capacidade de contemplarem o passado, mas tal não significa que as crenças conhecem a sua origem somente no indivíduo, ou que podem ser explicadas com base na experiência individual: os indivíduos não conhecem o passado individualmente; sabem que é com ou contra outros indivíduos, que definem esse passado; e que esse mesmo passado é legado pelos seus predecessores.
Por conseguinte, a História e as Comemorações são os veículos da memória coletiva.
- Ao nível formal, a História inclui monografias; ao nível popular, revistas, jornais, televisão e filme; ao nível informal, conversações, cartas e diários.
- O Historiador procura iluminar o presente à luz do passado ao revelar as causas e consequências de eventos ordenados cronologicamente; descrever os eventos na sua complexidade e ambiguidade.
- As Comemorações remetem para os monumentos, relíquias, estátuas, quadros, fotografias, rituais e hagiografia.
- Os agentes comemorativos procuram definir a significância moral de eventos que incorporam o ideal coletivo.
Logicamente, a História e as Comemorações são interdependentes: assim como a história reflete os valores e sentimentos que as comemorações sustentam, as comemorações estão enraizadas no conhecimento histórico. Como os objetos históricos e comemorativos são transmissíveis, cumulativos, e interpretados de diversos modos consoante o grupo que se apropria desse património, esses mesmos objetos exercem uma influência difícil de compreender somente por referência às convicções e características dos seus produtores.
Problematização
Com a viragem do século XX, foram vários os académicos que investigaram o contexto social da história e das comemorações, sobretudo Maurice Halbwachs, cujo trabalho foi pioneiro neste campo de estudos. Esta sociologia da memória resultou de uma desilusão com as consequências do final da 1ºGuerra Mundial, que evidenciavam a desagregação dos valores sociais comuns aos indivíduos. Entre 1945, ano em que Halbwachs foi executado pela Schutzstaffel (força paramilitar de Hitler conhecida como SS), e a década de 80, o seu trabalho foi amplamente ignorado. Todavia, praticamente terminada esta década, consolidou-se uma rendição ao seu trabalho.
Desde a década de 80 que seis tópicos centrais têm sido debatidos:
- História e Comemoração: qual a reciprocidade entre a evidência história e o simbolismo comemorativo?
- Iniciativa e Receção: quem arquiteta o simbolismo comemorativo, e como se dá a receção ou a renúncia?
- Consenso e Conflito: quais são as crenças sobre o passado que são partilhadas, e inversamente, quais as polarizações relativas ao passado?
- Recuperação e Construção: como é que a documentação histórica limite o raio de alcance das construções históricas?
- Reflexão e Moldação: como é que a memória coletiva molda e reflete a realidade?
- Continuidade e Mudança: qual a flexibilidade das estruturas nas quais é imposta a memória coletiva?
Posto que estas questões são abordadas por recurso a uma perspetiva que considera as relações de poder, inúmeras vezes é descoberto que a articulação dos valores que constituem uma tradição -como a virtude, honra ou heroísmo-, são mistificações de uma elite.
Tópicos de Análise
Há uma abundância de estudos concentrados no Holocausto e na escravatura, e este padrão tem sido acompanhado por outros dois fenómenos do século XX: multiculturalismo, que reconhece o direito das minorias à dignidade; pós-modernidade, que documenta a erosão da tradição e o declínio da identificação individual com o passado. Apesar da influência destes dois movimentos, os estudos sobre a memória coletiva têm-se centrado, no plano popular, em conteúdos tradicionais, e surgiram igualmente, desde a década de 90 e 2000, novas perspetivas:
- Consideração das propriedades objetivas que limitam o que pode ser feito com o passado no plano interpretativo.
- Um vivo interesse com a possibilidade de redescoberta de um sentido moral passado ausente ou perdido no presente, que poderá inspirar e consolar esse preciso presente.
- Crenças individuais, antes inferidas dos materiais históricos e comemorativos, são avaliadas, são reavaliadas através da sociologia da cognição, psicologia, e sobretudo, através de inquéritos.
- Modelos da memória coletiva são formulados cada vez mais na voz ativa, retratando os indivíduos dialogicamente a reforçarem e modificarem os textos históricos e os símbolos comemorativos que consomem.
Quanto a novos tópicos, estes incluem datas dedicadas a crimes cometidos contra a humanidade, que celebram as vítimas; guerras impopulares; outros eventos ignóbeis.
As unidades, tendências e problemáticas relativas aos estudos da memória coletiva em comunidades e nações, têm sido ultimamente aplicadas nas análises da família, organizações e instituições. Todavia, em cada campo, as recentes reivindicações dos investigadores têm pecado por superficialidade: desmistificar o passado é um programa vital quando há algo de mistificado no presente, como a injustiça entre outras atrocidades. Em cada cultura e em cada existe a marginalização social, mas conforme os avanços dos movimentos civis se consolidam no plano dos direitos, e as tendências multiculturalistas conduzem a uma maior inclusão, torna-se mais difícil abafar as políticas de exclusão.
References:
Halbwachs, M. (1980 [1950]) Collective Memory. Ed. M. Douglas. Harper & Row, New York.
Zerubavel, E. (2003) Time Maps: Collective Memory and the Social Shape of the Past. University of Chicago Press, Chicago.