Abolição da escravatura

Nos textos das Declarações dos Direitos e Constituições, os liberais definiram a liberdade, a igualdade e a propriedade como direitos humanos universais. Dado brotarem da condição humana, afiguravam-se-lhes suscetíveis de serem usufruídos por todos os indivíduos, em todos os tempos e lugares.

A realidade dos factos encarregar-se-ia de desmentir aqueles pressupostos. A universalidade dos direitos humanos, nem sempre garantidos pelo Estado liberal, conheceu os seus limites. Jamais a propriedade foi um direito natural. Coube à burguesia, por exemplo, beneficiar das transformações da vida rural, através da compra de terrenos e dos bens nacionais.

Na verdade, a igualdade proclamada pelos liberais revelou-se meramente teórica. A desigualdade de fortunas fez da política assunto de uma minoria abastada, em virtude do estabelecimento do sufrágio censitário. Por exemplo na França, numa população de 28 milhões, apenas 4 milhões de cidadãos detinham todos os direitos políticos.

No caso da liberdade, o princípio mais sagrado da ideologia liberal, os revolucionários franceses mantinham uma política de conquistas, e em pleno século XIX, o tráfico de escravos e a escravatura mantinham-se naturalmente.

 

Na França

Os primeiros grandes debates do período liberal em torno da escravatura tiveram lugar em plena Assembleia Constituinte francesa. Não sem oposição, a Assembleia concedeu, em maio de 1971, direitos civis aos homens livres de cor e, em setembro, pôs termo à escravatura no território metropolitano francês.

Nas colónias, porém, a escravatura mantinha-se, o que violava claramente o artigo 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Confrontados com os interesses dos armadores dos portos ligados ao tráfico esclavagista e dos proprietários de plantações nas Antilhas, os deputados da Constituinte, e mais tarde da Legislativa não se atreveram a pôr em causa um sistema económico, no qual consideravam repousar a prosperidade da França.

A luta contra a escravatura viria a surtir efeito em plena Convenção, empenhada na efetiva concretização de liberdade e da igualdade. Pelo Decreto de 16 do pluvioso do Ano II (4 de fevereiro de 1794), a escravatura foi abolida nas colónias francesas, sem qualquer indemnização aos proprietários.

Restabelecida em maio de 1802, durante o consulado de Napoleão e novamente sob pressão dos proprietários das Antilhas, a escravatura nas colónias, tal como o respetivo tráfico, ficou definitivamente erradicada na França após a revolução republicana de fevereiro de 1848.

 

Nos Estados Unidos da América

Também nos EUA, o princípio da igualdade, inscrito na sua Declaração de Independência em 1776, conviveu contraditoriamente, durante quase um século com a escravatura dos negros. De facto, a Constituição do país permitiu a existência de escravos, muito embora deixasse ao critério de cada Estado a sua extinção.

Em meados do século XIX, o afrontamento entre abolicionistas e esclavagistas intensificou-se, quando o Congresso dos EUA declarou a intenção de proibir a escravatura nos novos territórios, convertidos em novos estados.

Esta situação era particularmente notória no Sul, onde a conquista de territórios mais se fizera sentir e onde a economia do algodão e do tabaco assentava na exploração de mão de obra escrava. Já os estados do Norte, mais dependentes de atividades industriais e comerciais, apoiavam a legitimidade abolicionista do Congresso.

O antagonismo adensou-se quando Abraham Lincoln foi eleito presidente dos Estados Unidos em 1860. Logo depois, a Carolina do Sul e mais 10 estados sulistas desligaram-se do governo da União, formando entre si uma Confederação. Lincoln e o Congresso tentaram impedir a cisão, mas os seus argumentos em nada moveram os sulistas. De 1861 a 1865, a cruel Guerra de Sucessão ensanguentou o país, levando-lhe meio milhão de vidas e destruindo recursos e comunicações.

A vitória do Norte trouxe consigo o triunfo dos direitos humanos. Ainda em plena guerra, o Governo da União não hesitara, em 1863, em proclamar extinta a escravatura no Sul. O abolicionismo ficaria consagrado quando, em 18 de dezembro de 1865, 13º Emenda à Constituição pôs termo à escravatura em qualquer ponto dos EUA. Foi A. Johnson, o novo presidente, que promulgou a medida, em virtude da trágica morte de Lincoln.

Entre todas as dificuldades, o abolicionismo consolidou-se na América do Norte. A 15º Emenda à Constituição, de 27 de fevereiro de 1869, reconheceu direitos políticos aos negros e aos antigos escravos procurando a plena integração cívica.

 

Em Portugal

A problemática da abolição da escravatura em Portugal gravitou, essencialmente, em torno da proibição do tráfico negreiro, de que o nosso país foi um dos grandes agentes. Na segunda metade do século XVIII, a legislação pombalina preparara a extinção da escravatura na metrópole, ao proibir o transporte de escravos negros para Portugal e libertando os filhos dos escravos que aí nascessem.

A Grã-Bretanha pressionou diversas vezes Portugal para que pusesse fim ao tráfico negreiro. Aliás, como potência signatária do Tratado de Viena em 1815, Portugal já se comprometera a proibir o comércio de escravos ao norte do equador. Na raiz da pressão britânica residiam motivações económicas. Empenhada na efetivação da sua revolução industrial, interessava à Grã-Bretanha o controlo dos recursos agrícolas e minerais das colónias das economias europeias suas dependentes, de que o caso mais flagrante era o de Portugal. Tal exploração de recursos afigurava-se impossível face à terrível sangria de mão de obra que o tráfico significava. Aliás, a própria utilização de escravos para o trabalho representava um verdadeiro anacronismo na sociedade industrial, uma vez que o modo de produção capitalista assenta no trabalho assalariado.

Motivos económicos semelhantes levaram o visconde de Sá da Bandeira, a decretar a proibição da importação e exportação de escravos das colónias ao sul do equador, em dezembro de 1836. Face à independência do Brasil e à desestruturação que a nossa economia então experimentara, Sá da Bandeira vislumbrou num relatório em 1836, a necessidade do desenvolvimento dos territórios de África, onde a exploração do tráfico daria lugar ao fomento das atividades produtivas e à criação das infraestruturas adequadas.

Embora os traficantes continuassem clandestinamente a demandar as colónias portuguesas em África, uma série de decretos consumaram, nas décadas seguintes, o abolicionismo. Finalmente, em fevereiro de 1869, o rei D. Luís assinou um decreto que pôs fim à escravidão em todos os territórios portugueses.

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