A questão da identidade étnico-racial negra é um tema presente na discussão atual sobre multiculturalismo e raças no Brasil. Tal discussão tem sua origem no estudo sobre a chegada dos negros africanos em navios negreiros, durante três séculos consecutivos de escravidão. Os africanos chegavam amontoados em embarcações espúrias para abastecer as lavouras de açúcar, as minas de ouro e as lavouras de café, ao longo dos séculos XVII , XVIII e XIX no Brasil.
Uma sociedade de negros, mulatos e crioulos passou a compor o cenário social de um país, que já era habitado por indígenas e europeus. Em comum, Negros, Mulatos e Crioulos possuem a pele escura. A pele escura, a partir do século XVII, determinava a condição do indivíduo como escravo. A coisificação do negro africano, compreendido como um ser ‘vil’ e ‘sem alma’, foi igualmente legitimado pelo discurso religioso cristão, que considerou os negros africanos como descendestes de CAM, passíveis de qualquer inferiorização social. Foi a escravidão de negros de origem africana que resultou na prática social discriminatória e exclusiva deste grupo étnico no país,
Pela definição etimológica, os negros seriam facilmente definidos por sua origem africana subsariana, os mulatos seriam todos aqueles originados pelo intercurso sexual entre europeus e africanos; enquanto os crioulos seriam todos os cidadãos americanos de raça negra, que não haviam chegado da África na qualidade de escravo. Em síntese,negros, mulatos e crioulos possuem uma identidade e historicidade em comum: a ascendência africana e a pele escura.
A classificação das raças pelos europeus, em especial no século XIX tinha como objetivo mapear a alteridade encontrada. A partir dos relatos de viajantes europeus na América, é possível encontrar um discurso que reduzia a diversidade social existente na América colonial à visão do outro. O ‘ outro’ descrito pelo europeu era sempre um ser exótico, racializado, etnicamente classificado e inferior. O discurso dominante e classificatório da colonização enraizou-se nas sociedades dominadas, que permaneceram classificadas, divididas e compreendidas como primitivas, atrasadas e inferiores.
Neste sentido, as contribuições dos estudos etnográficos da Antropologia demonstram que uma análise sobre as populações negras no Brasil ultrapassa a questão da cor ou de uma simples divisão classificatória. O ser ‘negro ‘representa atualmente, a reafirmação de uma identidade. A identidade negra no Brasil expressa diferentes culturas, tradições e religiosidades que variam entre o monoteísmo e o politeísmo. Ao contrário do que ocorre no Estados Unidos, em que a palavra primitiva negro (nigger), por atrelar-se à escravidão foi proibida e substituída pela palavra preto (Black) – No Brasil, a palavra ‘negro’ é cercada de conhecimento, identidade, significado e cultura enquanto o ‘preto’ é visto como discriminatório.
Racismo silencioso
O mito da democracia racial presente na obra histórica de Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala, vem sendo desconstruído na discussão sobre racismo. Não existem leis discriminatórias no país, que consideram todos como iguais perante à lei, o que é socialmente positivo e favorável à discussão sobre racismo. No entanto, a exclusão social de negros, mulatos e crioulos ainda está presente na estatística, onde a ‘cor social’ retira os direitos à uma cidadania plena- visto que os maiores índices de violência, criminalidade e pobreza ainda estão entre as populações negras no Brasil.
References:
FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. SP: Global, 43ª edição, 2003.
PRATT, Mary Louise. Os Olhos do Império. Relatos de viagem e transculturação. SP:Editora Edusc, 199
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças – cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
PESSOA. Raimundo Ângelo Soares. Gente sem sorte: Os mulatos no Brasil Colonial. França: 2007.