Escravidão no Brasil ( XVI-XIX): as cicatrizes de um povo

          No litoral do Brasil desembarcaram milhares de escravos negros africanos para trabalhar nas lavouras de açúcar  e nas minas de ouro, ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII. No século seguinte, desembarcaram mais umas centenas deles, até o ano de  1850 (Lei Eusébio de Queiroz)[1],  para o trabalho compulsório que era  realizado nas lavouras de café. O Café brasileiro no século XIX, considerado o produto de maior exportação da colônia,  foi semeado, cultivado, moído, ensacado, transportado e exportado, com o suor e a força dos braços negros dos escravos africanos.

          Transportados contra vontade em navios negreiros (tumbeiros), espremidos e expostos nos porões às doenças, fome, sede, calor, sujeira, ataques de ratos e piolhos – Os negros africanos foram considerados por séculos, os ´pés e as mãos do senhor´: do engenho, das minas e do café. A viagem pelo Atlântico durava cerca de dois meses e a violência contra o escravo arrancado de sua terra, durava anos.  A estrutura da escravidão inseria-se na lógica do lucro onde o tráfico negreiro de escravos envolvia rentabilidade a longo prazo para os compradores de escravos e rentabilidade imediata para os vendedores.

       Chegavam amontoados e amedrontados em navios negreiros para o lucrativo negócio que era a escravidão no Brasil. Ao chegarem no porto eram expostos como mercadorias, sendo trocados por moedas de ouro ou centenas de réis.

        O colonizador português investiu na produção de gêneros alimentícios em larga escala, e isso exigia um fluxo contínuo de mão de obra. Nos primeiros séculos da colonização, utilizaram-se da mão de obra indígena. A partir da segunda metade do século XVI, com a perda demográfica significativa dos nativos[2], a solução encontrada pelos portugueses foi a escravidão negra africana. O uso da mão de obra escrava negra era natural para os portugueses que também a adotaram até o século XVIII na própria metrópole.

                Apesar dos quase quatro séculos de escravidão negra africana no país, é necessário fazer compreender que a escravidão, já era uma instituição antiga  bastante conhecida, naturalizada  e praticada entre os povos da Antiguidade.

         Historicamente, a escravidão  pode ser definida pela prática social de apropriação de um homem por outro homem. A objetificação de um indivíduo como mercadoria está diretamente ligada à posse que um indivíduo tem sobre o outro,  detendo sobre ele direitos de uso sobre o seu corpo tal como do uso de sua força  física para o trabalho compulsório.

              A escravidão como sistema de trabalho foi praticada na Antiguidade como uma relação de trabalho e poder que os povos antigos então naturalizaram, de forma quase que espontânea. Este modelo  antigo de trabalho baseava-se na afirmação do poder do mais forte sobre o mais fraco. Eram escravos todos os prisioneiros de guerra e os endividados. A subjugação estava na opressão daqueles  considerados mais fracos e sem prestígio. Escravizou-se por inúmeras razões na história.

               No Brasil, a justificativa ideológica da escravidão negra africana, apoiava-se principalmente no discurso do colonizador, na visão etnocêntrica europeia e na visão da  Igreja Católica que considerava os escravos africanos, descendentes de CAM e sujeitos sem alma.  Do ponto de vista social, possuir escravos era um símbolo de riqueza e de prestígio nas sociedades colonial e imperial brasileira. A Igreja aprovava a escravidão enquanto a justiça legitimava essa ordem social.

                 Entretanto, a historiografia recente nos revela que a ideia de um cativo resignado deve ser amplamente contestada. Levantes, revoltas, a formação de quilombolas eram práticas comuns no interior dos engenhos para contestar a violência e os abusos de poder cometidos pelos senhores. Há registros de resistência religiosa, cultural e linguística. A escravidão deixou cicatrizes na sociedade brasileira contemporânea que ainda revisita sua história para construir uma sociedade inter-racial mais justa e  igualitária.

Anúncio de escravo desaparecido.

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References:

[1]  A Lei Eusébio de Queiroz de 1850 proibiu o Tráfico Negreiro no Brasil. Entretanto, ainda houve fluxo interno e deslocamento de escravos entre várias regiões do país.

[2] Os indígenas estavam morrendo por epidemias como  a gripe, a varíola e o sarampo.

BENCI, Jorge. Economia cristã dos senhores no governo dos escravos. Editora Grijalbo: 1977

SEVCENKO, Nicolau. Literatura como Missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. 2ed. São Paulo:Companhia das Letras, 2003.

GOMES, Flávio dos Santos ( org) & SCHWARZ, Lilian  M.( org). Dicionário da Escravidão e Liberdade. SP Companhia das Letras.

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