Entre os inúmeros epítetos atribuídos à sociedade moderna pelos cientistas sociais (sociedade do cansaço, da transparência, do espetáculo etc.), há um, que pelo seu impacto nas ciências sociais, merce ser destacado, e que foi formulado por Ulrich Beck (1992): a sociedade contemporânea como sociedade de risco.
Foi bastante comum, o humano, no percurso da sua existência, atribuir a causa do perigo a entidades sobrenaturais como deus, seja este o deus bíblico ou o Zeus homérico. Mas a noção de risco alterou este retrato: este conceito conota a tomada de decisão e o agente ativo e controlador do meio. Falar de risco engloba o cálculo do incalculável e a colonização do futuro. Neste sentido, o risco é uma das narrativas mestras na primeira modernidade. Na europa esta marcha culminou com o desenvolvimento do Estado Social. Mas uma sociedade de risco tem o seu avesso, que é o risco incontrolável.
Desde o século XIX que as transformações furiosas no âmbito da indústria e da tecnologia têm abalado o domínio das práticas tradicionais como a agricultura e as artes manuais, iniciando a sociedade numa segunda etapa da modernidade, onde não é o risco quantitativo que aumenta, mas sim a responsabilidade social que as instituições e os atores sociais devem assumir perante os riscos sociais que geraram com a progressão tecnológica – como a energia nuclear, as biotecnologias ou as nanotecnologias -, e que estão numa relação de superioridade face aos desastres naturais. Percorrendo esta linha de pensamento alcança-se Chernobyl, o aquecimento global, a doença das vacas loucas, o debate sobre o genoma humano, ou o 11 de Setembro de 2001.
É errôneo pressupor que a presença do risco como dimensão do social traduz-se no aumento local do perigo da vida em sociedade, uma vez que a questão não é o aumento mas a desterritorialização do perigo, que se dá em três dimensões: temporal, espacial e social. Temporal, uma vez que o período latente de certo risco – por exemplo, as consequências derivadas da manipulação genética da comida –, não corresponde aos procedimentos normais usados nas emergências industriais. Espacial, porque o risco deixa de corresponder a uma área territorial delimitada, rompendo com essa geografia, como as alterações climáticas, a poluição atmosférica ou o buraco do ozono. Social, dado que em termos legais, e vista a economia como um novelo que é o próprio mundo, é complicado imputar um culpado concreto do despoletar de tais riscos.
Diferenciam-se, no mínimo, três centros de conflito na sociedade de risco. No primeiro eixo situam-se os conflitos ecológicos, que por essência, são globais. No segundo eixo assenta a crise financeira global, que da primeira fase da modernidade à fase posterior, passou do local ao mundial. O terceiro eixo consiste na ameaça das redes terroristas, financiadas por governos e Estados. Mas esta diferença conceptual não representa a separação destes três perigos, uma vez que acabam por se relacional profundamente: as possibilidades do terrorismo disseminar-se multiplica-se conforme o desenvolvimento tecnológico consolida-se. Acrescente-se que um aspeto horrífico é que nenhum risco está fora de alcance, uma vez que qualquer a possibilidade de progresso em xis campo abre uma caixa de pandora e com esta, a persistência de apropriações moralmente condenáveis.
Sendo os riscos globais, tal não traduz a homogeneização do mundo, isto é, que todas as regiões e culturas estão igualmente sujeitas a um corpo uniforme de riscos incontroláveis. Pelo contrário, os riscos são distribuídos desigualmente, o que remonta aos diversos panos de fundo históricos das nações afetadas pelos riscos, sejam estes ecológicos, políticos, sociais ou económicos. As zonas “periféricas” do mundo são as que sofrem mais com o impacto dos riscos, pois que as medidas nacionais que tomem se revelam impotentes perante os riscos que são exportados de outras regiões “centrais” do mundo, como a crise financeira. Dada esta “dialética”, o mundo torna-se numa comunidade unida pelo destino, pois que riscos globais implicam logicamente soluções globais.
References:
- Beck, U. (1992), Risk Society: Towards a New Modernity, London, Sage Publications.