O conceito de esfera pública tornou-se numa palavra-chave na sociologia, desde que foi introduzido por Jurgen Habermas como um conceito sociologicamente pertinente. A esfera pública refere-se ao espaço que existe nas sociedades modernas entre o Estado e a sociedade. Diz respeito ao domínio geralmente relacionado à sociedade civil, mas é mais extenso por referir a categoria ampla de “público”. A esfera pública adquiriu existência com a formação da sociedade civil e as formas associativas de políticas que a par surgiram. Em termos essenciais, o conceito de esfera pública refere-se ao conteúdo comunicativo da modernidade política. Embora a tradução portuguesa do conceito sugira numa noção espacial do público, o conceito alemão Offenlichkeit convém uma noção muito mais forte de um campo de comunicação, sugerindo uma condição discursiva de difícil tradução.
A esfera pública pode ser vista como uma abordagem moderna à velha questão sobre o “homem público” ou campo público que Hannah Arendt acreditava ter existido na pólis ateniense, e no qual se consagravam relações políticas baseadas na cidadania. A “viragem pública” foi inicialmente um desenvolvimento decorrido na teoria política, tal como se reflete nos escritos de Tocqueville e Arendt. Apesar de Harendt observar o declínio da esfera pública na modernidade, Tocqueville acreditou que a esfera pública era um dos elementos-chave da modernidade. Numa das obras principais de Habermas, A Transformação Estrutural da Esfera Pública, originalmente publicada na Alemanha em 1962, é providenciado o ponto de referência principal para os debates recentes sobre a esfera pública. Este livro pode ser interpretado como uma combinação do contributo de Tocqueville e Arendt.
Segundo Habermas, a sociedade moderna, desde o século XVII até inícios do século XIX, viu a emergência de um domínio social distinto da sociedade de corte, por um lado, e do Estado absoluto, por outro lado. Este novo plano é constituído pelo tecido público, que se formou em novos espaços como o Café, a Biblioteca Pública, a Imprensa, e onde quer que o debate tenha assumido cambiantes diferentes do tipo de discussão praticada em instituições formais. Uma das novas características deste domínio surgido, é, logicamente, a opinião pública. Inicialmente, a esfera pública definia-se em oposição à sociedade de corte, mas começou crescentemente a definir-se também em contraste com o domínio privado da vida doméstica. Na teoria inicial de Habermas sobre a esfera pública, deparamo-nos com a associação desta ao mundo político e cultural do Iluminismo Europeu. Assim, a transformação estrutural ocorreu quando a cultura do Iluminismo entrou em declínio e a esfera pública foi engolida pelo capitalismo. O evento decisivo nesta mudança foi a comercialização da imprensa, originalmente um órgão do debate público, mas que com o aumento dos jornais que acompanharam a consolidação da sociedade burguesa e a intrusão do mercado na sociedade civil, provocou o processo de rutura da esfera pública. Numa abordagem que espelha a visão pessimista de Arendt sobre a modernidade, e igualmente influenciada pela crítica cultural da modernidade lançada pela Escola de Frankfurt, Habermas visualizou o declínio da esfera pública somente como um fenómeno característico da modernidade. O aumento da sociedade de massa no século XX ao que se acrescenta a manufatura e controlo da opinião pública por parte dos partidos políticos, completou a transformação estrutural da esfera pública iniciada no século prévio.
Subsequentemente, nomeadamente desde a década de 80 do século XX, e em grande medida um resultado das críticas direcionadas ao modelo de Habermas, surgiu uma nova teoria da esfera pública, que será sumariada de acordo com os seguintes quatro pontos: (1) a rejeição da idealização do modelo histórico adotado por Habermas, uma vez que inúmeros críticos apontaram que não existe um único modelo histórico, mas sim vários, e criticaram a noção de um domínio puro do espaço público como uma romantização da realidade histórica; (2) qualquer relato da esfera pública deve considerar a existência de esferas públicas alternativas; (3) o debate sobre a esfera pública em sociedades não-ocidentais; (4) a dúvida sobre a possibilidade de existir ou não, uma esfera pública cosmopolita, por contraste com a noção de discretas esferas públicas nacionais, postuladas por Habermas.
References:
Calhoun, C. (Ed.) (1992) Habermas and the Public Sphere. Blackwell, Oxford.