Desencantamento

Elucidação do conceito de desencantamento proposto na sociologia interpretativa de Max Weber.

Entre os vários conceitos encontrados na teoria sociológica de Max Weber, talvez os mais conhecidos sejam o de Encantamento e Desencantamento. Para Weber, o mundo encantado consiste no mundo antigo, no qual os espíritos deambulavam e a crença nas práticas mágicas era parte da experiência subjetiva do indivíduo. Com o desenvolvimento do capitalismo moderno e o concomitante crescendo da racionalidade formal nos processos burocráticos, o mundo perdeu gradualmente o encantamento, dando lugar a um progressivo desencantamento.

A perspetiva weberiana argumenta que as sociedades pré-modernas eram mais “encantadas” que as sociedades modernas. As comunidades e sociedades tradicionais, que tendiam a ser pequenas e homogéneas, incorporavam na sua mundividência a magia e o mistério: eram mais guiadas pela racionalidade substantiva do que formal, uma vez que os indivíduos se baseavam em ensinamentos abstratos (como ideais e ideias religiosas) para definirem e perseguirem os seus objetivos.

O trabalho de Weber liga o desenvolvimento do capitalismo a um mundo encantado: os primeiros calvinistas (que criaram a “ética protestante”, do qual o capitalismo na sua forma moderna cresceu), viram o sucesso económico como levando à salvação. Na Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber sublinhou a forma a ética protestante transformou o trabalho numa vocação religiosa. Os calvinistas acreditavam que o sucesso terreno era um sinal de que Deus os favorecia, e reiteravam a acumulação de riqueza ao mesmo tempo que demonstravam hostilidade perante a ostentação e desfrute dessa riqueza. O seu trabalho era caracterizado pelo empreendimento metódico e o compromisso com o lucro pelo bem do investimento e crescimento.

Weber expõe assim, que a religião e a espiritualidade que motivaram o empreendimento capitalista, contribuíram para o desenvolvimento de um mundo racionalizado que, paradoxalmente, acabou por pouco necessitar das crenças religiosas ou mágicas: a ética e os valores presentes no nascimento do capitalismo moderno desintegraram-se.

O capitalismo, na senda de Weber, é suportado pelo desenvolvimento e disseminação de estruturas burocráticas, que são baseadas em regras e regulamentos, e nos objetivos imperativos da eficiência e presciência. Ademais, o capitalismo moderno é suportado e impulsionado pela autoridade racional e legal da esfera política. A expansão deste estilo de autoridade e o seu triunfo sobre a autoridade carismática e tradicional são também sinais do triunfo da racionalidade formal. Notavelmente, tanto a autoridade carismática como a tradicional possuem elementos inerentes ao mundo encantado: na autoridade carismática existe uma crença no poder singular do líder; na autoridade tradicional, uma veneração da tradição e do líder que incorpora na sua ação essa tradição. Por contraste, a autoridade racional e legal, como disposta nas estruturas burocráticas, revela o laço indissociável entre autoridade e determinadas posições, ao invés de autoridade segundo certos indivíduos.

Deste modo, para Weber as sociedades modernas substituíram o significado substantivo encontrado numa sociedade encantada, pela racionalidade formalista, que é epíteto da eficiência e indicada para o empreendimento capitalista, mas que é destituída de outro sentido que a procura especifica pelo lucro: o desencantamento é uma característica do mundo moderno; sistemas altamente racionalizados são eficientes, previsíveis, calculáveis, e exercem um elevado grau de controlo sobre o comportamento e trabalho humano.

Um último ponto curioso: é interessante contrastar as perspetivas de Marx e Weber sobre a religião, crenças mágicas e capitalismo. Para Marx, a religião é o ópio das massas, levando-as a acreditarem que devem aceitar o seu lugar honesto na sociedade. Weber defende que a religião e as crenças religiosas são as sementes do capitalismo moderno e das suas estruturas: ao passo que a religião é apresentada como a origem do capitalismo, a sua centralidade e contribuição para os sistemas de valores e significado acaba por se desvanecer num mundo moderno desencantado.

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References:

Weber, Max. 1991. The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism. London: HarperCollins Academic.

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