Economia Moral

Define-se economia moral à luz do imperativo da distribuição e da troca social justa. Utiliza-se este conceito no contexto da análise política e social, para que se compreendam, por exemplo, os múltiplos sistemas de troca social e as instâncias que propulsionam as rebeliões. Defende-se que as comunidades regidas por este princípio tendem a invocar um repertório de guias morais para classificarem todo o tipo de trocas sociais e transferências de bens, o que incita à distinção entre práticas sociais legítimas e ilegítimas. Os proponentes de uma economia regulada moralmente assinalam a importância da transição da economia tradicional para a economia de mercado, dado que esta transição entrou em confronto com as normas comunais e os valores tradicionais das sociedades afetadas, resultando na agitação social nos contextos em que essa adaptação se revelou mais morosa e complexa.

Nas narrativas mais recentes, defende-se que as atividades económicas são insuficientemente compreendidas se analisadas somente com recurso ao vocabulário técnico económico. Pelo contrário, as atividades económicas devem ser analisadas como pertencendo a um continuum que conjuga o funcionamento dos mercados com as normas sociais e os valores que regem as instituições, pois a negação deste amplexo de relações resulta da falácia de que a propensão humana é essencialmente para a permuta e troca de bens, o que, como Karl Polanyi indicou, até à época de Adam Smith não se verificou.

Bastantes estudos foram realizados com o intuito de se demonstrar que a atividade económica foi, em tempos, um aspeto subordinado de outras dimensões sociais. E.P.Thompson, ao analisar os tumultos que ocorreram no século XVIII, que tiveram como causa a escassez de bens alimentares, não só popularizou o conceito de economia moral como observou que a emergência da economia de mercado alterou seriamente os padrões tradicionais normativos das sociedades, resultando essa transformação na resistência popular e em protestos. Propõe-se neste estudo que não foram as adversidades objetivas que engendraram o protesto social, mas sim a brutalização dos valores tradicionais, que passavam pelo amplo consenso tradicional sobre quais as práticas sociais permitidas e as práticas não permitidas, consistindo as primeiras na estipulação de um preço justo dos bens e no direito à subsistência. Avaliando a forma como as transações monetárias são efetuadas numa economia de mercado, é previsível que as comunidades estejam preparadas para o protesto moral, ou mesmo violento.

Na esteira do estudo de Thompson, seguiram-se um vasto conjunto de trabalhos etnográficos e antropológicos cujo interesse se pautou pela estruturação da instituição económica nas sociedades agrárias. Também neste caso foi demonstrado que a penetração da economia de mercado nestas sociedades desestruturou completamente as normas e reciprocidades vigentes, conduzindo novamente á agitação social. Na maior parte destes relatos é evidenciado que esta maior propensão à agitação por parte das comunidades das sociedades agrárias se deve ao facto de as relações entre os membros, originalmente de índole social, se verem alteradas pelo paradigma do cálculo. Considerando que estas sociedades não alocam recursos para maximizarem os rendimentos, mas sim para responderem às exigências que a subsistência ordena, é compreensível que se consolide esta disjunção.

Uma das palavras-chave nos estudos de economia moral é o de ‘incorporação’, que sublinha a noção de que o comportamento económico tradicional tem lugar no contexto das instituições políticas, sociais e religiosas. Na obra A Grande Transformação de Karl Polanyi, são investigadas as condições e a racionalidade por detrás das trocas económicas, sendo que Polanyi distingue entre sistema económicos interligados com outras dimensões da vida social e sistemas económicos autónomos. A tese consiste em que é no primeiro tipo de sociedades que se encontra precisamente o primeiro sistema, uma vez que nestas não existe nenhuma separação nítida entre a esfera económica e as outras instituições sociais. Influenciado pela noção aristotélica do bem supremo que é a boa vida, Polanyi acaba por sugerir que o sistema económico tradicional estava subordinado a essa demanda pela bela vida.

Porém, é sempre observado que este contraste entre sociedades tradicionais e sociedades modernas é largamente sobrestimado. À luz das evidências recentes, tem sido sugerido que o conceito de economia moral assenta demasiadamente na distinção entre sociedades baseadas numa economia de mercado e sociedades que não se organizam de acordo com essa lógica. Igualmente, as sociedades modernas não são destituídas de formas de regulamentação moral.

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References:

Arnold, T. C. (2001) Rethinking Moral Economy. American Political Science Review 95: 85 95.

Polanyi, K. (1957 [1944]) The Great Transformation: The Political and Economic Origins of Our Time. Beacon Press, Boston.

Thompson, E. P. (1971) The Moral Economy of the English Crowd in the Eighteenth Century. Past and Present: A Journal of Historical Studies 50: 79 136.

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