No domínio das ideologias com maior presença na era moderna, encontramos o conservantismo (ou conservadorismo). Inicialmente, o conservantismo foi articulado na sua forma contemporânea em oposição ao liberalismo, especialmente ao cataclismo da Revolução Francesa, que desafiou os princípios e valores da velha ordem, e a autoridade dos monarcas e do clero.
A profunda crise do Antigo Regime europeu, e a repentina aparição de revolucionários preparados para instaurarem fantasias utópicas e dispostos a inaugurarem um novo modelo de sociedade, incitou uma resposta intelectual e política construída sobre os alicerces do panorama conservador moderno.
Sabe-se que o conservantismo faz parte do amplo movimento histórico denominado como “Contra Iluminismo”, caracterizado pelo desafio às ideias tenentes do liberalismo, nomeadamente o individualismo abstrato, o universalismo, e a exigência da igualdade. Por outro lado, os conservadores sublinharam a importância da história e da tradição, o particular e o local. Por conseguinte, o conservantismo tem sido apresentado como uma corrente de cariz não universalista, à maneira do liberalismo ou do socialismo, por se organizar em torno de um conjunto distinto de valores e princípios, assumindo uma forma específica consoante o contexto da tradição nacional.
Primeiramente usado como identificação política na Inglaterra de 1830, o conservantismo disseminou-se gradualmente, apesar dos seus praticantes não identificarem a legitimidade transnacional da ideologia, e afirmarem diversas tradições nacionais. Como reflexo desta realidade, é normal que encontremos a manifestação deste pensamento em figuras como Edmund Burke, Joseph de Maistre, Michael Oakeshott ou Leo Strauss.
Desde a sua génese, o conservantismo tem funcionado como uma ação de resguardo contra o mundo moderno, uma vez que o ritmo veloz das mudanças globais exige uma disposição conservadora que zele pelos valores que supostamente seriam cada vez mais necessários: as monarquias absolutas, o poder político das aristocracias, a autoridade política da igreja, a escravidão, ou a subordinação das mulheres. Causas estas, claramente perdidas na teoria, ainda que na prática haja muito por fazer ainda, considerando que as persistências deste pensamento se viram derrotadas perante a aceitação generalizada dos direitos humanos, da democracia, secularismo, impostos imobiliários etc. Mas todas estas mutações sociais não invalidam a relevância da mensagem ou atitude conservadora, embora seja difícil compreender por vezes o que há para “conservar”.
O conservantismo não é meramente uma doutrina qualificada pela resistência às alterações, uma vez que possui a sua própria visão sobre a sociedade e a natureza humana. Na senda deste pensamento, os conservadores têm sido críticos ferozes do individualismo e da doutrina dos direitos individuais, uma vez que para os primeiros a sociedade existe antes dos indivíduos, sendo o indivíduo uma construção da sociedade, que é moldada por determinados costumes, valores e tradições.
Como doutrina política, o conservantismo preocupa-se com a ordem, autoridade, tradição e hierarquia, sustentando que uma ordem social estável requer o reconhecimento e respeito pela autoridade em todas as camadas da sociedade.
Como doutrina económica, o conservantismo enfatizou sempre o direito à propriedade, mas não como um direito individual universal: pelo contrário, as relações são entendidas como profundamente enquadradas na história de sociedades particulares, envolvendo estas relações direitos e deveres. Durante o século XIX, os conservadores criticaram frequentemente o modelo económico individualista laissez faire, acreditando que o fosso crescente entre ricos e pobres, o encorajamento à especulação e competição, o crescimento urbano e despovoamento rural, a perda da autossuficiência nacional, entre outros venenos do capitalismo, conduziria à decadência social.
Como doutrina cultural, o conservantismo preocupa-se principalmente com a preservação da autoridade da tradição cultural, resistindo à destruição dos padrões culturais elevados e exigentes, e lamentando ao mesmo tempo o declínio do comportamento moral no Ocidente. Por exemplo, no Ocidente, a disseminação da permissibilidade, o enfraquecimento da responsabilidade individual, a ênfase nos direitos ao invés dos deveres, as vagas de legislação social que aprovaram o aborto e o divórcio, a descriminalização da homossexualidade, o fim da pena capital ou do suplício, causaram a profunda ansiedade dos pensadores conservadores: o mesmo se pode dizer do declínio das políticas educacionais ou o crescente uso de tecnologias como a internet.
Apesar das frequentes tentativas de se associar o conservantismo com um conjunto de experiências nacionais únicas, existem, não obstante (como em todas as ideologias), características comuns e princípios comuns que perfilam o olhar conservador: reconhece-se a doutrina como fundamentalmente defensiva, preocupada com a vigência de instituições existentes e interesses, e com a resistência às pressões reformadoras. O resultado destas condicionantes é um profundo ceticismo sobre a razão humana, a bondade humana, o conhecimento humano e a capacidade humana. Consequentemente, os conservadores são representados como pessimistas quanto ao estado do mundo e da sociedade humana, acreditando que todos os esquemas de aprimoramento social são, no melhor, bem-intencionados, e, no pior, tentativas maliciosas de mudança social que resultarão na decadência da sociedade.
References:
O’Sullivan, N. (1986) Conservatism. Dent, London.