I
Frequentemente é sustentado que o declínio do poder e popularidade da religião nas sociedades modernas industriais se deve à ascensão da ciência; a ciência e a religião são adversários num jogo de soma zero, sendo a primeira entidade bastante mais persuasiva.
Como o sociólogo Robert Merton apontou, consideráveis cientistas naturais que foram pioneiros no século XVII, como Robert Boyle, eram homens devotos que entenderam o seu trabalho como uma demonstração da glória da criação de Deus. Contudo, a ciência desafiou os elementos tomados como garantidos no sistema teístico (geocentrismo, criacionismo). Em 1633, a Igreja Católica julgou, condenou e aprisionou, Galileu Galilei, por este promover a nova doutrina do heliocentrismo. No século XIX, os líderes da Igreja da Inglaterra tentaram refutar a teoria da evolução de Charles Darwin e seus discípulos. Atualmente, e sobretudo nos EUA, os protestantes conservadores tentam usar os tribunais para forçarem os programas curriculares escolares a serem constituídos por um tempo de antena devotado ao criacionismo, do mesmo modo como são centrados na evolução naturalista. Este jogo de soma zero, e sobretudo a visão exposta sobre a relação da ciência e da religião é largamente errônea se pretendemos compreender a explicação das mudanças que a sociedade conheceu em termos da condição humana. É indiscutível que as pessoas educadas, cujos padrões de vida dependem diretamente da ciência natural possam continuar a sustentar ao mesmo tempo crenças supernaturais.
II
Assim, uma possibilidade de responder aos desafios surgidos, é incorporar na crença religiosa teística os novos conhecimentos adquiridos graças à ciência. Por exemplo, na segunda metade do século XIX, a igreja cristã dominante reconstruiu o seu sistema de crenças: o paraíso e o inferno, de realidades externas passaram a estados psicológicos; o paraíso torna-se assim numa sensação de contentamento, ao passo que o inferno revela a alienação humana. Do mesmo modo, os milagres perderam o seu estatuto categórico: o grande dilúvio tornou-se numa má explicação de um evento natural; as curas milagrosas pela fé foram explicadas não como um resultado de uma intervenção divina, mas como uma espécie de efeito placebo. Tais adaptações não erradicaram a deidade omnipotente, uma vez que a esta foi atribuída a criação dos processos complexos que as ciências naturais começaram a descobrir.
III
Contudo, reescrever a fé é virar a ciência contra si própria. Os que preferem continuar a acreditar na criação divina, por exemplo, podem citar a visão de Karl Popper sobre a lógica da descoberta científica, na medida em que o seu estatuto é somente hipotético. Na ciência natural propriamente compreendida, nada é provado como eterno: o nosso estado corrente de conhecimento é o melhor que temos neste ponto do tempo. Aderindo a tal visão, a religião consegue afastar qualquer proposição científica que ameace o seu edifício. Mais geralmente, a ideia de que a descoberta científica demole inúmeros pressupostos religiosos, requer que os crentes tenham consciência do conflito entre os dois campos, e do peso da evidência por detrás das descobertas problemáticas. Mas este pode não ser o caso.
Mesmo nas sociedades com ensino compulsório, são poucas as pessoas que possuem algum conhecimento do que está a acontecer na física, química ou medicina. Por exemplo, os consumidores de terapias médicas alternativas ignoram que subscrevem modelos de causação para os quais a melhor ciência não oferece suporte empírico: é difícil assim, perceber como a homeopatia, cuja ideia central é o tratamento a partir da diluição e dinamização da mesma substância que produz o sintoma num indivíduo saudável, se pode enquadrar e sustentar conforme as noções convencionais de causação. Ainda assim, alguns cientistas medicamente treinados, praticam a homeopatia, e muitos pacientes parecem satisfeitos com a “legitimidade científica” da cura.
III
O que isto sugere é que ainda que a batalha entre os achados específicos das ciências da natureza e as ideias religiosas tenham colidido, é muito provável que o seu papel na dissolução da religião seja pequeno. Isto, considerando que são muitas as pessoas que simplesmente que se situam insularmente face aos choques ideológicos entre a ciência e a religião. Consequentemente, para explicarmos a religião, é imperativo identificar as mudanças sociais associadas com a industrialização, uma vez que este processo enfraqueceu a capacidade de comunidades ideológicas se reproduzirem a si próprias, e também problematizar a crescente liberdade individual e o aumento da diversidade social e cultural, que são agentes de mudança muito mais poderosos do que qualquer ideia naturalística particular.
References:
Polkinghorne, J. (2003) Belief in God in an Age of Science. Yale University Press, New Haven.