Cidadania

O conceito de cidadania tem sido imensamente disputado ao longo da história. Na obra de Aristóteles, A Política, encontra-se, por assim dizer, a forma mais “primitiva” da sua definição. Segundo o ponto de vista aristotélico, a cidadania adquire-se ou por sangue ou por nascimento num determinado Estado a partir de uma gestação de pai e mãe cidadãos desse mesmo órgão. Escravos, mulheres, crianças e os residentes estrangeiros não cumpriam os requisitos exigidos para desempenharem o papel de cidadãos: a mulher e a criança por imaturidade intelectual; o escravo, por não ser livre nem ter tempo para participar na vida política dado o teor do trabalho servil; os estrangeiros, por não possuírem afinidades linguísticas, culturais e étnicas.

De acordo com a moderna teoria sociológica, a possessão de cidadania enquadra-se na geografia de uma comunidade política organizada em torno de um território demarcado ou consoante as referências impostas pelo Estado-Nação. É por isso que a natureza da cidadania adquire diversos matizes conforme a estruturação de um Estado-Nação, ultrapassando, na teoria, o puramente político. As variantes possíveis na qualificação do conceito de cidadania, giram em torno de dois eixos: o processo que permite aceder ao estatuto de cidadão, e a bagagem de direitos e deveres que tal concessão autoriza. São estas as regras que assinalam o cidadão, distanciando-o do não cidadão.

Há duas alternativas legais de se possuir a cidadania, e estas residem na cidadania por descendência (jus sangui) e na cidadania por local de nascimento (jus soli). Esta díade ordena o primeiro eixo. A dissimetria entre estes dois termos operantes provoca impactos enormes, dado que se for o princípio jus sanguinis a operar, o ser nascido em determinado país é insuficiente para ganhar o direito à cidadania (como no Japão e na Alemanha, onde é necessária uma ligação ancestral ao território ou qualidades étnicas e culturais apropriadas para a aquisição da cidadania); caso seja a lógica jus soli a atribuir a cidadania, as possibilidades são amplas (a cidadania americana ou australiana pode ser adquirida por virtude de se ter nascido num destes países).

Relativamente ao segundo eixo, o conjunto de deveres e direitos, este explica o que a pertença a uma comunidade política, uma vez obtida, providencia. Porém, englobam mais do que o político, porque dizem também respeito à dimensão legal e social da cidadania, percorrendo os itinerários do civil e do social: a responsabilidade civil apela aos direitos e deveres corporizados nas Constituição de dado Estado-Nação, e passam pela igualdade perante a lei, o direito ao contrato social e à propriedade, e a liberdade de pensamento; no plano do social, articula-se o direito a um nível básico de bem-estar material por intermédio do Estado Social, que é incondicional e independente da capacidade individual para o mercado de trabalho.

Tipicamente aborda-se a problemática da cidadania em termos de direitos e deveres disponibilizados aos cidadãos e negados aos não cidadãos, como imperativos morais que contribuem para a manutenção da ordem e integração social. Não obstante, há uma dificuldade, cujo carácter premente tem contribuído para o debate na esfera pública e intelectual: a noção de dever. O dever e o direito codeterminam-se? Não, há um desfasamento entre ambos. Por cada direito é evidente que não existe um dever dado que os direitos dos cidadãos estão institucionalmente enraizados e os deveres operam como signo das exortações morais e políticas em que consistem as ideologias. Esta desarticulação é cristalina se considerar-se que muitos dos deveres veiculados pelo Estado-Nação não estão confinados meramente aos cidadãos, mas também aos que não o são, como a honestidade fiscal, a conformidade à lei, o exercício da tolerância social etc. Outro desafio contemporâneo prende-se com a incapacidade do Estado construir um modelo holístico de cidadania, isto é, que seja plural o suficiente para se adaptar aos mosaicos culturais que definem o mundo moderno. Os problemas decorrentes desta configuração volátil são a segmentação social. Com a acentuada internacionalização das economias nacionais e os fenómenos de desterritorialização provocados pela guerra, aumentam as indagações.

 

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References:

Aristóteles (1975), A Política, s.l., Círculo de Leitores.

Delanty, G. (2000), Citizenship in a Global Age, Buckingham, UK:
Open University Press.

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