Carisma
Em parte, por ter sido absorvido pelos meios de comunicação de massa de um modo consideravelmente adulterado, o conceito de carisma é um dos conceitos sociológicos mais contenciosos de momento. O termo deriva de uma concepção teológica cujo referente é o dom divino da graça. Max Weber desenvolveu o uso sociológico do termo por estender a sua aplicabilidade ao reconhecimento dos líderes individuais, por parte do séquito de seguidores: nomeadamente, como figuras tutelares detentoras de poderes excepcionais.
Todavia, a formulação de Weber não foi isenta de ambiguidades: por um lado, era possível argumentar que a natureza do carisma derivada dos poderes ou qualidades demonstradas pelo indivíduo, sendo esta explicação sustentada primariamente em termos dos atributos psicológicos pessoais do líder; por outro lado, havia margem para argumentar que a característica suprema do carisma residia no reconhecimento, pelo que a sua explicação deveria necessariamente recorrer aos dados sociopsicológicos extraídos das relações interpessoais entre líderes e seguidores.
Foi com argúcia que Weber contrastou o carisma com as formas de autoridades resultantes da tradição e das considerações legais ou racionalistas. O líder carismático é o que entra em ruptura com a tradição ou as normas legais prevalecentes, exigindo e justificando obediência devida com base a um argumento teológico, isto é, como sendo um profeta de Deus que incorpora forças transcendentais. Os líderes convencionalmente eleitos, ou os herdeiros de tradições estabelecidas, pelo que foi dito acima, mas também pela popularidade alcançada, não podem ser associados a esse carisma.
Em virtude da missão de um líder, por acreditarem que se encontra numa demanda de índole transcendental, os séquitos concedem a obediência e a devoção ao primeiro. Tal não obsta à confirmação ocasional desses mesmos poderes por parte do líder, exigida pelo séquito, e demonstrada pelo líder através de sinais milagrosos: eis o preço do compromisso.
O líder carismático opera os seus comandos por intermédio de um corpo de discípulos, ou outro círculo de devotos próximo, ao invés de um grupo estabelecido de funcionários. Frequentemente (sobretudo no caso do carisma religioso), esse círculo é constituído pelos membros mais próximos do líder, que possuem relações íntimas ou emocionais com o líder. Consequentemente, as tarefas atribuídas a esses membros não são baseadas em considerações técnicas, mas sim sustentadas pela consideração da intensidade da devoção e submissão da vontade aos objectivos do líder. Não existe em si uma rotina administrativa, uma vez que qualquer prenúncio dessa rotina é fragmentado pela intervenção e revelação do líder.
A base económica do movimento é irregular e fundada no saque ou em diversas doações. A tomada de decisões é volátil mas inspirada.
Por este motivo, o carisma revela-se sempre como um antecedente precário do autoritarismo. Max Weber defendeu que o carisma era capaz de existir como forma pura, ainda que por breves instantes. Mas com o maturar do tempo, transforma-se numa forma de liderança menos espontânea e imprevisível, consolidando-se então numa forma de autoridade tradicional ou racional. Tal desenvolvimento parece ser uma consequência inelutável da perpetuação da missão por parte do movimento, ou pela difusão da mensagem além dos limites do corpo imediato de discípulos. A resistência à erosão do tempo acaba por exigir mecanismos de coordenação, supervisão e delegação. Consequentemente, dá-se a rotinização, isto é, o desejo de estabilidade e previsibilidade.
O problema da sucessão não raras vezes acelera o processo de rotinização. O carisma do fundador de um movimento é investido em outro por intermédio da sucessão hereditária ou um ritual consecratório.
References:
Weber, M. (1947 [1922]) The Theory of Social and Economic Organization, London. (Part 1 of Wirtschaft und Gesellschaft, Tübingen.)