Ao buscarmos conceitos e definições para o termo Saúde Mental, nos deparamos com uma variedade deles, mas há um ponto central apresentado nesses significados que dizem basicamente que a saúde mental é o estado de equilíbrio entre a pessoa e o meio externo, ou seja, é como cada sujeito vivencia internamente suas experiências de vida e suas emoções em relação aos contextos familiar, cultural, social e econômico nos quais esteja inserida. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde mental é uma parte integrante e essencial da saúde e define: “saúde é um estado completo de bem-estar físico, mental e social e não mera ausência de doença ou enfermidade” (OMS, 2016). Assim, podemos entender que o conceito de saúde mental vai além da ausência de transtornos mentais ou qualquer deficiência e que este é um tanto mais amplo e complexo do que encontramos nas definições, pois a prática clínica do profissional da saúde comprova este evento em seu cotidiano de trabalho.
Dada a complexidade e o fato de que a saúde mental está direta e intrinsecamente relacionada a todos os campos da vida do sujeito de maneira integral, ou seja, não há como separar o físico do mental; a saúde enquanto campo, foi evoluindo e se especializando em núcleos para cuidar do ser humano. Nesse sentido, o núcleo que será abordado é o da Terapia Ocupacional. Os estudos e as práticas que fundamentaram a Terapia Ocupacional atual enquanto ciência interdisciplinar e metodologia de tratamento, surgiram na segunda metade do século XVIII, pelo médico psiquiatra francês Philippe Pinel (1745–1826), o qual contribuiu com a construção de teorias e formas de tratamento que auxiliaram na fundamentação desta profissão.
A Terapia Ocupacional é uma profissão de nível universitário e que é relativamente “nova” no campo da saúde. No Brasil, foi regulamentada pela Lei 938 de 13 de outubro de 1969 e, desde então, é fundamentada com base no código de ética estabelecido pelo Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) vigente. Genericamente, a Terapia Ocupacional tem como alicerce de seus estudos e tecnologias a ocupação humana, o “fazer humano”, e possibilita executar suas ações nos campos das reabilitações física, sensorial, mental e social, abordando desde uma simples dificuldade que o sujeito apresente em seu cotidiano, até as mais graves e limitantes. Assim, utiliza da atividade humana como recurso terapêutico para construir e reconstruir novas habilidades e possibilidades em conjunto com o indivíduo que necessita de sua intervenção em um dado momento da vida. Essas ações têm por objetivo encontrar caminhos com o paciente que estimulem sua independência, sua autonomia através das potencialidades apresentadas e descobertas.
O Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional do Estado de São Paulo (CREFITO 3), define: “A Terapia Ocupacional é um campo de conhecimento e de intervenção em saúde, educação e na esfera social, reunindo tecnologias orientadas para a emancipação e autonomia de pessoas que, por razões ligadas à problemática específica, físicas, sensoriais, mentais, psicológicas e/ou sociais apresentam temporariamente ou definitivamente dificuldade da inserção e participação na vida social” (CREFITO 3, 2017). Enquanto terapeuta ocupacional assistente em um serviço de saúde mental do Sistema Único de Saúde (SUS) de um município brasileiro, norteio meu processo de trabalho embasado em um método que me proporciona contribuições importantes e eficazes, denominado Método Terapia Ocupacional Dinâmica (MTDO), construído e formalizado pelo Centro de Especialidades em Terapia Ocupacional (CETO) em 1980. Este método tem como fundamento “a dinâmica da relação triádica, estabelecida então entre seus três termos: paciente, terapeuta e atividades. O caminho processual que caracteriza o Método é a dinâmica específica pela qual movimentos de ação e outros de reação são determinantes dessa dinâmica relacional” (CETO, 2017).
Atualmente, nos deparamos com definições, estudos e formações voltadas à clínica da Terapia Ocupacional que nos proporcionam significativas sustentações para a ação profissional, no entanto, direcionaremos adiante a prática do seu núcleo no campo da Saúde Mental. No contexto atual, em específico na atuação do terapeuta ocupacional de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), descreveremos a inserção do mesmo na equipe que compõe o referido equipamento de saúde, o qual presta atenção psicossocial de saúde mental.
O CAPS é construído por uma equipe multiprofissional e nesta está inserido o terapeuta ocupacional. Esse profissional tem por objetivo e função contribuir com as especificidades de seu núcleo de formação, no caso da Terapia Ocupacional; para oferecer e qualificar a assistência prestada, por meio de seus recursos tecnológicos na elaboração dos projetos terapêuticos singulares dos pacientes cuidados nesse tipo de serviço. Considerando, portanto, que o terapeuta ocupacional tem como recurso principal a atividade humana através do fazer cotidiano, sua contribuição será na avaliação de atividades da vida diária (AVD´s) e da vida prática (AVP´s), analisando os processos de cada paciente, individualmente, ou seja, conforme as necessidades e demandas apresentadas num determinado momento. Portanto, tratam-se de projetos que são dinâmicos e dialéticos, que possuem a necessidade de reavaliações constantes.
Tais procedimentos realizados pelo terapeuta ocupacional são possíveis por meio das ações de atendimentos individuais, atendimentos em grupo, intervenções familiares, oficinas terapêuticas, acompanhamentos terapêuticos, enfim, intervenções diretas aos usuários no que diz respeito à rotina de vida dos mesmos. Outras ações realizadas por esses profissionais estão ligadas ao âmbito institucional, como por exemplo, participações em espaços de discussões clínicas dos casos e com equipes da saúde e intersetoriais, as quais compõem a Rede de Atenção à Saúde (RAS) do município; ações no território em que o serviço está alocado e que os pacientes residem e circulam com o intuito de facilitar o acesso; a participação e comprometimento com espaços implementados para estimular o protagonismo dos usuários e seus familiares, promovendo debates acerca de seus direitos e deveres enquanto cidadãos e pessoas portadoras de transtornos mentais que merecem a devida atenção especializada. Citamos como exemplos desses espaços, a composição dos Conselhos Locais e Conselhos Municipais de Saúde e dos movimentos sociais. Ainda há a possibilidade de o terapeuta ocupacional habitar cargos de gestão, atuando na coordenação de serviços e equipes de saúde até funções relacionadas a níveis centrais de administração em saúde (municipais, estaduais ou federais) e que são partes constituintes dessa rede.
A partir dessas ações descritas, o terapeuta ocupacional é o profissional habilitado e capacitado em elaborar, planejar, executar e analisar as atividades humanas do cotidiano de um sujeito, o que não implica em ser o único profissional apto em praticar e vivenciar tais ações nos seus campos de exercício da profissão, mas possui o olhar específico do seu núcleo para a análise de atividades, uma das principais qualidades que o difere das outras formações acadêmicas. Portanto, em uma equipe multiprofissional em que sua estruturação se dá por vários núcleos profissionais, de formações técnicas distintas, há presente o mecanismo da interdisciplinaridade. Suscintamente, esse mecanismo se refere ao “trânsito” dos núcleos profissionais em um determinado campo de atuação (aqui, o da saúde mental), respeitando as especificidades teóricas e práticas de cada um, mas que é de fundamental importância na construção e na ampliação do conhecimento, nas trocas de saberes e de experiências vivenciadas no percurso profissional e que nos permitem o aprimoramento do nosso processo de trabalho. Esses movimentos são notados e passíveis de experimentação, quando atuamos no campo profissional com a disponibilidade de trabalhar em equipe, somando com o outro, e não centralizando nossas práticas em um modelo individualizado de assistência.
Enfim, a Terapia Ocupacional no Brasil, vem sendo explorada e aprimorada em todos os seus campos de prática, o que nos permite refletir e agir com buscas constantes por atualizações, por oportunidades de crescimento profissional, ofertando contribuições no âmbito da educação em saúde e da formação acadêmica, além de estimular o reconhecimento da profissão e o esclarecimento àqueles que ainda a desconhecem ou a interpretam de uma maneira errônea e equivocada. Para tanto, o terapeuta ocupacional deve estimular com frequência sua criatividade, qualificando suas habilidades e potencialidades em prol do cuidado com o outro e, em algumas vezes, “emprestando” seu próprio desejo. Infelizmente, ainda presenciamos no Brasil, outros profissionais que desconhecem ou não compreendem a Terapia Ocupacional enquanto profissão e como um recurso útil e eficaz para tratamento em saúde. Mas, por outro lado, houveram significativos avanços da profissão no contexto brasileiro e que continuam caminhando positivamente; pois ainda há países que, recentemente (digo na atual década), o terapeuta ocupacional era subordinado a outros profissionais, como ocorriam com outras profissões mais antigas, que tinham como base o modelo médico-centrado e hospitalocêntrico. Em suma, é da responsabilidade de nós terapeutas ocupacionais promover a divulgação e o (re) conhecimento da Terapia Ocupacional; anterior à nos expressarmos de maneira reativa e desconstrutiva por não haver tal reconhecimento. Para que estas atitudes sejam possíveis, podemos partir da prática individual de cada profissional e assim, atingirmos o coletivo, o macro; por exemplo, realizando ações no campo da Saúde e da Educação em Saúde.
References:
- PÁDUA; Elisabete M.M. de; MAGALHÃES, Lílian V. (orgs). Terapia Ocupacional: Teoria e prática. Campinas, SP: Editora Papirus, 2003.
- Portal Nações Unidas no Brasil, Saúde mental depende de bem-estar físico e social. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/saude-mental-depende-de-bem-estar-fisico-e-social-diz-oms-em-dia-mundial/>. Acesso em 18 de outubro de 2017.
- Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional 3, Terapia Ocupacional. Disponível em: <http://www.crefito3.org.br/dsn/terapiaocup.asp>. Acesso em 18 de outubro de 2017.
- Centro de Especialidades em Terapia Ocupacional, Ceto. Disponível em: <http://www.ceto.pro.br/atividades/>. Acesso em 18 de outubro de 2017.