Rede de Atenção em Saúde Mental no Brasil

O tema central do seguinte artigo, abordará a constituição da Rede de Atenção Psicossocial e da saúde mental no Brasil com o objetivo de compartilhamento do modelo em construção no país na referida especialidade da saúde.

Após o movimento da reforma psiquiátrica no Brasil, que teve seus primeiros indícios transformadores em 1978, significativas mudanças ocorreram nas políticas públicas de saúde mental do país. Estas chegaram para contribuir com a construção da atenção psicossocial e de saúde mental, atualmente estruturada por equipamentos de saúde que operam em rede, sendo esta norteada pelos princípios do sistema de saúde vigente em âmbito nacional, o Sistema Único de Saúde (SUS). E assim, logicamente, respeitando as especificidades de cada região, de um amplo território, o qual é caracterizado por uma diversidade ímpar e heterogênea, com momentos históricos, socioculturais e socioeconômicos variados de um contexto um tanto permeado por desigualdades.

A noção de “rede em saúde” que abordaremos aqui está embasada nas diretrizes e princípios do SUS. A portaria do Ministério da Saúde (MS) nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010, nos define Rede de Atenção à Saúde (RAS) como: “arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de diferentes densidades tecnológicas, que integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do cuidado” (Brasil, 2010). As RAS são caracterizadas pelas seguintes ações: fomentar relações horizontais entre os diferentes pontos de atenção; estabelecer a Atenção Primária à Saúde como centro da comunicação; realizar planejamento e organização das ações segundo as necessidades de saúde de uma população específica; ofertar a atenção contínua e integral; manter o cuidado multiprofissional e o compartilhamento dos objetivos e compromissos com os resultados, em termos sanitários e econômicos.

As Redes de Atenção à Saúde estão fundamentadas, ou seja, se sustentam em bases teóricas para produzir resultados eficazes, quando estruturada pelos fundamentos da economia de escala; da suficiência e qualidade; do acesso; da disponibilidade de recursos; da integração vertical; da integração horizontal; dos processos de substituição; da região de saúde ou abrangência e dos níveis de atenção (Amarante, 2007).

Nesse sentido, será abordado em específico, um ponto apenas desta rede que integra todos os serviços de atenção à saúde, o surgimento dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que se constituíram como equipamentos de atenção à saúde mental na lógica de “serviços substitutivos” aos hospitais psiquiátricos (substituindo, mas não extinguindo, as internações psiquiátricas) e eram a única alternativa para tratamento em saúde mental disponível naquela época, durante a década de 1980. Hoje, os CAPS compõem a estruturação de uma Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) existente no Brasil, a qual apresentaremos sua definição mais à frente. Portanto, os CAPS são serviços de saúde mental, de atenção psicossocial, implementados para acolher a crise psiquiátrica, tanto em procedimentos nos moldes de um hospital-dia, como em leitos para internação breve, evitando assim as longas permanências do paciente nos leitos dos antigos manicômios. Além desses objetivos, os CAPS devem ser espaços estruturados que operam de maneira maleável, no sentido de oferecer uma atenção individualizada partindo das necessidades e demandas de cada sujeito, por meio da elaboração de um plano de tratamento (chamado projeto terapêutico singular), construído por uma equipe técnica multiprofissional em que o paciente e seus familiares são incluídos como parte desse processo.

As portarias ministeriais brasileiras nº 189/1991 e nº 224/1992, instituíram modalidades de atenção em saúde mental como os hospitais-dia, as oficinas terapêuticas e os CAPS. Mais tarde esses serviços são reestruturados pelas portarias nº 336/2002 e nº 189/2002 que instituem vários tipos de CAPS. Esses tipos são estabelecidos conforme os dias e horários de atendimentos, equipe técnica mínima necessária para prestar a assistência e a como se dará a sua implementação, ou seja, se será CAPS I, CAPS II ou CAPS III, que está diretamente relacionada ao número de habitantes que possui em cada município. Além desses já citados, a rede conta também com os CAPS IJ (Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil) direcionados ao tratamento de crianças e adolescentes e os CAPS AD (Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas) para suporte ao tratamento da dependência química. Apresentamos abaixo um esquema gráfico que o Ministério da Saúde disponibiliza para ilustrar o entendimento de como os CAPS estão organizados no país (Brasil, 2004). Mas, cabe citar que atualmente esta rede é mais ampla e complexa, pois nela ainda estão incluídas outras ofertas que o território pode vir a possuir, que são intersetoriais e que contam com a disponibilidade e com a criatividade da equipe para serem explorados, bem como pelo próprio usuário do SUS.

rede-saude-mental
Fonte: Ministério da Saúde, Brasil, 2004

No Brasil, as portarias ministeriais que norteiam a atenção psicossocial do país já sofreram várias alterações e revisões desde suas aprovações, mas como dito anteriormente, citaremos agora sobre a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) que foi instituída pela portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011 e constituída com base em uma variedade de leis e portarias anteriores a ela, como por exemplo, as leis nº 10.216/2001, a nº 10.708/2003 e a portaria nº 336/GM/MS/2002, entre outras importantes para a elaboração das políticas públicas nacionais da assistência em saúde mental. A RAPS é formada por serviços que oferecem a atenção psicossocial às pessoas que apresentam algum sofrimento ou transtorno mental e a necessidade de assistência relacionada e decorrente ao uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo o Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde (2012), são diretrizes da RAPS:

respeito aos direitos humanos, garantindo a autonomia, a liberdade e o exercício da cidadania;
promoção da equidade, reconhecendo os determinantes sociais da saúde;
garantia do acesso e da qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar;
ênfase em serviços de base territorial e comunitária, diversificando as estratégias de cuidado, com participação e controle social dos usuários e de seus familiares;
organização dos serviços em RAS regionalizada, com estabelecimento de ações intersetoriais para garantir a integralidade do cuidado;
desenvolvimento da lógica do cuidado centrado nas necessidades das pessoas com transtornos mentais, incluídos os decorrentes do uso de substâncias psicoativas.

Já em relação à implementação da RAPS, que tem como um de seus objetivos centrais a construção de diferentes serviços para atender as diversas necessidades, são elencados os seguintes Eixos Estratégicos:

eixo 1: Ampliação do acesso à rede de atenção integral à saúde mental.
eixo 2: Qualificação da rede de atenção integral à saúde mental.
eixo 3: Ações intersetoriais para reinserção social e reabilitação.
eixo 4: Ações de prevenção e de redução de danos.

Considerando as questões econômicas, sociais e políticas atualmente vivenciadas no Brasil, as RAPS têm sido implementadas inicialmente nas regiões do país que são priorizadas pelo Plano de Enfrentamento ao Crack, Álcool e Outras Drogas, ou seja, são ações de saúde que estão inseridas no âmbito da formação dessas redes. Tais ações são articuladas por meios da intersetorialidade com ações de assistência social, de prevenção, de formação e de segurança (polícia comunitária) e devem operar de maneira coordenada entre os Municípios, os Estados e a União. Porém, na prática cotidiana de nós profissionais que atuam na ponta da atenção aos usuários do SUS, é de vasta consciência e discernimento que as políticas públicas de saúde não evoluem qualitativamente para a melhoria dos serviços prestados à população atendida. Que estas já ultrapassaram o tempo de reformulações e até mesmo de intervenções diretas, porém necessárias, dados os sentimentos de descrença e desconfiança gerados na população brasileira em relação às atitudes políticas corruptas por parte dos governantes do país e que temos presenciado no contexto atual com certa frequência. Sendo assim, ficam prejudicados os financiamentos para novos serviços, implementações preconizadas de equipamentos de saúde que nunca aconteceram, a falta de recursos para uma oferta desdente e com qualidade da atenção, a produção de profissionais insatisfeitos com o trabalho que se torna estressante, insalubre e está a cada momento, mais sucateado e sem perspectivas reais de melhora.

Enfim, parte significativa das alternativas encontradas desde a reforma psiquiátrica, no que diz respeito à qualificação dos serviços de saúde mental no Brasil, não ocorreram e há a demanda para o poder público de ampliar o olhar para esta parte da saúde, a saúde mental, que historicamente e socioculturalmente, sempre foi tratada sem prioridade; além das questões geradas pela contemporaneidade, que têm trazido múltiplos fatores desencadeadores de sofrimentos psíquicos, dos quais apresentam um exacerbado aumento nas incidências de novos casos (cada vez mais graves e complexos) e daqueles, que em última instância e em algumas vezes por serem negligenciados, poderão acarretar em uma elevação dos índices  das taxas de mortalidade em decorrência de um comprometimento mental. Digo, daquele paciente que não tenha sido assistido de maneira integral e humanizada por não ter conseguido e acesso ideal ao tratamento adequado. E, dos mais críticos fatores ao meu modo de entender, ainda termos que nos depararmos com situações como as atuais, já que o acesso e o direito à saúde estão preconizados por leis. Por fim, ainda há a drástica e grande possibilidade de uma infeliz consequência que se trata da reprodução constante da loucura, enquanto o pilar central da saúde é promover e cuidar de vidas, tratar pessoas e não apenas doenças.

1358 Visualizações 1 Total

References:

  • AMARANTE, Paulo. Temas em Saúde: Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007.
  • BRASIL, Ministério da Saúde. Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Brasília: Departamento da Atenção Básica, 2012.
  • BRASIL, Ministério da Saúde. Portaria nº 3.088/2011. Brasília: Ministério da Saúde: Gabinete do Ministro, 2011.
1358 Visualizações

A Knoow é uma enciclopédia colaborativa e em permamente adaptação e melhoria. Se detetou alguma falha em algum dos nossos verbetes, pedimos que nos informe para o mail geral@knoow.net para que possamos verificar. Ajude-nos a melhorar.